Por Conceição Lemes, no blog Viomundo:
O PT ganhou o governo federal, mas não tomou o poder.
Nessa quarta-feira, 21, isso se explicitou mais uma vez.
A Polícia Federal (PF) escondeu o nome do senador José Serra (PSDB-SP), que constava no relatório da perícia do celular do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato. Em compensação, age abertamente contra figuras de governos petistas. Na eleição de 2014, integrantes do órgão criaram no Facebook uma página, onde fizeram campanha veemente contra a presidenta Dilma Rousseff, inclusive com manifestações de ódio ao PT.
“A PF se tornou um aparato estatal poderoso, seletivo ideologicamente, que desrespeita direitos individuais”, denuncia em entrevista exclusiva ao Viomundo o advogado criminalista Patrick Mariano.
“Desde o início da Operação Lava Jato, existe um tratamento seletivo”, atenta o advogado. “Isso está mais do que evidente.”
“A autonomia absoluta, total, da Polícia Federal foi o canto da sereia pelo qual o projeto petista se deixou levar”, afirma. “A PF é um Departamento do Ministério da Justiça e como tal deve ser tratada e gerida. No governo Lula se criou essa ideia de autonomia, só que na época havia um controle maior do que hoje.”
“O governo Dilma interpretou esse termo como subserviência completa”, prossegue. “Autonomia virou mantra para justificar quaisquer ilegalidades dos integrantes do órgão. A Lei 13.047, de 2 de dezembro de 2014, passou a exigir que o diretor-geral tivesse que ser escolhido dentro da carreira e deu status de natureza jurídica ao cargo de delegado.”
“Ou seja, o governo Dilma abdicou de exercer qualquer controle sobre a PF”, avalia. “E hoje temos um órgão público poderoso, sem nenhuma participação ou controle da sociedade civil.”
“No ritmo atual de ilegalidades e arbitrariedades, a Polícia Federal caminha para ser uma nova PIDE - a Polícia Política Portuguesa”, alerta. “Simplesmente ingovernável.”
Patrick Mariano é doutorando em Direito na Universidade de Coimbra, Portugal; mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares-RENAP. Confira a íntegra da nossa entrevista.
Durante a ditadura militar, milhares de brasileiros de esquerda foram presos e torturados, 434 mortos ou desaparecidos. Atualmente, assistimos ao vazamento seletivo das delações premiadas feitas em segredo de Justiça e à colocação de grampos em celas da Polícia Federal, onde estão presas pessoas acusadas na Lava Jato. É impressão ou se está passando por cima de garantias constitucionais como na ditadura?
Lamentavelmente, sim. A Constituição de 1988 trouxe e irradiou uma série de garantias individuais e direitos fundamentais para a sociedade brasileira, mas muito do entulho legislativo autoritário permaneceu. E não só legislativo, também na mentalidade dos atores jurídicos é muito presente esse entulho. É o espectro de uma ideologia que formou a história do Brasil com violência, mortes e prisões contra inimigos políticos ou contra aqueles que ousam reivindicar direitos sociais.
O que se assiste agora é um protagonismo desse pensamento repaginado na aprovação de leis que ampliam o poder de polícia. Isso se reflete no Congresso Nacional, no Judiciário e agora, com mais evidência, na Polícia Federal. Claro que a inação do projeto petista contribuiu sobremaneira para isso.
Está ocorrendo por parte do aparato policial do Estado ampliação do poder punitivo sem limites ? Faz sentido hoje o uso da expressão “estado policial”?
É preciso retroceder no tempo para te responder. Em 2008, ao conceder liminar para colocar em liberdade Pedro Passos Júnior, investigado na Operação Navalha, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal (STF), afirmou que a Polícia Federal usava “terrorismo estatal como método”.
Válido lembrar todo o imbróglio da Operação Satiagraha que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, e o fato do juiz Fausto de Sanctis ter desobedecido a ordem do STF e mandado prender o banqueiro. Naquela época, o ministro Gilmar foi um crítico duro da forma de atuação da Polícia Federal e usou a expressão “estado policial”.
