Por Celso Vicenzi, em seu blog:
O juiz Sergio Moro ameaça o respeito que a opinião pública sempre devotou ao Judiciário e às garantias constitucionais que dão suporte à democracia. A forma partidarizada e seletiva com que tem conduzido as investigações da Lava-Jato, já romperam até mesmo as barreiras da legalidade institucional, como se viu no episódio do grampo da presidenta da República. Há um enorme risco quando um juiz é dominado pelo pensamento messiânico de querer “limpar a corrupção”, como já revelou em entrevistas.
Muitos líderes mundiais, com o mesmo discurso de uma “limpeza” – moral, étnica, ética ou de que tipo for –, em nome de uma causa inadiável e que precisaria ir fundo, custe o que custar, também prometeram que, ao final, sairíamos redimidos para usufruir de um novo tempo. As lideranças religiosas diriam: “livres do pecado”. Moro diz que os prejuízos econômicos e sociais em que a Lava-Jato lançou o país serão pequenos diante dos benefícios que alcançaremos com a punição dos responsáveis pela corrupção. Deve crer que, depois dele, nunca mais teremos corrupção ou que toda e qualquer corrupção será sempre punida.
Não é preciso ir muito longe na história para recolher exemplos assustadores de onde o discurso da “limpeza” ou da “pureza” pode nos conduzir. Verdadeiros massacres foram perpetrados com essa lógica. Esse é um discurso que, rapidamente, costuma arregimentar exércitos de fanáticos dispostos a tudo. Até mesmo matar, porque o autoritarismo não convive com a diferença e a divergência. Se não temos mortes, ainda, é um detalhe que as circunstâncias poderão providenciar em curto espaço, como já bem lembrou o escritor Luis Fernando Verissimo.
Mas já temos sinais graves de um ódio que ameaça fugir ao controle das autoridades. Um passo em falso, uma provocação maior, desnecessária e a espiral de violência pode atingir níveis incontroláveis. O “caldo de cultura”, pelo menos, já foi cuidadosamente preparado por uma imprensa irresponsável e que tomou posição por um golpe de estado, mesmo sem crime de responsabilidade da presidenta, que sustente um pedido de impeachment. O volume de manipulações, distorções e omissões da imprensa, com fortes apelos à emoção (que tem gerado muito ódio, à direita e esquerda) é algo que parece repetir alguns dos piores momentos de nossa história. E demonstra, novamente, que sem a democratização dos meios de comunicação, a democracia estará sempre vulnerável às chantagens de grandes grupos de mídia sobre os três poderes e sobre uma população refém de um pensamento e de um discurso único.
Nas sociedades modernas e sobretudo no caso brasileiro, o oligopólio dos meios de comunicação é uma ameaça permanente ao regime democrático, como facilmente se constata no presente momento, que será confirmado por muitos estudos posteriores. Os exemplos expostos em jornais, revistas, emissoras de rádio e tevê e na internet, são gritantes.
A opção de Moro pela delação “premiada” (o nome já diz tudo!), para tentar obter as provas para um processo cuja sentença já está decidida, é a negação do direito, é o malogro da justiça. Nos momentos piores da história, delações foram obtidas sob tortura (o que ainda acontece com os mais pobres em delegacias de polícia por todo o Brasil). No caso da Lava-Jato, são obtidas por uma evidente tortura física e psicológica, ao deixar claro ao acusado que só terá o abrandamento da privação da liberdade em regime fechado se colaborar com uma delação. Como vários juristas já apontaram, delação não é prova e só deveria ser espontânea. Obtida de forma coercitiva é a celebração de que os fins justificam os meios – um risco enorme ao estado democrático de direito.
E está claro, na essência, que é apenas um tipo de delação que se busca, aquele que compromete os governos Lula e Dilma. Ou não se explica tamanha perseguição judicial – mas que também é política – apenas sobre duas das maiores autoridades recentes da história do país e de um único partido, quando permanecem intocáveis lideranças como Aécio Neves, já citado seis vezes sem que haja nenhuma devassa sobre a sua intimidade, como o fazem até mesmo ao arrepio da lei, contra Lula e Dilma. A lista poderia ser completada com Eduardo Cunha, Renan, Temer e tantos outros.
Violar a intimidade e, mais do que isso, expô-la à execração pública é um estupro ao direito à privacidade do cidadão. Que a justiça tome conhecimento de fatos porventura incriminadores e que deles se tenha ciência, ao final de uma sentença, é muito diferente de violentar um direito antes que haja, ainda, uma investigação séria, a defesa e o veredicto. Sob o falso pretexto de que numa sociedade democrática o cidadão tem o direito de saber tudo o que a justiça investiga, o que se obtém de fato, mais do que justiça, é o justiçamento de pessoas, já condenadas pela opinião pública. O efeito dessa exposição, que pode atender a interesses de grupos políticos, é muito mais importante do que uma futura condenação.
