Uma das grandes preocupações de teóricos do jornalismo após a criação da internet era o conflito potencial entre a ambição da notícia exclusiva e a nova realidade da mídia universal. Como conseguir um “furo” jornalístico se qualquer um que tiver acesso à rede mundial de computadores pode dar uma notícia em primeira mão?
Esse fantasma se materializou com o predomínio das redes sociais e o avanço dos telefones celulares.
O “furo” jornalístico é um troféu valioso demais para ser colocado em risco por um desmentido imediato na rede global de comunicação. Por outro lado, uma informação incorreta pode afetar a credibilidade de um veículo de comunicação, ainda com mais gravidade se ela se espalhar o suficiente para influenciar um grande número de pessoas antes de ser revelada como fraude.
Por isso, as redações dos melhores jornais do mundo investiram em três recursos para minimizar o risco das “barrigadas” – os “furos” falsos.
O primeiro recurso é contar sempre, entre os editores, com profissionais experientes, capazes de contextualizar qualquer notícia e questionar sua verossimilhança. Entre meados dos anos 1980 e o final dos 90, por exemplo, O Estado de S. Paulo tinha uma equipe de editores executivos que praticavam nas reuniões da primeira página o que se chamou de “dessacralização da notícia” – ou seja, cada editor especialista era desafiado a fundamentar a pauta que oferecia como destaque, em linguagem que pudesse ser entendida por um leigo.
O segundo recurso, e igualmente eficaz, é contar com um planejamento da pauta e processos de seleção de prioridades que mantenham a equipe em alerta para pontos obscuros em informações primárias.
O terceiro, e mais importante, é a própria alma do jornalismo: a dúvida. Ela se resume na pergunta desconfiada: “E se…?”
Evidentemente, ninguém vai esperar, por exemplo, os atestados de óbito, para afirmar que os passageiros de um avião que explodiu estão todos mortos, mas ainda assim a praxe é esperar por uma informação oficial para fazer essa afirmação.
E se, contra todas as probabilidades, for encontrado um sobrevivente?
Sem querer, querendo
Nenhum desses cuidados primários foi tomado pela redação da Folha de S.Paulo, na quinta-feira (25/6), ao noticiar, em sua edição digital, que o ex-presidente Lula da Silva havia ingressado com pedido de habeas corpus preventivo, na Justiça do Paraná, para não ser preso como acusado na Operação Lava-Jato.
A notícia original foi publicada às 11h25. Cinco minutos depois, uma nota colocada apressadamente dizia: “Erramos – Não foi Lula que pediu habeas corpus preventivo; ação foi de consultor sem ligação com o ex-presidente”.
A pequena nota corretiva foi substituída muito tempo depois, às 15h07, por outro “Erramos”, que informava: “Versão anterior da reportagem ‘Habeas corpus preventivo pede que Lula não seja preso na Lava Jato’ informou incorretamente que o pedido de habeas corpus havia sido feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva” (ver aqui).
O título, o texto e a chamada na home page do portal foram corrigidos, mas a versão original já corria pelas redes sociais, impulsionada por uma equipe a serviço do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Mesmo com os sucessivos atentados ao bom jornalismo que fazem a rotina da imprensa brasileira, difícil acreditar que a redação da Folha de S. Paulo tenha cometido um mero erro técnico, uma “barrigada”.
Foi mais do que incompetência: foi resultado de um empenho do jornal em criminalizar o ex-presidente da República, no rastro de um processo que começa a incomodar alguns dos mais renomados juristas do país, por uma sucessão de decisões tidas como arbitrárias.
O viés condenatório da Folha pode ser percebido na versão atualizada às 15h32 de quinta-feira, na qual se lê que “segundo o Instituto Lula, qualquer cidadão pode impetrar o habeas corpus”. O correto e honesto seria dizer, simplesmente, que “o pedido de habeas corpus pode ser feito em nome de terceiros por qualquer cidadão”, como saiu na edição de papel na sexta-feira (26/6) – porque essa é a norma legal, não a “opinião” do Instituto Lula.
As trapalhadas que se seguiram apenas aumentaram a repercussão da notícia – e para muitos cidadãos fica a impressão de que Lula da Silva está na iminência de ser colocado na cadeia – o que não é verdade, porque ele nem sequer é investigado.
Os outros jornais alimentam essa versão ao publicar textos ambíguos – por exemplo, o Estado de S. Paulo diz que Lula “nega que seja o autor do pedido” – frase que não se justifica depois que o impetrante do habeas corpus admitiu ter agido por conta própria.
