Por Marcelo Semer, no blog Justificando:
Mal acabavam de bater as panelas na varanda, a Câmara dos Deputados estava em sessão para aprovar uma das mais casuísticas emendas constitucionais de que nossa história republicana tem lembrança. Uma espécie de pacote de abril, só que com o Congresso aberto.
As panelas não bateram pela democracia que o casuísmo rompia, nem mesmo pela corrupção que ele institucionaliza ao ser fincado no coração da Carta Magna. Elas batiam só contra o governo, curiosamente na mesma toada que os discursos que os membros da oposição ou da base nada-aliada faziam tentando justificar o injustificável naquela sessão.
A PEC da Bengala, tal como aprovada pelo Congresso, com o aval de ministros do STF que prestigiaram a promulgação, e a estimularam nos bastidores, ganhou força apenas como forma de amputar o poder da presidenta, nada mais.
Para evitar atrasos e impor imediatamente uma derrota ao governo, os parlamentares evitaram, por exemplo, estender a regra de aposentadoria compulsória aos 75 anos a todos os servidores do país. Os desembargadores, como se tem visto, estão tomando a providência de estendê-la para si mesmos, porque em seus cargos repousa o poder de fazê-lo por provimento judicial. Mas é apenas ilusão supor que o corporativismo será capaz de anular esse casuísmo. Se levado a extremo, apenas cria outro.
Enquanto o governo, que tanto criticava as medidas impopulares dos adversários, tenta realizar essa mesma pauta, o Congresso abriu a caixa de Pandora para uma agenda reacionária, da qual, pode-se dizer sem medo de errar, que o inferno é o limite.
O mal-ajambrado anteprojeto do Código Penal, reprovado por dez entre dez penalistas, está sendo trazido à votação, na mesma pauta de fim-do-mundo em que se insere o fim do auxílio reclusão, a revogação do estatuto do desarmamento e sabe-se lá quantos novos crimes hediondos. O sinal mais inequívoco do populismo penal é o convite formulado para que apresentadores de programas policialescos fossem à Câmara “debater” a redução da maioridade penal.
Há tempos que se reclama que deputados e senadores ganham demais para trabalhar pouco. Mas a operosidade dos congressistas não pode ser medida apenas pelos projetos que aprovam. Principalmente porque a maioria que hoje impulsiona o parlamento, entre aqueles que querem que o governo caia e os que só querem que ele se mantenha agachado, têm feito de tudo nas sessões, menos parlamentar.
O debate político, que amadurece os projetos e permite as composições, que incorpora os anseios da sociedade ao mesmo tempo em que dá ouvidos aos especialistas, está praticamente interditado.
Projetos vem e vão ao sabor de pedidos ou ameaças. Nada a estranhar na medida em que nas presidências das Casas parlamentares estão dois indiciados pelo Procurador-Geral da República, mais empenhados em contestar o inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal contra si.
Curiosamente, são esses mesmos parlamentares que lideram decisões sobre temas sensíveis à própria composição da Justiça na qual podem ser julgados, como a PEC da Bengala, com sua inusitada e inconstitucional segunda sabatina a ministros já vitalícios, a aprovação do novo membro do STF e até mesmo uma proposta que pretende superar-se no oportunismo: a proibição da recondução do Procurador-Geral da República que os investiga.
De casuísmo em casuísmo, entre ameaças e rancores, de uma situação que luta de forma desesperada por implantar a agenda da oposição, e esta que contraditoriamente a repele em busca do quanto-pior-melhor, poucas coisas representam simbolicamente mais a política sem palavras, o diálogo que desapareceu e a institucionalização que progressivamente vem esmaecendo do que o bater de panelas.
É um grito surdo de quem, sobretudo, se recusa a ouvir. De quem impede que o outro fale.
Elas não levam a lugar nenhum –mas as bengalas talvez nos levem a lugar pior.
Mal acabavam de bater as panelas na varanda, a Câmara dos Deputados estava em sessão para aprovar uma das mais casuísticas emendas constitucionais de que nossa história republicana tem lembrança. Uma espécie de pacote de abril, só que com o Congresso aberto.
As panelas não bateram pela democracia que o casuísmo rompia, nem mesmo pela corrupção que ele institucionaliza ao ser fincado no coração da Carta Magna. Elas batiam só contra o governo, curiosamente na mesma toada que os discursos que os membros da oposição ou da base nada-aliada faziam tentando justificar o injustificável naquela sessão.
A PEC da Bengala, tal como aprovada pelo Congresso, com o aval de ministros do STF que prestigiaram a promulgação, e a estimularam nos bastidores, ganhou força apenas como forma de amputar o poder da presidenta, nada mais.
Para evitar atrasos e impor imediatamente uma derrota ao governo, os parlamentares evitaram, por exemplo, estender a regra de aposentadoria compulsória aos 75 anos a todos os servidores do país. Os desembargadores, como se tem visto, estão tomando a providência de estendê-la para si mesmos, porque em seus cargos repousa o poder de fazê-lo por provimento judicial. Mas é apenas ilusão supor que o corporativismo será capaz de anular esse casuísmo. Se levado a extremo, apenas cria outro.
Enquanto o governo, que tanto criticava as medidas impopulares dos adversários, tenta realizar essa mesma pauta, o Congresso abriu a caixa de Pandora para uma agenda reacionária, da qual, pode-se dizer sem medo de errar, que o inferno é o limite.
O mal-ajambrado anteprojeto do Código Penal, reprovado por dez entre dez penalistas, está sendo trazido à votação, na mesma pauta de fim-do-mundo em que se insere o fim do auxílio reclusão, a revogação do estatuto do desarmamento e sabe-se lá quantos novos crimes hediondos. O sinal mais inequívoco do populismo penal é o convite formulado para que apresentadores de programas policialescos fossem à Câmara “debater” a redução da maioridade penal.
Há tempos que se reclama que deputados e senadores ganham demais para trabalhar pouco. Mas a operosidade dos congressistas não pode ser medida apenas pelos projetos que aprovam. Principalmente porque a maioria que hoje impulsiona o parlamento, entre aqueles que querem que o governo caia e os que só querem que ele se mantenha agachado, têm feito de tudo nas sessões, menos parlamentar.
O debate político, que amadurece os projetos e permite as composições, que incorpora os anseios da sociedade ao mesmo tempo em que dá ouvidos aos especialistas, está praticamente interditado.
Projetos vem e vão ao sabor de pedidos ou ameaças. Nada a estranhar na medida em que nas presidências das Casas parlamentares estão dois indiciados pelo Procurador-Geral da República, mais empenhados em contestar o inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal contra si.
Curiosamente, são esses mesmos parlamentares que lideram decisões sobre temas sensíveis à própria composição da Justiça na qual podem ser julgados, como a PEC da Bengala, com sua inusitada e inconstitucional segunda sabatina a ministros já vitalícios, a aprovação do novo membro do STF e até mesmo uma proposta que pretende superar-se no oportunismo: a proibição da recondução do Procurador-Geral da República que os investiga.
De casuísmo em casuísmo, entre ameaças e rancores, de uma situação que luta de forma desesperada por implantar a agenda da oposição, e esta que contraditoriamente a repele em busca do quanto-pior-melhor, poucas coisas representam simbolicamente mais a política sem palavras, o diálogo que desapareceu e a institucionalização que progressivamente vem esmaecendo do que o bater de panelas.
É um grito surdo de quem, sobretudo, se recusa a ouvir. De quem impede que o outro fale.
Elas não levam a lugar nenhum –mas as bengalas talvez nos levem a lugar pior.
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