A instância judicial foi criada justamente para que as pessoas não façam justiça com as próprias mãos. Mas ao fazer uso contínuo de vazamentos seletivos das delações, direto para os meios de comunicação, o que se quer é produzir a alteração da racionalidade pela perturbação da consciência e a exacerbação das emoções. E a primeira que aflora é o ódio. É esse sentimento o motor de linchamentos populares, por exemplo, às vezes contra inocentes.
O ódio vigente na sociedade brasileira tem raízes de longa data, não nasceu, portanto, com o juiz Sergio Moro, mas a ele e à Rede Globo, por seu alcance, muito devem no presente momento.
A delação premiada é um eufemismo para o “dedodurismo”, um estímulo ao que há de pior na alma humana. Não é preciso dizer que no “código de ética” de cidadãos em conflito com a lei, é sentença de morte, algo imperdoável.
O “dedodurismo” que hoje se apresenta com a roupagem do direito e da democracia, é a negação da justiça. Foi com base em delações – premiadas ou não – que milhões foram assassinados e outros tantos queimados em fogueiras. Na Inquisição, a Igreja também buscava, incansável, a confissão. E queimou cerca de 500 mil mulheres na Europa.
Líderes religiosos, em cruzadas na defesa da fé, foram e são, até hoje, responsáveis por guerras em várias regiões do planeta. A delação, como instrumento de uma justiça coercitiva, que permite ao acusado vingar-se de seus desafetos e revelar apenas uma parte do que sabe e, principalmente, a parte que juízes messiânicos querem ouvir, é um risco ao estado de direito, uma desonra ao Judiciário. Espera-se para breve, que os legisladores e os juízes, para o bem da sociedade, busquem formas menos aviltantes e mais nobres de se fazer justiça.
Mais grave, ainda, é o uso do grampo, por qualquer meio, para expor a intimidade de pessoas, inclusive em trechos que nada tem a ver com crimes investigados. Grampear quem ocupa o mais alto cargo de uma nação é uma ilegalidade, é crime de Segurança Nacional. E a imprensa, longe de discutir a gravidade, foca no teor da conversa que, aliás, não traz nenhum elemento de crime.
Lula, que ainda não está sendo processado, tem o direito de aceitar um convite da presidenta para integrar um ministério e se, por efeito de tal ato, adquire foro privilegiado, não há nenhuma irregularidade nisso. Não há nisso nenhuma tentativa de “obstruir a justiça”, visto que será julgado, se indícios e provas houver, justamente pela mais alta Corte do país, aquela que teoricamente está mais apta a fazer justiça.
É muito provável que o juiz Sergio Moro, com o auxílio da Polícia Federal, tenha grampeado não apenas Lula, Dilma e integrantes do PT, mas boa parte da classe política brasileira. E se é capaz de incorrer em ilegalidade contra a presidenta da República, quem garante que não grampeou inclusive o STF? Provavelmente, jamais saberemos. Por que o STF não pede a quebra do sigilo telefônico do juiz Moro, que não demonstra o equilíbrio necessário na condução da Lava-Jato, sobretudo agora que ficou transparente seu propósito político? Afinal, ninguém está acima da lei, não é?
Mas, se não chegarão a tanto, por que, pelo menos, não se investiga quem vaza as delações premiadas para a imprensa? Quem vazou, em questão de minutos, o grampo da presidenta Dilma Roussef? Qual a relação desse vazamento com o fato do juiz Moro ter perdido o foro para julgar Lula, que foi nomeado ministro? A justiça, que se diz isenta, deve muitas explicações à população brasileira sobre os métodos da Lava-Jato.
Violar a intimidade e expô-la para todos os meios de comunicação, principalmente com finalidade política, é violentar a democracia. Que regime democrático resistiria se todas as conversas telefônicas de seus líderes, empresários, religiosos ou quem quer que seja fossem expostas publicamente? E se apenas algumas são expostas, seletivamente, que democracia é esta?
Diferente das certezas do juiz Moro, a corrupção não acontece apenas em transações de agentes públicos, sobretudo do Executivo, com grandes empresários. Está também no Parlamento, no Judiciário,em toda sociedade brasileira. E deve ser combatida, mas com serenidade e justiça. Porque como disse, certa vez, o eminente jurista Rui Barbosa “a pior ditadura é a do poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”.
