Por Bia Barbosa, na revista CartaCapital:
Não é fácil admitir que nós, jornalistas, também erramos. E que nosso erro pode fazer muito mal aos outros. Nos bancos das faculdades de comunicação, muito pouco se debate, com profundidade, sobre ética jornalística, sobre a responsabilidade que os meios de comunicação de massa devem ter ao divulgar fatos e dados. Muito menos sobre o direito que o outro, de quem falamos ou escrevemos, tem de ser ouvido e tratado com igual respeito.
Essa sensação de poder só se reforça quando chegamos às redações. Ali, o culto ao absolutismo da liberdade de imprensa é martelado cotidianamente em nossas cabeças pelos colegas “mais experientes”, pelos chefes e pelos donos do veículo. Qualquer restrição à atuação do jornalista – incluindo a necessidade de dar voz a todos os lados envolvidos numa história – é rapidamente tachada de censura.
Esta semana, uma vez mais, os tradicionais veículos de comunicação do país se levantaram contra um direito fundamental, consagrado internacionalmente muito antes da própria Constituição brasileira incorporá-lo em nosso ordenamento jurídico, alegando “risco à liberdade de expressão”. Liberdade de quem?
Depois de três anos tramitando no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 20, o PL 6446, que regulamenta a garantia do direito de resposta. Desde a revogação total, pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009, da Lei de Imprensa, o dispositivo constitucional não conta com uma lei específica que detalhe como os meios de comunicação devem proceder em caso de erro ou ofensa praticada contra qualquer cidadão.
Por conta disso, são inúmeros os casos de pessoas que não conseguem exercer seu direito de resposta contra o mau jornalismo, mesmo que a Constituição o garanta. O texto, modificado, ainda voltará ao Senado, mas já vem sendo alvo de críticas contundentes daqueles que não querem respeitar qualquer regra para operar seu negócio (no caso, vender jornal e revista ou lucrar com os anúncios publicitários no rádio e na TV).
Em editorial do último domingo, o Estadão afirma que o projeto é um “verdadeiro instrumento de coação a quem queira se manifestar”. Isso porque, para o jornal, só teria direito de resposta aquele que fosse vítima de uma informação errada de um veículo, e não quem também fosse ofendido pela imprensa.
Acontece que a nossa legislação em vigor já garante que um veículo ou jornalista possa ser processado por injúria, calúnia ou difamação – condutas que, como se sabe, vão bem além da veiculação de informações comprovadamente inverídicas, e se enquadram nos chamados “crimes contra a honra”, que existem em todo o mundo.
O que não existe, aqui no Brasil, e o PL 6446/13, de autoria do senador Roberto Requião, propõe reestabelecer, é um rito para que o direito de resposta seja garantido, e não dependa do bel prazer dos veículos de comunicação. Ao contrário do que afirma o Estadão, os Códigos Civil e Penal do país não tem assegurado a reparação de danos advindos da atividade jornalística. Muito pelo contrário. Há casos que estão há mais de cinco anos à espera de um posicionamento da Justiça – que, aliás, nem precisaria ser acionada, caso os veículos fossem capazes de admitir seus erros e abrir espaço para o contraditório em suas páginas ou programas na TV e no rádio.
Caso o projeto venha a ser aprovado no Senado, o juiz poderá se manifestar nas 24 horas seguintes à citação, já determinando a data e demais condições para a veiculação da resposta. Ou seja, será garantida agilidade nos processos e, assim, efetividade na resposta do cidadão ofendido. Afinal, de que adianta um direito de resposta concedido cinco anos depois do dano causado? Muito pouco...
Além do prazo, o projeto também garante a resposta ou retificação na mesma proporção do agravo, com divulgação gratuita. Ou seja, não vale mais dar uma notinha no rodapé da última página do jornal para retratar um erro cometido em uma manchete de primeira página. Nem ler duas frases no telejornal para retificar uma reportagem de cinco minutos. Muito menos corrigir um erro cometido em horário nobre na programação da madrugada.
E isso é democrático; fundamental para estimular o exercício da boa prática jornalística, para um retorno à credibilidade da imprensa pela sociedade e para equilibrar minimamente o poder de divulgação dos meios de comunicação com os direitos dos cidadãos e cidadãs, reforçando a importância de uma mídia democrática e plural no país.
Lobby midiático
Não é só agora, pós-votação do projeto na Câmara, que os meios de comunicação estão se posicionando sobre o texto. Durante toda a tramitação do PL, as associações que representam os veículos impressos e de radiodifusão no país pressionaram fortemente os partidos políticos e parlamentares para que o direito de resposta continuasse desregulamentado. Além de prorrogar a votação do projeto, que estava pronto há meses para ser apreciado pelo plenário, os donos da mídia convenceram parte importante dos deputados contra o texto.