O episódio dá razão aos impertinentes que chamam aquele jornal de “Falha de S. Paulo”.
Esse fantasma se materializou com o predomínio das redes sociais e o avanço dos telefones celulares.
O “furo” jornalístico é um troféu valioso demais para ser colocado em risco por um desmentido imediato na rede global de comunicação. Por outro lado, uma informação incorreta pode afetar a credibilidade de um veículo de comunicação, ainda com mais gravidade se ela se espalhar o suficiente para influenciar um grande número de pessoas antes de ser revelada como fraude.
Por isso, as redações dos melhores jornais do mundo investiram em três recursos para minimizar o risco das “barrigadas” – os “furos” falsos.
O primeiro recurso é contar sempre, entre os editores, com profissionais experientes, capazes de contextualizar qualquer notícia e questionar sua verossimilhança. Entre meados dos anos 1980 e o final dos 90, por exemplo, O Estado de S. Paulo tinha uma equipe de editores executivos que praticavam nas reuniões da primeira página o que se chamou de “dessacralização da notícia” – ou seja, cada editor especialista era desafiado a fundamentar a pauta que oferecia como destaque, em linguagem que pudesse ser entendida por um leigo.
O segundo recurso, e igualmente eficaz, é contar com um planejamento da pauta e processos de seleção de prioridades que mantenham a equipe em alerta para pontos obscuros em informações primárias.
O terceiro, e mais importante, é a própria alma do jornalismo: a dúvida. Ela se resume na pergunta desconfiada: “E se…?”
Evidentemente, ninguém vai esperar, por exemplo, os atestados de óbito, para afirmar que os passageiros de um avião que explodiu estão todos mortos, mas ainda assim a praxe é esperar por uma informação oficial para fazer essa afirmação.
E se, contra todas as probabilidades, for encontrado um sobrevivente?
Sem querer, querendo
Nenhum desses cuidados primários foi tomado pela redação da Folha de S.Paulo, na quinta-feira (25/6), ao noticiar, em sua edição digital, que o ex-presidente Lula da Silva havia ingressado com pedido de habeas corpus preventivo, na Justiça do Paraná, para não ser preso como acusado na Operação Lava-Jato.
A notícia original foi publicada às 11h25. Cinco minutos depois, uma nota colocada apressadamente dizia: “Erramos – Não foi Lula que pediu habeas corpus preventivo; ação foi de consultor sem ligação com o ex-presidente”.
A pequena nota corretiva foi substituída muito tempo depois, às 15h07, por outro “Erramos”, que informava: “Versão anterior da reportagem ‘Habeas corpus preventivo pede que Lula não seja preso na Lava Jato’ informou incorretamente que o pedido de habeas corpus havia sido feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva” (ver aqui).
O título, o texto e a chamada na home page do portal foram corrigidos, mas a versão original já corria pelas redes sociais, impulsionada por uma equipe a serviço do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Mesmo com os sucessivos atentados ao bom jornalismo que fazem a rotina da imprensa brasileira, difícil acreditar que a redação da Folha de S. Paulo tenha cometido um mero erro técnico, uma “barrigada”.
Foi mais do que incompetência: foi resultado de um empenho do jornal em criminalizar o ex-presidente da República, no rastro de um processo que começa a incomodar alguns dos mais renomados juristas do país, por uma sucessão de decisões tidas como arbitrárias.
O viés condenatório da Folha pode ser percebido na versão atualizada às 15h32 de quinta-feira, na qual se lê que “segundo o Instituto Lula, qualquer cidadão pode impetrar o habeas corpus”. O correto e honesto seria dizer, simplesmente, que “o pedido de habeas corpus pode ser feito em nome de terceiros por qualquer cidadão”, como saiu na edição de papel na sexta-feira (26/6) – porque essa é a norma legal, não a “opinião” do Instituto Lula.
As trapalhadas que se seguiram apenas aumentaram a repercussão da notícia – e para muitos cidadãos fica a impressão de que Lula da Silva está na iminência de ser colocado na cadeia – o que não é verdade, porque ele nem sequer é investigado.
Os outros jornais alimentam essa versão ao publicar textos ambíguos – por exemplo, o Estado de S. Paulo diz que Lula “nega que seja o autor do pedido” – frase que não se justifica depois que o impetrante do habeas corpus admitiu ter agido por conta própria.
O episódio dá razão aos impertinentes que chamam aquele jornal de “Falha de S. Paulo”.
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