O juiz Sergio Moro ameaça o respeito que a opinião pública sempre devotou ao Judiciário e às garantias constitucionais que dão suporte à democracia. A forma partidarizada e seletiva com que tem conduzido as investigações da Lava-Jato, já romperam até mesmo as barreiras da legalidade institucional, como se viu no episódio do grampo da presidenta da República. Há um enorme risco quando um juiz é dominado pelo pensamento messiânico de querer “limpar a corrupção”, como já revelou em entrevistas.
Muitos líderes mundiais, com o mesmo discurso de uma “limpeza” – moral, étnica, ética ou de que tipo for –, em nome de uma causa inadiável e que precisaria ir fundo, custe o que custar, também prometeram que, ao final, sairíamos redimidos para usufruir de um novo tempo. As lideranças religiosas diriam: “livres do pecado”. Moro diz que os prejuízos econômicos e sociais em que a Lava-Jato lançou o país serão pequenos diante dos benefícios que alcançaremos com a punição dos responsáveis pela corrupção. Deve crer que, depois dele, nunca mais teremos corrupção ou que toda e qualquer corrupção será sempre punida.
Não é preciso ir muito longe na história para recolher exemplos assustadores de onde o discurso da “limpeza” ou da “pureza” pode nos conduzir. Verdadeiros massacres foram perpetrados com essa lógica. Esse é um discurso que, rapidamente, costuma arregimentar exércitos de fanáticos dispostos a tudo. Até mesmo matar, porque o autoritarismo não convive com a diferença e a divergência. Se não temos mortes, ainda, é um detalhe que as circunstâncias poderão providenciar em curto espaço, como já bem lembrou o escritor Luis Fernando Verissimo.
Mas já temos sinais graves de um ódio que ameaça fugir ao controle das autoridades. Um passo em falso, uma provocação maior, desnecessária e a espiral de violência pode atingir níveis incontroláveis. O “caldo de cultura”, pelo menos, já foi cuidadosamente preparado por uma imprensa irresponsável e que tomou posição por um golpe de estado, mesmo sem crime de responsabilidade da presidenta, que sustente um pedido de impeachment. O volume de manipulações, distorções e omissões da imprensa, com fortes apelos à emoção (que tem gerado muito ódio, à direita e esquerda) é algo que parece repetir alguns dos piores momentos de nossa história. E demonstra, novamente, que sem a democratização dos meios de comunicação, a democracia estará sempre vulnerável às chantagens de grandes grupos de mídia sobre os três poderes e sobre uma população refém de um pensamento e de um discurso único.
Nas sociedades modernas e sobretudo no caso brasileiro, o oligopólio dos meios de comunicação é uma ameaça permanente ao regime democrático, como facilmente se constata no presente momento, que será confirmado por muitos estudos posteriores. Os exemplos expostos em jornais, revistas, emissoras de rádio e tevê e na internet, são gritantes.
A opção de Moro pela delação “premiada” (o nome já diz tudo!), para tentar obter as provas para um processo cuja sentença já está decidida, é a negação do direito, é o malogro da justiça. Nos momentos piores da história, delações foram obtidas sob tortura (o que ainda acontece com os mais pobres em delegacias de polícia por todo o Brasil). No caso da Lava-Jato, são obtidas por uma evidente tortura física e psicológica, ao deixar claro ao acusado que só terá o abrandamento da privação da liberdade em regime fechado se colaborar com uma delação. Como vários juristas já apontaram, delação não é prova e só deveria ser espontânea. Obtida de forma coercitiva é a celebração de que os fins justificam os meios – um risco enorme ao estado democrático de direito.
E está claro, na essência, que é apenas um tipo de delação que se busca, aquele que compromete os governos Lula e Dilma. Ou não se explica tamanha perseguição judicial – mas que também é política – apenas sobre duas das maiores autoridades recentes da história do país e de um único partido, quando permanecem intocáveis lideranças como Aécio Neves, já citado seis vezes sem que haja nenhuma devassa sobre a sua intimidade, como o fazem até mesmo ao arrepio da lei, contra Lula e Dilma. A lista poderia ser completada com Eduardo Cunha, Renan, Temer e tantos outros.
Violar a intimidade e, mais do que isso, expô-la à execração pública é um estupro ao direito à privacidade do cidadão. Que a justiça tome conhecimento de fatos porventura incriminadores e que deles se tenha ciência, ao final de uma sentença, é muito diferente de violentar um direito antes que haja, ainda, uma investigação séria, a defesa e o veredicto. Sob o falso pretexto de que numa sociedade democrática o cidadão tem o direito de saber tudo o que a justiça investiga, o que se obtém de fato, mais do que justiça, é o justiçamento de pessoas, já condenadas pela opinião pública. O efeito dessa exposição, que pode atender a interesses de grupos políticos, é muito mais importante do que uma futura condenação.
