Por Flavio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
Os termos que vêm aparecendo na mídia europeia, inclusive na conservadora, para avaliar a conclusão da extensa maratona que foi a reunião de 17 horas dos líderes da zona do euro, da noite de ontem (12) para esta manhã, falam por si mesmos: “crueldade”, “humilhação”, “fratura”, “imposição”, “tratamento impiedoso”, “brutal” e outros. Para quem acompanhou as negociações desde o começo, e sobretudo agora nesses momentos finais, o que ficou claro foi a arrogância de grande parte dos líderes da zona do euro, exigindo praticamente não só a capitulação de Atenas, de Tsipras, Varoufakis, Syriza e do povo grego, mas pretendendo impor a deposição do governo.
Ficou claro também que na União Europeia a democracia tem voo curto e nariz comprido. Não há lugar na UE ou na zona do euro para um governo de fato de esquerda, nem para algo parecido com soberania nacional, muito menos popular. Manda quem manda, e quem manda, em nome do capital financeiro, são os barões neoliberais da economia. Aos políticos, como a própria toda-poderosa (na aparência) Angela Merkel, cabe fazer a pantomima para os eleitores, fazendo de conta que esses decidem algo importante.
Nos momentos finais dessa corrida de obstáculos, François Hollande e Matteo Renzi ensaiaram um ar mais simpático aos gregos e a Tsipras. Aparentemente, com um único resultado prático: originalmente o Fundo de Capitalização oriundo das privatizações e cortes que virão deveria ficar em Luxemburgo, não em Atenas. Pelo acordo final, esta “concessão” foi feita: o fundo fica na capital grega, mas, de qualquer modo, será supervisionado, senão administrado, pela Troika (FMI, BCE, Comissão Europeia, ou seus representantes) para amortizar a dívida soberana, capitalizar o sistema financeiro e assemelhados.
Este fundo será construído através da cessão de bens públicos a serem privatizados no valor de € 50 bilhões. Isso significa que a Grécia abdica de sua soberania fiscal e também da administração de grande parte de seu patrimônio público. Outras soberanias também foram cortadas na carne. A Grécia deve se alinhar ao que é considerado como “práticas saudáveis” do restante da zona do euro: podar o poder de barganha dos sindicatos, adotar medidas como a demissão em massa (pudicamente chamada de “coletiva”), pulverizar pensões, impor o déficit zero, reformar o mercado de trabalho, privatizar o que ainda for privatizável, inclusive no setor energético.
As políticas de demissões, por exemplo, devem ser acordadas com as instituições da UE. Além de tudo isso, a Grécia deve agilizar a independência de seu setor financeiro, inclusive das instâncias públicas, diante dos políticos. E por aí vão os termos do “acordo”.
A comentarista Suzanne Moore, do The Guardian, sintetizou muito bem esta situação, referindo-se ao termo que a chanceler Merkel costuma usar para caracterizar a zona do euro e a União Europeia: uma “família”. Pois bem, diz ela, a Alemanha vem se comportando não como uma autêntica chefe de família, mas como uma criança que faz o que faz mas fecha os olhos, pensando que assim os outros não veem o que ela faz. Na verdade, o que vem sendo feito hoje na Europa contém lições profundas para quem quiser aprendê-las, naturalmente.
Por exemplo, a melhor saída desta estranha “família” é não entrar nela, porque ela –zona do euro e UE – está se transformando numa “gaiola das loucas”. Outra lição é a da insofismável mediocridade dos dirigentes das áreas financeiras – o próprio Schäuble à frente – incapazes de produzir argumentos outros que não sua posição de força. Não conseguiram suportar o vigor nem o rigor intelectual de Varoufakis, na prática forçando sua expulsão do “clube”.
Fica óbvio também que o que sucedeu até aqui com a Grécia reforça a Front National na França e a oposição à UE no Reino Unido. De um modo geral, tudo isso reforça a posição da extrema-direita em toda parte, inclusive na Grécia e na própria Alemanha. Mas parece que o desígnio das lideranças hegemônicas na UE e no euro implica aceitar o flerte com a extrema-direita (até como os neofascistas da Ucrânia), mas nunca com qualquer coisa que lembre a esquerda. Este é o aviso enviado ao Podemos, por exemplo, ou à própria Linke alemã.
Mas a maratona esta longe de chegar ao fim. Até a quarta-feira o Parlamento grego tem de aprovar o acordo, que depois será levado também ao Bundestag e alguns outros parlamentos, como o finlandês, de todos considerado o mais difícil. O partido de extrema-direita que compõe o governo ameaça sair da coalizão, derrubando-o, caso o pacote seja aprovado.
É curioso: foi uma “noite dos punhais” em que houve um perdedor nítido: Tsipras, embora até aqui ele não tenha sido mortalmente apunhalado, como queriam alguns. Mas não houve vencedores. A União Europeia sai enfraquecida, trincada, deste processo. O euro não se fortaleceu em nada. A chanceler Angela Merkel, que alguns gostariam de apontar como a vencedora, sai com a imagem um tanto arranhada, de um lado sendo apontada como a força motriz das “crueldades”, e de outro vista como apenas uma porta-voz de quem manda de fato, o seu “chanceler de ferro”, Wolfgang Schäuble. De qualquer modo, venha a suceder o que vier, o prognóstico não é bom para o Velho Mundo, cada vez mais velho.