Durante a votação, o deputado Miro Teixeira (Rede/RJ) chegou a declarar que os homens públicos já têm acesso aos meios de comunicação para responder aos erros e ofensas publicados, seja por meio de notas ou pela convocação de entrevistas coletivas. Mas e o cidadão comum, deputado, faz como? Para o deputado Sandro Alex (PPS/PR), a projeto é um retrocesso, e representa a censura, “o controle da mídia”. Como assim, se o direito de resposta só será veiculado após a publicação de um fato inverídico ou ofensa e depois de uma decisão judicial equilibrada?
É exatamente o contrário. Na prática, a regulamentação do direito de resposta garante mais diversidade de opiniões e mais pluralidade – e não menos. Nenhum jornalista ou veículos será impedido de investigar o que quiser e de publicar suas opiniões. Somente deverá abrir espaço para outros lados e para correções caso já não faça isso no próprio exercício de suas funções ou publique informação mentirosa. Do contrário, tudo continua como está.
O lobby midiático conquistou ainda os votos do DEM e do PSDB contrários ao projeto. E conseguiu alterar, na Câmara, um dos aspectos do texto que saiu do Senado: a possibilidade do próprio cidadão ofendido se pronunciar, pessoalmente, no rádio ou na TV para exercer sua resposta. Na versão que passou na Câmara, são os profissionais do veículo que devem divulgar a resposta. Por conta disso, a aprovação da lei foi prorrogada uma vez mais, tendo o PL que passar novamente pelo Senado.
Mas a medida deve ser celebrada. Em plena Semana Nacional pela Democratização da Comunicação – que aconteceu em 14 estados da federação, entre os dias 14 e 21 de outubro, com debates, atos culturais e audiências públicas sobre o tema –, o Congresso Nacional deu uma boa notícia para a sociedade brasileira. A de que os princípios constitucionais relacionadas à área da comunicação devem ser regulamentados, para se tornarem prática.
Agora só falta fazer o mesmo com os artigos que proíbem o monopólio dos meios de comunicação e a concentração de meios no setor privado (prevendo sua complementaridade com os canais públicos e estatais) e os dispositivos que garantem espaço para a programação regional e independente nos meios. A pressão contrária dos grandes meios continua, obviamente. Mas a aprovação do PL do direito de resposta, numa Câmara dos Deputados presidida por Eduardo Cunha, mostra que nem tudo está perdido.
Não é fácil admitir que nós, jornalistas, também erramos. E que nosso erro pode fazer muito mal aos outros. Nos bancos das faculdades de comunicação, muito pouco se debate, com profundidade, sobre ética jornalística, sobre a responsabilidade que os meios de comunicação de massa devem ter ao divulgar fatos e dados. Muito menos sobre o direito que o outro, de quem falamos ou escrevemos, tem de ser ouvido e tratado com igual respeito.
Essa sensação de poder só se reforça quando chegamos às redações. Ali, o culto ao absolutismo da liberdade de imprensa é martelado cotidianamente em nossas cabeças pelos colegas “mais experientes”, pelos chefes e pelos donos do veículo. Qualquer restrição à atuação do jornalista – incluindo a necessidade de dar voz a todos os lados envolvidos numa história – é rapidamente tachada de censura.
Esta semana, uma vez mais, os tradicionais veículos de comunicação do país se levantaram contra um direito fundamental, consagrado internacionalmente muito antes da própria Constituição brasileira incorporá-lo em nosso ordenamento jurídico, alegando “risco à liberdade de expressão”. Liberdade de quem?
Depois de três anos tramitando no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 20, o PL 6446, que regulamenta a garantia do direito de resposta. Desde a revogação total, pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009, da Lei de Imprensa, o dispositivo constitucional não conta com uma lei específica que detalhe como os meios de comunicação devem proceder em caso de erro ou ofensa praticada contra qualquer cidadão.
Por conta disso, são inúmeros os casos de pessoas que não conseguem exercer seu direito de resposta contra o mau jornalismo, mesmo que a Constituição o garanta. O texto, modificado, ainda voltará ao Senado, mas já vem sendo alvo de críticas contundentes daqueles que não querem respeitar qualquer regra para operar seu negócio (no caso, vender jornal e revista ou lucrar com os anúncios publicitários no rádio e na TV).
Em editorial do último domingo, o Estadão afirma que o projeto é um “verdadeiro instrumento de coação a quem queira se manifestar”. Isso porque, para o jornal, só teria direito de resposta aquele que fosse vítima de uma informação errada de um veículo, e não quem também fosse ofendido pela imprensa.
Acontece que a nossa legislação em vigor já garante que um veículo ou jornalista possa ser processado por injúria, calúnia ou difamação – condutas que, como se sabe, vão bem além da veiculação de informações comprovadamente inverídicas, e se enquadram nos chamados “crimes contra a honra”, que existem em todo o mundo.