Pouco depois, veio a acusação de que o ministro Gilmar e o então senador Demóstenes Torres teriam sido grampeados pela ABIN, com direito a capa da Veja e tudo o mais. Na ocasião — que depois não se comprovou–, o ministro chegou a dizer que vivíamos num “estado totalitário”. Ele usou essa expressão, se não me trai a memória. Isso levou à queda injusta do doutor Paulo Lacerda, porque era — e é — uma pessoa séria.
A expressão “estado policial” é correta?
Acredito que caminhamos para isso. Lembre-se de que a polícia política portuguesa - a PIDE - utilizava métodos como tortura, grampos ilegais e perseguição contra inimigos? E que, da mesma forma, a polícia da Alemanha nazista controlava a sociedade através do medo e do exercício do poder punitivo sem limites?
Bem, a PF, se continuar nesse ritmo de ilegalidades e arbitrariedades, assistiremos ao protagonismo de um órgão político sem controle e com tremendo potencial para destruir a reputação e honra das pessoas. Num regime democrático, isso é inaceitável.
Leem-se notícias de interceptações das comunicações entre advogado e cliente, vazamentos seletivos e escutas ilegais nas celas de pessoas presas. São exemplos claros de exercício do poder punitivo sem controle algum. Cada vez mais, a PF opta pela espetacularização e politização de suas ações. Pegue o exemplo da desnecessária invasão da casa do João Vaccari Neto [ex-tesoureiro do PT] e a apreensão dos carros do senador Fernando Collor (AL-PTB), com nítido objetivo de fazer a foto e comparar com a Elba. No outro dia, a notícia foi que o IPVA do carro estaria vencido.
Ora, um absurdo sem tamanho! Nítido e claro o objetivo da PF de fazer alusão ao impeachment de Collor, tanto que logo depois aquele menino Kim Kataguiri postou foto com essa ligação. A quem interessa a foto?
Diferentemente do que ocorreu na era FHC, os governos Lula e Dilma garantiram autonomia absoluta à Polícia Federal. Essa autonomia total já não está ultrapassando os limites da legalidade?
Esse foi o canto da sereia pelo qual o projeto petista se deixou levar. A PF é um Departamento do Ministério da Justiça e como tal deve ser tratada e gerida. O governo Lula criou essa ideia de autonomia, só que na época havia um controle maior do que hoje.
O governo Dilma interpretou esse termo como subserviência completa. Autonomia virou mantra para justificar quaisquer ilegalidades dos integrantes do órgão. A Lei 13.047, de 2 de dezembro de 2014, passou a exigir que o diretor-geral tivesse que ser escolhido dentro da carreira e deu status de natureza jurídica ao cargo de delegado.
Ou seja, se abdicou de exercer qualquer controle sobre a PF. E hoje temos um órgão público poderoso, sem nenhuma participação ou controle da sociedade civil. Somado a isso, o projeto petista foi ingênuo ao permitir a ampliação dos poderes da polícia e do MP com a importação, sem critério algum, de técnicas de investigação de questionável constitucionalidade, aceitando o discurso punitivo que historicamente sempre foi da direita.
Isso significa que o governo Dilma abdicou do poder legitimamente outorgado de escolher o diretor-geral da PF?
De parte dele. Após a sanção da referida lei a escolha só pode recair sobre integrantes da instituição, o que significa mais empoderamento ao órgão.
Tancredo Neves, quando indicou Fernando Lira como ministro da Justiça, disse que a chefia da PF era cota pessoal dele e o restante ele poderia indicar. Ou seja, o poder político está aí para ser exercido. Quando se abdica de fazê-lo, alguém o fará.
Outra bobagem sem tamanho é esse proselitismo quanto a indicar o primeiro de lista tríplice para alguns cargos. Vê se o Alckmin indica o primeiro da lista para a Defensoria Pública? Um presidente recebe milhões de votos porque existem milhões de pessoas que querem aquela proposta de governo para o país. Com tamanho respaldo democrático, inacreditável se apequenar diante da responsabilidade histórica. Quem votou em Lula e Dilma quis ampliação democrática e instituições arejadas e condizentes com a Constituição de 1988, mas por ingenuidade ou covardia abriu-se mão desse projeto.
O que mudou de 2008, quando ocorreram as operações Navalha e Satiagraha e Gilmar Mendes denunciou o “estado policial”, para as operações atuais da PF?
