Por Jandira Feghali, na revista CartaCapital:
Plagiando o conto português, é assim que vejo o momento e o desafio que temos pela frente nos próximos dias de trabalho da Câmara dos Deputados: fazer uma sopa de pedra.
No dia 11 de julho, em Comissão Especial Mista no Senado Federal, foi aprovado o relatório do senador Romero Jucá (PMDB/RR), precedido de sub-relatório do deputado federal Sérgio Zveiter (PSD/RJ), com proposta de projeto que regulamenta o artigo 221, inciso II, da Constituição Federal, que trata da regionalização da programação cultural, artística e jornalística nas emissoras de rádio e TV.
Aqui na Câmara, a matéria caiu como uma pedra. Em 1991, ano de meu primeiro mandato na Casa, apresentei o Projeto de Lei (PL) 256/91 com este mesmo objetivo. Aprovado na Câmara após 12 anos e derivado de amplo acordo, já aguardava novo relatório há 10 anos no Senado, apesar de esforços, audiências públicas e duas mudanças de relator. Após 22 anos de debates e esforços, além de passados 25 anos da promulgação da Carta Magna – fruto de mobilizações pregressas – uma pequena comissão de senadores e deputados despreza o processo histórico, alija a formulação acumulada e aprova um texto “polêmico”.
Ainda que procurado por cineastas e representantes das associações de produtores independentes, o relator não acatou sugestões e sugeriu que as mesmas fossem apresentadas em plenário. Como um projeto de lei tão importante, que deveria fazer ressoar os princípios na recém aprovada lei 12.485 – que regulamenta a regionalização da TV a cabo –, é desconfigurado e deixa de considerar a intenção do constituinte originário que buscou democratizar o acesso do povo brasileiro à sua diversidade cultural? E a tentativa de revelar nossa pluralidade e ampliar o mercado de trabalho para todas as regiões do Brasil?
A nova versão desmonta o conceito de regionalização, reduz drasticamente o tempo para sua programação, além de incluir na cota a propaganda eleitoral e a programação religiosa sem qualquer limite de tempo. Não está garantido horário de melhor audiência para a inserção da programação regional e exclui algo destacadamente importante – a obrigatoriedade de contratação da produção independente, presente no projeto de minha autoria e estabelecido em 40% do total.
De acordo com projeto da Comissão Mista, o combalido Fundo Nacional de Cultura é chamado a “socorrer”, pasme, as emissoras privadas de televisão privadas que regionalizarem. É como se não bastassem as polpudas verbas publicitárias públicas e os milionários patrocínios empresariais que recebem. Neste mesmo texto, é possível identificar o desaparecimento da cota de tela nacional concebida para fortalecer a produção de filmes de longa metragem e documentários.
O projeto apresentado em 1991, e tantos outros que tramitam na casa, servem para que o Estado brasileiro garanta e fomente a diversidade. O projeto em tramitação não só reforça a concentração cultural que está aí, como sustenta interesses contraditórios.
O que podemos fazer? Uma sopa de pedra.
A pedra já está na panela e o fogo aceso, pois os prazos regimentais são curtos.
Devemos agora acrescentar os ingredientes que darão gosto e “sustância” à sopa da regionalização. Devemos preparar as emendas e articular com os parlamentares debates que permitam reconduzir o projeto ao seu conceito original. A sociedade, os artistas e produtores independentes devem participar do debate, além de trabalhar junto ao Congresso Nacional para garantir o princípio fundamental da regionalização da produção cultural, artística e jornalística. Esta é uma luta estratégica para a democracia, para a pluralidade e para a paz.
A partir desta terça-feira 6, uma campanha em defesa da regionalização será lançada por diversas frentes parlamentares na Câmara, incluindo a de Cultura, a de Comunicação e a Comissão de Cultura, além de entidades que atuam no setor. Através de coletiva pública e um amplo canal de discussão, queremos fornecer debate necessário ao texto que se propõe regulamentar um dos itens mais importantes e sempre modernos da Carta Magna. É hora de dar espaço para opiniões e voz àqueles que são mais interessados. Aquelas pessoas que desejam se ver na televisão, ouvir seu sotaque e estar próximas de sua realidade. Afinal, nesta sopa não pode faltar um tempero: o povo brasileiro.