A instância judicial foi criada justamente para que as pessoas não façam justiça com as próprias mãos. Mas ao fazer uso contínuo de vazamentos seletivos das delações, direto para os meios de comunicação, o que se quer é produzir a alteração da racionalidade pela perturbação da consciência e a exacerbação das emoções. E a primeira que aflora é o ódio. É esse sentimento o motor de linchamentos populares, por exemplo, às vezes contra inocentes.
O ódio vigente na sociedade brasileira tem raízes de longa data, não nasceu, portanto, com o juiz Sergio Moro, mas a ele e à Rede Globo, por seu alcance, muito devem no presente momento.
A delação premiada é um eufemismo para o “dedodurismo”, um estímulo ao que há de pior na alma humana. Não é preciso dizer que no “código de ética” de cidadãos em conflito com a lei, é sentença de morte, algo imperdoável.
O “dedodurismo” que hoje se apresenta com a roupagem do direito e da democracia, é a negação da justiça. Foi com base em delações – premiadas ou não – que milhões foram assassinados e outros tantos queimados em fogueiras. Na Inquisição, a Igreja também buscava, incansável, a confissão. E queimou cerca de 500 mil mulheres na Europa.
Líderes religiosos, em cruzadas na defesa da fé, foram e são, até hoje, responsáveis por guerras em várias regiões do planeta. A delação, como instrumento de uma justiça coercitiva, que permite ao acusado vingar-se de seus desafetos e revelar apenas uma parte do que sabe e, principalmente, a parte que juízes messiânicos querem ouvir, é um risco ao estado de direito, uma desonra ao Judiciário. Espera-se para breve, que os legisladores e os juízes, para o bem da sociedade, busquem formas menos aviltantes e mais nobres de se fazer justiça.
Mais grave, ainda, é o uso do grampo, por qualquer meio, para expor a intimidade de pessoas, inclusive em trechos que nada tem a ver com crimes investigados. Grampear quem ocupa o mais alto cargo de uma nação é uma ilegalidade, é crime de Segurança Nacional. E a imprensa, longe de discutir a gravidade, foca no teor da conversa que, aliás, não traz nenhum elemento de crime.
Lula, que ainda não está sendo processado, tem o direito de aceitar um convite da presidenta para integrar um ministério e se, por efeito de tal ato, adquire foro privilegiado, não há nenhuma irregularidade nisso. Não há nisso nenhuma tentativa de “obstruir a justiça”, visto que será julgado, se indícios e provas houver, justamente pela mais alta Corte do país, aquela que teoricamente está mais apta a fazer justiça.
É muito provável que o juiz Sergio Moro, com o auxílio da Polícia Federal, tenha grampeado não apenas Lula, Dilma e integrantes do PT, mas boa parte da classe política brasileira. E se é capaz de incorrer em ilegalidade contra a presidenta da República, quem garante que não grampeou inclusive o STF? Provavelmente, jamais saberemos. Por que o STF não pede a quebra do sigilo telefônico do juiz Moro, que não demonstra o equilíbrio necessário na condução da Lava-Jato, sobretudo agora que ficou transparente seu propósito político? Afinal, ninguém está acima da lei, não é?
Mas, se não chegarão a tanto, por que, pelo menos, não se investiga quem vaza as delações premiadas para a imprensa? Quem vazou, em questão de minutos, o grampo da presidenta Dilma Roussef? Qual a relação desse vazamento com o fato do juiz Moro ter perdido o foro para julgar Lula, que foi nomeado ministro? A justiça, que se diz isenta, deve muitas explicações à população brasileira sobre os métodos da Lava-Jato.
Violar a intimidade e expô-la para todos os meios de comunicação, principalmente com finalidade política, é violentar a democracia. Que regime democrático resistiria se todas as conversas telefônicas de seus líderes, empresários, religiosos ou quem quer que seja fossem expostas publicamente? E se apenas algumas são expostas, seletivamente, que democracia é esta?
Diferente das certezas do juiz Moro, a corrupção não acontece apenas em transações de agentes públicos, sobretudo do Executivo, com grandes empresários. Está também no Parlamento, no Judiciário,em toda sociedade brasileira. E deve ser combatida, mas com serenidade e justiça. Porque como disse, certa vez, o eminente jurista Rui Barbosa “a pior ditadura é a do poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”.
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