De fato, com relação à prisão de Daniel Dantas, tecnicamente falando, estava correto o ministro Gilmar quando fez valer a autoridade da sua decisão. Desde então se passaram sete anos. Os métodos da Polícia Federal, no entanto, continuam questionáveis. Basta atentar para as denúncias de grampos ilegais nas celas dos acusados da Lava Jato, os vazamentos seletivos de colaborações premiadas e de peças dos autos.
Na verdade, o que mudou de lá para cá foi a ampliação evidente dos poderes políticos e instrumentais da PF, sem que a sociedade tivesse a contrapartida de, ao menos, exercer algum tipo de controle social, como ouvidoria externa para o órgão.
Aliás, concordo com o jurista Pedro Serrano que, em recente entrevista afirmou que entidades da sociedade civil, como OAB, CNBB, as ONGs, a ABI não só podem mas devem participar da PF. Por que o MP e o Judiciário possuem órgãos de controle e a PF não? Isso a tornaria mais democrática e serviria de contrapeso ao tamanho do poder que o órgão obteve nos últimos anos.
Como se deu a ampliação do poder político da PF?
Na legislação ordinária e na sanção de leis que ampliam o poder de polícia, como a Lei das Organizações Criminosas. O órgão conta com assessoria legislativa no Congresso e é muito atuante nas bancadas para defender os seus interesses de forma até autônoma do governo.
Pegue como exemplo a Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, que conferiu aos delegados o mesmo tratamento protocolar de magistrados, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público. Embora possa soar como bobagem o fato de o delegado ter que ser chamado de Vossa Excelência como os juízes, não existem palavras vãs e elas irradiam ideologias e projetos políticos. Daí, já se vê que há uma estratégia política clara de ampliação do poder da PF a ponto de querer se tornar um novo Ministério Público.
Se o quadro atual guarda semelhanças com 2008 por que o ministro Gilmar Mendes não se insurge de forma veemente contra essas novas ações da PF?
O ministro Gilmar fez um bom trabalho nos mutirões carcerários, mas na seara política sua indignação é seletiva. Quando os acusados são ligados ao campo da esquerda, o que se vê é um perfeito conservador punitivista, com decisões que retrocedem em matéria de direitos fundamentais e garantias individuais.
Basta analisar o posicionamento dele no julgamento da AP 470 e seus pronunciamentos públicos. Uma pena, pois o ministro poderia fazer frente ao absurdo estado das coisas, se tivesse um mínimo de coerência. É o caso de típico de um garantista de conveniência ou um punitivista seletivo.
Ficamos sabendo ontem que a Polícia Federal, que age sempre abertamente contra figuras de governos petistas, escondeu o nome do senador tucano José Serra que constava no relatório da perícia do celular do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht. Que tal essa diferença de tratamento?
Muito boa essa observação. Na época da campanha presidencial, uma página da rede social formada por integrantes do órgão fez campanha veemente contra a presidenta Dilma, inclusive com manifestações de ódio contra o PT. Nada foi feito.
Existem pessoas que acham que ideologia é um conceito ultrapassado, ledo e terrível engano. A PF se tornou um aparato estatal poderoso, seletivo e que desrespeita direitos individuais sem qualquer controle. Quando o diretor-geral deu uma entrevista ao Estadão, ela foi elogiada no plenário da Câmara pelo Bolsonaro Filho e por outros parlamentares de posições ideológicas semelhantes. Se isso não é uma sintonia ideológica, não sei o que é. Desde o início dessa operação, existe um tratamento seletivo. Aliás, na AP 470, o próprio STF atuou dessa forma, isso fortaleceu um método de ação política que hoje tem foco preciso e determinado.
Como garantir que a Polícia Federal aja de forma igual para petistas, tucanos, peemedebistas, todos os cidadãos enfim, e, ainda, sempre dentro da legalidade?
Na minha opinião, três ações seriam importantes. Uma primeira é por freio à legislação que amplia o estado policial. Uma segunda é possibilitar a participação da sociedade e criação de ouvidoria externa com poderes amplos. A terceira é deixar de ser subserviente e de fato ter uma ação política no órgão que faça com ele se conforme a Constituição da República de 1988. Ou seja, que se torne um órgão da democracia e não que nos faça lembrar tempos sombrios da história recente. A PF caminha para ser uma nova PIDE, ingovernável. E isso é extremamente perigoso.