Ficou claro também que na União Europeia a democracia tem voo curto e nariz comprido. Não há lugar na UE ou na zona do euro para um governo de fato de esquerda, nem para algo parecido com soberania nacional, muito menos popular. Manda quem manda, e quem manda, em nome do capital financeiro, são os barões neoliberais da economia. Aos políticos, como a própria toda-poderosa (na aparência) Angela Merkel, cabe fazer a pantomima para os eleitores, fazendo de conta que esses decidem algo importante.
Nos momentos finais dessa corrida de obstáculos, François Hollande e Matteo Renzi ensaiaram um ar mais simpático aos gregos e a Tsipras. Aparentemente, com um único resultado prático: originalmente o Fundo de Capitalização oriundo das privatizações e cortes que virão deveria ficar em Luxemburgo, não em Atenas. Pelo acordo final, esta “concessão” foi feita: o fundo fica na capital grega, mas, de qualquer modo, será supervisionado, senão administrado, pela Troika (FMI, BCE, Comissão Europeia, ou seus representantes) para amortizar a dívida soberana, capitalizar o sistema financeiro e assemelhados.
Este fundo será construído através da cessão de bens públicos a serem privatizados no valor de € 50 bilhões. Isso significa que a Grécia abdica de sua soberania fiscal e também da administração de grande parte de seu patrimônio público. Outras soberanias também foram cortadas na carne. A Grécia deve se alinhar ao que é considerado como “práticas saudáveis” do restante da zona do euro: podar o poder de barganha dos sindicatos, adotar medidas como a demissão em massa (pudicamente chamada de “coletiva”), pulverizar pensões, impor o déficit zero, reformar o mercado de trabalho, privatizar o que ainda for privatizável, inclusive no setor energético.
As políticas de demissões, por exemplo, devem ser acordadas com as instituições da UE. Além de tudo isso, a Grécia deve agilizar a independência de seu setor financeiro, inclusive das instâncias públicas, diante dos políticos. E por aí vão os termos do “acordo”.
A comentarista Suzanne Moore, do The Guardian, sintetizou muito bem esta situação, referindo-se ao termo que a chanceler Merkel costuma usar para caracterizar a zona do euro e a União Europeia: uma “família”. Pois bem, diz ela, a Alemanha vem se comportando não como uma autêntica chefe de família, mas como uma criança que faz o que faz mas fecha os olhos, pensando que assim os outros não veem o que ela faz. Na verdade, o que vem sendo feito hoje na Europa contém lições profundas para quem quiser aprendê-las, naturalmente.
Por exemplo, a melhor saída desta estranha “família” é não entrar nela, porque ela –zona do euro e UE – está se transformando numa “gaiola das loucas”. Outra lição é a da insofismável mediocridade dos dirigentes das áreas financeiras – o próprio Schäuble à frente – incapazes de produzir argumentos outros que não sua posição de força. Não conseguiram suportar o vigor nem o rigor intelectual de Varoufakis, na prática forçando sua expulsão do “clube”.
Fica óbvio também que o que sucedeu até aqui com a Grécia reforça a Front National na França e a oposição à UE no Reino Unido. De um modo geral, tudo isso reforça a posição da extrema-direita em toda parte, inclusive na Grécia e na própria Alemanha. Mas parece que o desígnio das lideranças hegemônicas na UE e no euro implica aceitar o flerte com a extrema-direita (até como os neofascistas da Ucrânia), mas nunca com qualquer coisa que lembre a esquerda. Este é o aviso enviado ao Podemos, por exemplo, ou à própria Linke alemã.
Mas a maratona esta longe de chegar ao fim. Até a quarta-feira o Parlamento grego tem de aprovar o acordo, que depois será levado também ao Bundestag e alguns outros parlamentos, como o finlandês, de todos considerado o mais difícil. O partido de extrema-direita que compõe o governo ameaça sair da coalizão, derrubando-o, caso o pacote seja aprovado.
É curioso: foi uma “noite dos punhais” em que houve um perdedor nítido: Tsipras, embora até aqui ele não tenha sido mortalmente apunhalado, como queriam alguns. Mas não houve vencedores. A União Europeia sai enfraquecida, trincada, deste processo. O euro não se fortaleceu em nada. A chanceler Angela Merkel, que alguns gostariam de apontar como a vencedora, sai com a imagem um tanto arranhada, de um lado sendo apontada como a força motriz das “crueldades”, e de outro vista como apenas uma porta-voz de quem manda de fato, o seu “chanceler de ferro”, Wolfgang Schäuble. De qualquer modo, venha a suceder o que vier, o prognóstico não é bom para o Velho Mundo, cada vez mais velho.
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