Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Notícia publicada na quarta-feira (20/5) pelo Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo informa: a tradicional Rádio Eldorado, que pontuou durante décadas a programação mais qualificada na chamada linguagem culta, encerra sua agonia oficialmente na segunda-feira (25/5). A frequência dos 700 KHz em Amplitude Modulada será preenchida com a música gospel e as mensagens religiosas da Igreja Internacional da Graça de Deus. A partir da semana que vem, será parte da rede Nossa Rádio, propriedade do empresário religioso Romildo Ribeiro Soares, conhecido como missionário RR Soares.
A Eldorado nasceu em 1958, por concessão do então presidente Juscelino Kubitschek à família Mesquita, proprietária do jornal O Estado de S. Paulo. Teve seu auge entre as décadas de 1970 e 1980, tornando-se referência em jornalismo e música de qualidade.
A decadência se deveu, segundo analistas do setor, a erros estratégicos, gestão irresponsável e falta de investimento. Algumas tentativas recentes de lhe dar alguma sobrevida com parcerias levaram a mudanças no nome: a emissora passou a se chamar Eldorado/ESPN, depois Rádio Estadão/ESPN, e finalmente Rádio Estadão.
Romildo Soares, ex-membro fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, foi apontado em 2013 pela revista Forbes como o quarto líder religioso mais rico do Brasil, dono de uma fortuna calculada em US$ 125 milhões. Sua rede conta com mais de 2 mil templos por todo o país, mas sua atuação se dá principalmente no campo das comunicações.
Apostando inicialmente no rádio, Soares se tornou figura constante em muitas emissoras, primeiro alugando horários e mais tarde construindo sua própria rede, e hoje ocupa mais de 100 horas semanais de televisão.
O fim da Eldorado AM, depois de sua progressiva deterioração, era um fato há muito esperado no mercado. O que surpreende, a se levar em conta a reação de analistas especializados que comentam notícias sobre a mídia brasileira, é a cessão da tradicional banda AM 700 para uma organização religiosa.
Cortejo fúnebre
A família Mesquita não comentou oficialmente a negociação. Apenas emitiu uma nota, que carrega o estilo lacônico do diretor de Conteúdo do grupo, Ricardo Gandour. O texto diz resumidamente que “a Rede Nossa Rádio, que pertence à Igreja Internacional da Graça de Deus, assume a programação”, ressalvando que a empresa Rádio Eldorado Ltda., do Grupo Estado, “continuará como titular e responsável pela operação”. A empresa mantém a banda de Frequência Modulada. A declaração acrescenta que “o Grupo Estado tem priorizado investimentos em conteúdos e plataformas digitais destinados a públicos de qualificação diferenciada ou de interesse específico”.
O negócio deveria estimular um debate sobre a questão do controle dos meios de comunicação, mas isso não vai acontecer. Não fosse o aspecto irônico de a emissora ter passado para as mãos de um grupo “diferenciado” no universo do segmento religioso neopentecostal, esse seria apenas mais um capítulo no processo de decadência da mais antiga e tradicional entre as grandes empresas brasileiras de comunicação.
Após ter falhado em suas tentativas de obter uma concessão de televisão, entre os anos 1980 e 1990, o Grupo Estado viu esfumaçar-se o antigo domínio dos anúncios classificados com o advento da Internet e enfrenta as consequências de um longo processo de endividamento.
Consultores que atuaram recentemente num programa de ajuste das contas da empresa confidenciam que a marca O Estado de S.Paulo perdeu mais de 60% de seu valor nos últimos cinco anos e que seu principal patrimônio se resume ao imóvel que a empresa ocupa na zona Norte da capital paulista. O parque gráfico, planejado para a configuração específica do jornal, não pode ser desmembrado e suas unidades se depreciam progressivamente, passando a valer praticamente o que pesam suas peças.
Nesse trajeto descendente, as sucessivas administrações do grupo puseram a perder não apenas a qualidade do jornalismo praticado por seus veículos. Também enterraram o Jornal da Tarde, que marcou época com textos e edições marcantes, destruíram a memória das primeiras experiências da emissão de notícias pela internet – inclusive a primeira reportagem com imagens em movimento transmitida por linha discada no Brasil, no começo dos anos 1990 – e transformaram em tiras de papel trinta anos de pesquisa sobre o comportamento social e de consumo da mulher brasileira, trabalho da socióloga Célia Belém.