O PT ganhou o governo federal, mas não tomou o poder.
Nessa quarta-feira, 21, isso se explicitou mais uma vez.
A Polícia Federal (PF) escondeu o nome do senador José Serra (PSDB-SP), que constava no relatório da perícia do celular do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato. Em compensação, age abertamente contra figuras de governos petistas. Na eleição de 2014, integrantes do órgão criaram no Facebook uma página, onde fizeram campanha veemente contra a presidenta Dilma Rousseff, inclusive com manifestações de ódio ao PT.
“A PF se tornou um aparato estatal poderoso, seletivo ideologicamente, que desrespeita direitos individuais”, denuncia em entrevista exclusiva ao Viomundo o advogado criminalista Patrick Mariano.
“Desde o início da Operação Lava Jato, existe um tratamento seletivo”, atenta o advogado. “Isso está mais do que evidente.”
“A autonomia absoluta, total, da Polícia Federal foi o canto da sereia pelo qual o projeto petista se deixou levar”, afirma. “A PF é um Departamento do Ministério da Justiça e como tal deve ser tratada e gerida. No governo Lula se criou essa ideia de autonomia, só que na época havia um controle maior do que hoje.”
“O governo Dilma interpretou esse termo como subserviência completa”, prossegue. “Autonomia virou mantra para justificar quaisquer ilegalidades dos integrantes do órgão. A Lei 13.047, de 2 de dezembro de 2014, passou a exigir que o diretor-geral tivesse que ser escolhido dentro da carreira e deu status de natureza jurídica ao cargo de delegado.”
“Ou seja, o governo Dilma abdicou de exercer qualquer controle sobre a PF”, avalia. “E hoje temos um órgão público poderoso, sem nenhuma participação ou controle da sociedade civil.”
“No ritmo atual de ilegalidades e arbitrariedades, a Polícia Federal caminha para ser uma nova PIDE - a Polícia Política Portuguesa”, alerta. “Simplesmente ingovernável.”
Patrick Mariano é doutorando em Direito na Universidade de Coimbra, Portugal; mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares-RENAP. Confira a íntegra da nossa entrevista.
Durante a ditadura militar, milhares de brasileiros de esquerda foram presos e torturados, 434 mortos ou desaparecidos. Atualmente, assistimos ao vazamento seletivo das delações premiadas feitas em segredo de Justiça e à colocação de grampos em celas da Polícia Federal, onde estão presas pessoas acusadas na Lava Jato. É impressão ou se está passando por cima de garantias constitucionais como na ditadura?
Lamentavelmente, sim. A Constituição de 1988 trouxe e irradiou uma série de garantias individuais e direitos fundamentais para a sociedade brasileira, mas muito do entulho legislativo autoritário permaneceu. E não só legislativo, também na mentalidade dos atores jurídicos é muito presente esse entulho. É o espectro de uma ideologia que formou a história do Brasil com violência, mortes e prisões contra inimigos políticos ou contra aqueles que ousam reivindicar direitos sociais.
O que se assiste agora é um protagonismo desse pensamento repaginado na aprovação de leis que ampliam o poder de polícia. Isso se reflete no Congresso Nacional, no Judiciário e agora, com mais evidência, na Polícia Federal. Claro que a inação do projeto petista contribuiu sobremaneira para isso.
Está ocorrendo por parte do aparato policial do Estado ampliação do poder punitivo sem limites ? Faz sentido hoje o uso da expressão “estado policial”?
É preciso retroceder no tempo para te responder. Em 2008, ao conceder liminar para colocar em liberdade Pedro Passos Júnior, investigado na Operação Navalha, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal (STF), afirmou que a Polícia Federal usava “terrorismo estatal como método”.
Válido lembrar todo o imbróglio da Operação Satiagraha que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, e o fato do juiz Fausto de Sanctis ter desobedecido a ordem do STF e mandado prender o banqueiro. Naquela época, o ministro Gilmar foi um crítico duro da forma de atuação da Polícia Federal e usou a expressão “estado policial”.
