Por Tarso Genro, no site Sul-21:
Todas as pessoas que pensam, vão evoluindo, ao longo da vida, nas suas opiniões. Depurando conceitos, mudando-os, aperfeiçoando argumentos e às vezes adaptando as suas opiniões às novas circunstâncias. Bloch chama atenção que o próprio discurso (ou pregação) de Jesus, não foge a esta regra. Ao lado da pré-disposição de “oferecer a outra face”, Jesus também advertiu: “Eu não vim para trazer a paz, mas a espada; eu vim para acender o fogo”. Ernst Bloch adverte que “há uma diferença muito importante entre dar a outra face, segundo o Sermão da Montanha, quando sou o único ofendido, e tolerar que se ofenda meu próximo (…) o Sermão da Montanha prega a tolerância quando sou eu mesmo o atingido, mas quando é meu irmão é a vítima, não posso tolerar a injustiça, a perseguição, o assassinato.”
O mesmo Bloch mostra que as mudanças de opinião não são isentas de “valor”. O fato delas serem uma espécie de passaporte da condição humana, não as exime de serem avaliadas por quem dialoga conosco. Ele mesmo, amigo e aluno de Lukács - frequentador do Circulo de Heidelberg - não poupa o seu “professor”. Lembra que a opinião de Lukács, no seu livro “Teoria do Romance”, sobre Dostoievsky, apenas propõe uma dúvida sobre o nível de genialidade do grande escritor russo. Ele, Lukács, se pergunta se Dostoievsky seria “um precursor de um novo Homero, ou ele mesmo já seria um novo Homero”. Bloch critica duramente Lukács, porque este mais tarde “escreveu uma crítica aniquiladora de Dostoievsky, terminando com esta frase: …’a glória de Dostoievsky, e ele próprio, naufragarão juntos num fim sem glória’.”
Em outubro de 1938 em pleno fascismo, Cesare Pavese, o genial escritor italiano escrevia no seu diário, publicado sob o título “Ofício de Viver”, após o seu suicídio em 1952: “Nos cem anos vindouros, poderá ocorrer uma sequência de pelo menos três momentos, e o espírito humano poderá viver, sucessivamente, na praça, no cárcere e nos jornais.” Acho que se Pavese vivesse até o dias de hoje não mudaria de opinião. Nestes espaços de socialidade humana é que estamos vivendo, nos anos que sucederam a sua escrita profética. Praça, cárcere e jornais (transformados e ampliados pelas novas tecnologias e a internet), são os lugares onde a cultura e as ideias se reproduzem, embora em proporções desiguais, o que aponta para o profundo déficit do projeto democrático moderno: os atores que implementam as ideias, nestes espaços, tem diferentes possibilidades de alargá-las na sociedade, para permitir que as pessoas entendam a realidade do seu tempo de uma forma mais equilibrada.
Acho que tanto no “Mensalão”, como no caso da Petrobrás, muitas pessoas tem contas a ajustar com a Justiça Penal. Não é diferente do que ocorre com a operação “Zelotes”, que envolve controladores de formação da opinião e contumazes julgadores da estatura moral dos outros, da esquerda, de Lula, de Dilma, e de outras personalidades de vários partidos no país. Na minha opinião, a presunção da inocência seria devida a todos. E o respeito a integridade das pessoas deveria ser mantido até o o julgamento de cada um dos envolvidos. Tal fato não ocorre e a opinião que os donos da informação manipulada formaram na sociedade é que, não só os eventuais responsáveis, menos eles, já são culpados -a partir da divulgação de uma notícia- mas também são culpados todos aqueles que lhes tem uma certa proximidade política.
A estupidez que envolve determinadas atitudes públicas, como a do empresário que atacou o ex-Ministro Padilha num restaurante em São Paulo, é noticiada pela mídia tradicional numa alegre neutralidade e os que estão sendo acusados de graves danos financeiros ao Estado, na operação “Zelotes”, são fraternalmente omitidos e escondidos, embora a gravidade das acusações que pendem sobre eles. O espírito humano está vivendo, simultaneamente, nas praças, nos cárceres e nos jornais, como diz Pavese, mas os últimos são seguramente os lugares mais falsos e pantanosos.
Mais além das contingências políticas que estamos vivendo hoje, o maior perigo que a situação atual encerra é que ela possa gerar uma sensação de impunidade para a estupidez humana, de tal forma que os adversários, na democracia, possam pensar que seja natural resolver as suas pendências pela violência, seja física, ou seja verbal. E que passemos a viver, no futuro, numa condição de anomia total, onde o próximo pode e deve ser violentado só porque ele é meu diferente. É o vírus do fascismo crescendo nos indivíduos singulares, que pode tornar-se “patota”, grupo, partido e movimento. E pode ser poder.