O que não existe, aqui no Brasil, e o PL 6446/13, de autoria do senador Roberto Requião, propõe reestabelecer, é um rito para que o direito de resposta seja garantido, e não dependa do bel prazer dos veículos de comunicação. Ao contrário do que afirma o Estadão, os Códigos Civil e Penal do país não tem assegurado a reparação de danos advindos da atividade jornalística. Muito pelo contrário. Há casos que estão há mais de cinco anos à espera de um posicionamento da Justiça – que, aliás, nem precisaria ser acionada, caso os veículos fossem capazes de admitir seus erros e abrir espaço para o contraditório em suas páginas ou programas na TV e no rádio.
Caso o projeto venha a ser aprovado no Senado, o juiz poderá se manifestar nas 24 horas seguintes à citação, já determinando a data e demais condições para a veiculação da resposta. Ou seja, será garantida agilidade nos processos e, assim, efetividade na resposta do cidadão ofendido. Afinal, de que adianta um direito de resposta concedido cinco anos depois do dano causado? Muito pouco...
Além do prazo, o projeto também garante a resposta ou retificação na mesma proporção do agravo, com divulgação gratuita. Ou seja, não vale mais dar uma notinha no rodapé da última página do jornal para retratar um erro cometido em uma manchete de primeira página. Nem ler duas frases no telejornal para retificar uma reportagem de cinco minutos. Muito menos corrigir um erro cometido em horário nobre na programação da madrugada.
E isso é democrático; fundamental para estimular o exercício da boa prática jornalística, para um retorno à credibilidade da imprensa pela sociedade e para equilibrar minimamente o poder de divulgação dos meios de comunicação com os direitos dos cidadãos e cidadãs, reforçando a importância de uma mídia democrática e plural no país.
Lobby midiático
Não é só agora, pós-votação do projeto na Câmara, que os meios de comunicação estão se posicionando sobre o texto. Durante toda a tramitação do PL, as associações que representam os veículos impressos e de radiodifusão no país pressionaram fortemente os partidos políticos e parlamentares para que o direito de resposta continuasse desregulamentado. Além de prorrogar a votação do projeto, que estava pronto há meses para ser apreciado pelo plenário, os donos da mídia convenceram parte importante dos deputados contra o texto.
Durante a votação, o deputado Miro Teixeira (Rede/RJ) chegou a declarar que os homens públicos já têm acesso aos meios de comunicação para responder aos erros e ofensas publicados, seja por meio de notas ou pela convocação de entrevistas coletivas. Mas e o cidadão comum, deputado, faz como? Para o deputado Sandro Alex (PPS/PR), a projeto é um retrocesso, e representa a censura, “o controle da mídia”. Como assim, se o direito de resposta só será veiculado após a publicação de um fato inverídico ou ofensa e depois de uma decisão judicial equilibrada?
É exatamente o contrário. Na prática, a regulamentação do direito de resposta garante mais diversidade de opiniões e mais pluralidade – e não menos. Nenhum jornalista ou veículos será impedido de investigar o que quiser e de publicar suas opiniões. Somente deverá abrir espaço para outros lados e para correções caso já não faça isso no próprio exercício de suas funções ou publique informação mentirosa. Do contrário, tudo continua como está.
O lobby midiático conquistou ainda os votos do DEM e do PSDB contrários ao projeto. E conseguiu alterar, na Câmara, um dos aspectos do texto que saiu do Senado: a possibilidade do próprio cidadão ofendido se pronunciar, pessoalmente, no rádio ou na TV para exercer sua resposta. Na versão que passou na Câmara, são os profissionais do veículo que devem divulgar a resposta. Por conta disso, a aprovação da lei foi prorrogada uma vez mais, tendo o PL que passar novamente pelo Senado.
Mas a medida deve ser celebrada. Em plena Semana Nacional pela Democratização da Comunicação – que aconteceu em 14 estados da federação, entre os dias 14 e 21 de outubro, com debates, atos culturais e audiências públicas sobre o tema –, o Congresso Nacional deu uma boa notícia para a sociedade brasileira. A de que os princípios constitucionais relacionadas à área da comunicação devem ser regulamentados, para se tornarem prática.
Agora só falta fazer o mesmo com os artigos que proíbem o monopólio dos meios de comunicação e a concentração de meios no setor privado (prevendo sua complementaridade com os canais públicos e estatais) e os dispositivos que garantem espaço para a programação regional e independente nos meios. A pressão contrária dos grandes meios continua, obviamente. Mas a aprovação do PL do direito de resposta, numa Câmara dos Deputados presidida por Eduardo Cunha, mostra que nem tudo está perdido.
* Bia Barbosa é jornalista, integrante da coordenação executiva do Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
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