Com esse histórico de dissipações, a transferência da Rádio Eldorado para um grupo religioso carrega uma simbologia fúnebre.
Que descanse em paz.
A Eldorado nasceu em 1958, por concessão do então presidente Juscelino Kubitschek à família Mesquita, proprietária do jornal O Estado de S. Paulo. Teve seu auge entre as décadas de 1970 e 1980, tornando-se referência em jornalismo e música de qualidade.
A decadência se deveu, segundo analistas do setor, a erros estratégicos, gestão irresponsável e falta de investimento. Algumas tentativas recentes de lhe dar alguma sobrevida com parcerias levaram a mudanças no nome: a emissora passou a se chamar Eldorado/ESPN, depois Rádio Estadão/ESPN, e finalmente Rádio Estadão.
Romildo Soares, ex-membro fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, foi apontado em 2013 pela revista Forbes como o quarto líder religioso mais rico do Brasil, dono de uma fortuna calculada em US$ 125 milhões. Sua rede conta com mais de 2 mil templos por todo o país, mas sua atuação se dá principalmente no campo das comunicações.
Apostando inicialmente no rádio, Soares se tornou figura constante em muitas emissoras, primeiro alugando horários e mais tarde construindo sua própria rede, e hoje ocupa mais de 100 horas semanais de televisão.
O fim da Eldorado AM, depois de sua progressiva deterioração, era um fato há muito esperado no mercado. O que surpreende, a se levar em conta a reação de analistas especializados que comentam notícias sobre a mídia brasileira, é a cessão da tradicional banda AM 700 para uma organização religiosa.
Cortejo fúnebre
A família Mesquita não comentou oficialmente a negociação. Apenas emitiu uma nota, que carrega o estilo lacônico do diretor de Conteúdo do grupo, Ricardo Gandour. O texto diz resumidamente que “a Rede Nossa Rádio, que pertence à Igreja Internacional da Graça de Deus, assume a programação”, ressalvando que a empresa Rádio Eldorado Ltda., do Grupo Estado, “continuará como titular e responsável pela operação”. A empresa mantém a banda de Frequência Modulada. A declaração acrescenta que “o Grupo Estado tem priorizado investimentos em conteúdos e plataformas digitais destinados a públicos de qualificação diferenciada ou de interesse específico”.
O negócio deveria estimular um debate sobre a questão do controle dos meios de comunicação, mas isso não vai acontecer. Não fosse o aspecto irônico de a emissora ter passado para as mãos de um grupo “diferenciado” no universo do segmento religioso neopentecostal, esse seria apenas mais um capítulo no processo de decadência da mais antiga e tradicional entre as grandes empresas brasileiras de comunicação.
Após ter falhado em suas tentativas de obter uma concessão de televisão, entre os anos 1980 e 1990, o Grupo Estado viu esfumaçar-se o antigo domínio dos anúncios classificados com o advento da Internet e enfrenta as consequências de um longo processo de endividamento.
Consultores que atuaram recentemente num programa de ajuste das contas da empresa confidenciam que a marca O Estado de S.Paulo perdeu mais de 60% de seu valor nos últimos cinco anos e que seu principal patrimônio se resume ao imóvel que a empresa ocupa na zona Norte da capital paulista. O parque gráfico, planejado para a configuração específica do jornal, não pode ser desmembrado e suas unidades se depreciam progressivamente, passando a valer praticamente o que pesam suas peças.
Nesse trajeto descendente, as sucessivas administrações do grupo puseram a perder não apenas a qualidade do jornalismo praticado por seus veículos. Também enterraram o Jornal da Tarde, que marcou época com textos e edições marcantes, destruíram a memória das primeiras experiências da emissão de notícias pela internet – inclusive a primeira reportagem com imagens em movimento transmitida por linha discada no Brasil, no começo dos anos 1990 – e transformaram em tiras de papel trinta anos de pesquisa sobre o comportamento social e de consumo da mulher brasileira, trabalho da socióloga Célia Belém.
Com esse histórico de dissipações, a transferência da Rádio Eldorado para um grupo religioso carrega uma simbologia fúnebre.
Que descanse em paz.
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