Pouco depois, veio a acusação de que o ministro Gilmar e o então senador Demóstenes Torres teriam sido grampeados pela ABIN, com direito a capa da Veja e tudo o mais. Na ocasião — que depois não se comprovou–, o ministro chegou a dizer que vivíamos num “estado totalitário”. Ele usou essa expressão, se não me trai a memória. Isso levou à queda injusta do doutor Paulo Lacerda, porque era — e é — uma pessoa séria.
A expressão “estado policial” é correta?
Acredito que caminhamos para isso. Lembre-se de que a polícia política portuguesa - a PIDE - utilizava métodos como tortura, grampos ilegais e perseguição contra inimigos? E que, da mesma forma, a polícia da Alemanha nazista controlava a sociedade através do medo e do exercício do poder punitivo sem limites?
Bem, a PF, se continuar nesse ritmo de ilegalidades e arbitrariedades, assistiremos ao protagonismo de um órgão político sem controle e com tremendo potencial para destruir a reputação e honra das pessoas. Num regime democrático, isso é inaceitável.
Leem-se notícias de interceptações das comunicações entre advogado e cliente, vazamentos seletivos e escutas ilegais nas celas de pessoas presas. São exemplos claros de exercício do poder punitivo sem controle algum. Cada vez mais, a PF opta pela espetacularização e politização de suas ações. Pegue o exemplo da desnecessária invasão da casa do João Vaccari Neto [ex-tesoureiro do PT] e a apreensão dos carros do senador Fernando Collor (AL-PTB), com nítido objetivo de fazer a foto e comparar com a Elba. No outro dia, a notícia foi que o IPVA do carro estaria vencido.
Ora, um absurdo sem tamanho! Nítido e claro o objetivo da PF de fazer alusão ao impeachment de Collor, tanto que logo depois aquele menino Kim Kataguiri postou foto com essa ligação. A quem interessa a foto?
Diferentemente do que ocorreu na era FHC, os governos Lula e Dilma garantiram autonomia absoluta à Polícia Federal. Essa autonomia total já não está ultrapassando os limites da legalidade?
Esse foi o canto da sereia pelo qual o projeto petista se deixou levar. A PF é um Departamento do Ministério da Justiça e como tal deve ser tratada e gerida. O governo Lula criou essa ideia de autonomia, só que na época havia um controle maior do que hoje.
O governo Dilma interpretou esse termo como subserviência completa. Autonomia virou mantra para justificar quaisquer ilegalidades dos integrantes do órgão. A Lei 13.047, de 2 de dezembro de 2014, passou a exigir que o diretor-geral tivesse que ser escolhido dentro da carreira e deu status de natureza jurídica ao cargo de delegado.
Ou seja, se abdicou de exercer qualquer controle sobre a PF. E hoje temos um órgão público poderoso, sem nenhuma participação ou controle da sociedade civil. Somado a isso, o projeto petista foi ingênuo ao permitir a ampliação dos poderes da polícia e do MP com a importação, sem critério algum, de técnicas de investigação de questionável constitucionalidade, aceitando o discurso punitivo que historicamente sempre foi da direita.
Isso significa que o governo Dilma abdicou do poder legitimamente outorgado de escolher o diretor-geral da PF?
De parte dele. Após a sanção da referida lei a escolha só pode recair sobre integrantes da instituição, o que significa mais empoderamento ao órgão.
Tancredo Neves, quando indicou Fernando Lira como ministro da Justiça, disse que a chefia da PF era cota pessoal dele e o restante ele poderia indicar. Ou seja, o poder político está aí para ser exercido. Quando se abdica de fazê-lo, alguém o fará.
Outra bobagem sem tamanho é esse proselitismo quanto a indicar o primeiro de lista tríplice para alguns cargos. Vê se o Alckmin indica o primeiro da lista para a Defensoria Pública? Um presidente recebe milhões de votos porque existem milhões de pessoas que querem aquela proposta de governo para o país. Com tamanho respaldo democrático, inacreditável se apequenar diante da responsabilidade histórica. Quem votou em Lula e Dilma quis ampliação democrática e instituições arejadas e condizentes com a Constituição de 1988, mas por ingenuidade ou covardia abriu-se mão desse projeto.
O que mudou de 2008, quando ocorreram as operações Navalha e Satiagraha e Gilmar Mendes denunciou o “estado policial”, para as operações atuais da PF?