* Jandira Feghali é médica, deputada federal pelo PCdoB-RJ e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados
Plagiando o conto português, é assim que vejo o momento e o desafio que temos pela frente nos próximos dias de trabalho da Câmara dos Deputados: fazer uma sopa de pedra.
No dia 11 de julho, em Comissão Especial Mista no Senado Federal, foi aprovado o relatório do senador Romero Jucá (PMDB/RR), precedido de sub-relatório do deputado federal Sérgio Zveiter (PSD/RJ), com proposta de projeto que regulamenta o artigo 221, inciso II, da Constituição Federal, que trata da regionalização da programação cultural, artística e jornalística nas emissoras de rádio e TV.
Aqui na Câmara, a matéria caiu como uma pedra. Em 1991, ano de meu primeiro mandato na Casa, apresentei o Projeto de Lei (PL) 256/91 com este mesmo objetivo. Aprovado na Câmara após 12 anos e derivado de amplo acordo, já aguardava novo relatório há 10 anos no Senado, apesar de esforços, audiências públicas e duas mudanças de relator. Após 22 anos de debates e esforços, além de passados 25 anos da promulgação da Carta Magna – fruto de mobilizações pregressas – uma pequena comissão de senadores e deputados despreza o processo histórico, alija a formulação acumulada e aprova um texto “polêmico”.
Ainda que procurado por cineastas e representantes das associações de produtores independentes, o relator não acatou sugestões e sugeriu que as mesmas fossem apresentadas em plenário. Como um projeto de lei tão importante, que deveria fazer ressoar os princípios na recém aprovada lei 12.485 – que regulamenta a regionalização da TV a cabo –, é desconfigurado e deixa de considerar a intenção do constituinte originário que buscou democratizar o acesso do povo brasileiro à sua diversidade cultural? E a tentativa de revelar nossa pluralidade e ampliar o mercado de trabalho para todas as regiões do Brasil?
A nova versão desmonta o conceito de regionalização, reduz drasticamente o tempo para sua programação, além de incluir na cota a propaganda eleitoral e a programação religiosa sem qualquer limite de tempo. Não está garantido horário de melhor audiência para a inserção da programação regional e exclui algo destacadamente importante – a obrigatoriedade de contratação da produção independente, presente no projeto de minha autoria e estabelecido em 40% do total.
De acordo com projeto da Comissão Mista, o combalido Fundo Nacional de Cultura é chamado a “socorrer”, pasme, as emissoras privadas de televisão privadas que regionalizarem. É como se não bastassem as polpudas verbas publicitárias públicas e os milionários patrocínios empresariais que recebem. Neste mesmo texto, é possível identificar o desaparecimento da cota de tela nacional concebida para fortalecer a produção de filmes de longa metragem e documentários.
O projeto apresentado em 1991, e tantos outros que tramitam na casa, servem para que o Estado brasileiro garanta e fomente a diversidade. O projeto em tramitação não só reforça a concentração cultural que está aí, como sustenta interesses contraditórios.
O que podemos fazer? Uma sopa de pedra.
A pedra já está na panela e o fogo aceso, pois os prazos regimentais são curtos.
Devemos agora acrescentar os ingredientes que darão gosto e “sustância” à sopa da regionalização. Devemos preparar as emendas e articular com os parlamentares debates que permitam reconduzir o projeto ao seu conceito original. A sociedade, os artistas e produtores independentes devem participar do debate, além de trabalhar junto ao Congresso Nacional para garantir o princípio fundamental da regionalização da produção cultural, artística e jornalística. Esta é uma luta estratégica para a democracia, para a pluralidade e para a paz.
A partir desta terça-feira 6, uma campanha em defesa da regionalização será lançada por diversas frentes parlamentares na Câmara, incluindo a de Cultura, a de Comunicação e a Comissão de Cultura, além de entidades que atuam no setor. Através de coletiva pública e um amplo canal de discussão, queremos fornecer debate necessário ao texto que se propõe regulamentar um dos itens mais importantes e sempre modernos da Carta Magna. É hora de dar espaço para opiniões e voz àqueles que são mais interessados. Aquelas pessoas que desejam se ver na televisão, ouvir seu sotaque e estar próximas de sua realidade. Afinal, nesta sopa não pode faltar um tempero: o povo brasileiro.
* Jandira Feghali é médica, deputada federal pelo PCdoB-RJ e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados
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