* Tarso Genro foi governador do estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
Todas as pessoas que pensam, vão evoluindo, ao longo da vida, nas suas opiniões. Depurando conceitos, mudando-os, aperfeiçoando argumentos e às vezes adaptando as suas opiniões às novas circunstâncias. Bloch chama atenção que o próprio discurso (ou pregação) de Jesus, não foge a esta regra. Ao lado da pré-disposição de “oferecer a outra face”, Jesus também advertiu: “Eu não vim para trazer a paz, mas a espada; eu vim para acender o fogo”. Ernst Bloch adverte que “há uma diferença muito importante entre dar a outra face, segundo o Sermão da Montanha, quando sou o único ofendido, e tolerar que se ofenda meu próximo (…) o Sermão da Montanha prega a tolerância quando sou eu mesmo o atingido, mas quando é meu irmão é a vítima, não posso tolerar a injustiça, a perseguição, o assassinato.”
O mesmo Bloch mostra que as mudanças de opinião não são isentas de “valor”. O fato delas serem uma espécie de passaporte da condição humana, não as exime de serem avaliadas por quem dialoga conosco. Ele mesmo, amigo e aluno de Lukács - frequentador do Circulo de Heidelberg - não poupa o seu “professor”. Lembra que a opinião de Lukács, no seu livro “Teoria do Romance”, sobre Dostoievsky, apenas propõe uma dúvida sobre o nível de genialidade do grande escritor russo. Ele, Lukács, se pergunta se Dostoievsky seria “um precursor de um novo Homero, ou ele mesmo já seria um novo Homero”. Bloch critica duramente Lukács, porque este mais tarde “escreveu uma crítica aniquiladora de Dostoievsky, terminando com esta frase: …’a glória de Dostoievsky, e ele próprio, naufragarão juntos num fim sem glória’.”
Em outubro de 1938 em pleno fascismo, Cesare Pavese, o genial escritor italiano escrevia no seu diário, publicado sob o título “Ofício de Viver”, após o seu suicídio em 1952: “Nos cem anos vindouros, poderá ocorrer uma sequência de pelo menos três momentos, e o espírito humano poderá viver, sucessivamente, na praça, no cárcere e nos jornais.” Acho que se Pavese vivesse até o dias de hoje não mudaria de opinião. Nestes espaços de socialidade humana é que estamos vivendo, nos anos que sucederam a sua escrita profética. Praça, cárcere e jornais (transformados e ampliados pelas novas tecnologias e a internet), são os lugares onde a cultura e as ideias se reproduzem, embora em proporções desiguais, o que aponta para o profundo déficit do projeto democrático moderno: os atores que implementam as ideias, nestes espaços, tem diferentes possibilidades de alargá-las na sociedade, para permitir que as pessoas entendam a realidade do seu tempo de uma forma mais equilibrada.
Acho que tanto no “Mensalão”, como no caso da Petrobrás, muitas pessoas tem contas a ajustar com a Justiça Penal. Não é diferente do que ocorre com a operação “Zelotes”, que envolve controladores de formação da opinião e contumazes julgadores da estatura moral dos outros, da esquerda, de Lula, de Dilma, e de outras personalidades de vários partidos no país. Na minha opinião, a presunção da inocência seria devida a todos. E o respeito a integridade das pessoas deveria ser mantido até o o julgamento de cada um dos envolvidos. Tal fato não ocorre e a opinião que os donos da informação manipulada formaram na sociedade é que, não só os eventuais responsáveis, menos eles, já são culpados -a partir da divulgação de uma notícia- mas também são culpados todos aqueles que lhes tem uma certa proximidade política.
A estupidez que envolve determinadas atitudes públicas, como a do empresário que atacou o ex-Ministro Padilha num restaurante em São Paulo, é noticiada pela mídia tradicional numa alegre neutralidade e os que estão sendo acusados de graves danos financeiros ao Estado, na operação “Zelotes”, são fraternalmente omitidos e escondidos, embora a gravidade das acusações que pendem sobre eles. O espírito humano está vivendo, simultaneamente, nas praças, nos cárceres e nos jornais, como diz Pavese, mas os últimos são seguramente os lugares mais falsos e pantanosos.
Mais além das contingências políticas que estamos vivendo hoje, o maior perigo que a situação atual encerra é que ela possa gerar uma sensação de impunidade para a estupidez humana, de tal forma que os adversários, na democracia, possam pensar que seja natural resolver as suas pendências pela violência, seja física, ou seja verbal. E que passemos a viver, no futuro, numa condição de anomia total, onde o próximo pode e deve ser violentado só porque ele é meu diferente. É o vírus do fascismo crescendo nos indivíduos singulares, que pode tornar-se “patota”, grupo, partido e movimento. E pode ser poder.
* Tarso Genro foi governador do estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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