De fato, com relação à prisão de Daniel Dantas, tecnicamente falando, estava correto o ministro Gilmar quando fez valer a autoridade da sua decisão. Desde então se passaram sete anos. Os métodos da Polícia Federal, no entanto, continuam questionáveis. Basta atentar para as denúncias de grampos ilegais nas celas dos acusados da Lava Jato, os vazamentos seletivos de colaborações premiadas e de peças dos autos.
Na verdade, o que mudou de lá para cá foi a ampliação evidente dos poderes políticos e instrumentais da PF, sem que a sociedade tivesse a contrapartida de, ao menos, exercer algum tipo de controle social, como ouvidoria externa para o órgão.
Aliás, concordo com o jurista Pedro Serrano que, em recente entrevista afirmou que entidades da sociedade civil, como OAB, CNBB, as ONGs, a ABI não só podem mas devem participar da PF. Por que o MP e o Judiciário possuem órgãos de controle e a PF não? Isso a tornaria mais democrática e serviria de contrapeso ao tamanho do poder que o órgão obteve nos últimos anos.
Como se deu a ampliação do poder político da PF?
Na legislação ordinária e na sanção de leis que ampliam o poder de polícia, como a Lei das Organizações Criminosas. O órgão conta com assessoria legislativa no Congresso e é muito atuante nas bancadas para defender os seus interesses de forma até autônoma do governo.
Pegue como exemplo a Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, que conferiu aos delegados o mesmo tratamento protocolar de magistrados, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público. Embora possa soar como bobagem o fato de o delegado ter que ser chamado de Vossa Excelência como os juízes, não existem palavras vãs e elas irradiam ideologias e projetos políticos. Daí, já se vê que há uma estratégia política clara de ampliação do poder da PF a ponto de querer se tornar um novo Ministério Público.
Se o quadro atual guarda semelhanças com 2008 por que o ministro Gilmar Mendes não se insurge de forma veemente contra essas novas ações da PF?
O ministro Gilmar fez um bom trabalho nos mutirões carcerários, mas na seara política sua indignação é seletiva. Quando os acusados são ligados ao campo da esquerda, o que se vê é um perfeito conservador punitivista, com decisões que retrocedem em matéria de direitos fundamentais e garantias individuais.
Basta analisar o posicionamento dele no julgamento da AP 470 e seus pronunciamentos públicos. Uma pena, pois o ministro poderia fazer frente ao absurdo estado das coisas, se tivesse um mínimo de coerência. É o caso de típico de um garantista de conveniência ou um punitivista seletivo.
Ficamos sabendo ontem que a Polícia Federal, que age sempre abertamente contra figuras de governos petistas, escondeu o nome do senador tucano José Serra que constava no relatório da perícia do celular do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht. Que tal essa diferença de tratamento?
Muito boa essa observação. Na época da campanha presidencial, uma página da rede social formada por integrantes do órgão fez campanha veemente contra a presidenta Dilma, inclusive com manifestações de ódio contra o PT. Nada foi feito.
Existem pessoas que acham que ideologia é um conceito ultrapassado, ledo e terrível engano. A PF se tornou um aparato estatal poderoso, seletivo e que desrespeita direitos individuais sem qualquer controle. Quando o diretor-geral deu uma entrevista ao Estadão, ela foi elogiada no plenário da Câmara pelo Bolsonaro Filho e por outros parlamentares de posições ideológicas semelhantes. Se isso não é uma sintonia ideológica, não sei o que é. Desde o início dessa operação, existe um tratamento seletivo. Aliás, na AP 470, o próprio STF atuou dessa forma, isso fortaleceu um método de ação política que hoje tem foco preciso e determinado.
Como garantir que a Polícia Federal aja de forma igual para petistas, tucanos, peemedebistas, todos os cidadãos enfim, e, ainda, sempre dentro da legalidade?
Na minha opinião, três ações seriam importantes. Uma primeira é por freio à legislação que amplia o estado policial. Uma segunda é possibilitar a participação da sociedade e criação de ouvidoria externa com poderes amplos. A terceira é deixar de ser subserviente e de fato ter uma ação política no órgão que faça com ele se conforme a Constituição da República de 1988. Ou seja, que se torne um órgão da democracia e não que nos faça lembrar tempos sombrios da história recente. A PF caminha para ser uma nova PIDE, ingovernável. E isso é extremamente perigoso.
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