Por Henrique Oliveira, no site Justificando:
O jornalista da Rede Globo, William Waack, foi afastado das funções de jornalismo após vazar um vídeo gravado minutos antes de entrar no ar. Durante a cobertura sobre a eleição de Donald Trump, no dia 8 de Novembro de 2016, o jornalista aparece xingando um motorista que estava buzinando, e faz comentários racistas com o também jornalista Paulo Sotero.
O diálogo:
William Waack: “Tá buzinando por que, ô seu merda do cacete? Deve ser um daqueles… Não vou nem falar de quem é, eu sei o que é… Sabe o que, né? Preto, né?” e Sotero pergunta: “Ahn?” e Waack diz: “Preto, né? Sabe o que é isso? É coisa de preto”, Sotero: “Sim”. E conclui o diálogo: “Com certeza”.
Após a repercussão na internet, o jornalista afirmou não se lembrar do que disse, já que ele afirma, que o “áudio não tem clareza”, mas pede sinceras desculpas àqueles que sentiram ultrajados pela situação.
A Rede Globo divulgou uma nota dizendo que é contra o Racismo em todas as suas formas de manifestações, e que estava afastando o apresentador do Jornal da Globo até que a situação seja esclarecida.
Mas será que a Rede Globo realmente é contra qualquer tipo de manifestação Racista? Na novela A Cabana do Pai Tomás que foi exibida há 48 anos, baseada no romance Uncle Tom’s Cabin, de Harriet Beecher Stowe, abordava a luta entre escravos e latifundiários do Sul dos EUA, durante a Guerra de Secessão que colocou em oposição os estados das regiões Norte e Sul do país, culminando no fim da escravidão.
A Globo, no entanto, escolheu o ator Sérgio Cardoso para viver o protagonista Pai Tomás, só que Sérgio Cardoso era um homem branco, e pintava a sua pele com maquiagem para viver um personagem negro. A novela utilizou um recurso chamado Blackface, que surgiu para criar padrões sobre os corpos negros, com o objetivo de ridicularizar a aparência e manter os atores negros distantes dos palcos.
E no caso das novelas brasileiras, que tem a Globo como principal produtora e exportadora da teledramaturgia nacional, os personagens negros ainda aparecem em papeis tradicionais que reforçam estereótipos como o negro que mora em favela, que gosta de samba, atua no núcleo violento da novela, como na criminalidade, e ocupam cargos de porteiros, motoristas ou empregadas domésticas.
O livro “A negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira (2001)” demonstra que os negros estão representados através de estereótipos negativos, existe uma total invisibilidade da ação positiva dos negros, a cultura negra é vista como folclore e não como parte da cultura popular brasileira, o negro é um elemento de diversão para os brancos, e a representação do negro como pobre e favelado está na estrutura rotineira dos noticiários.
A romancista moçambicana Paulina Chiziane esteve no Brasil em 2012 participando da 1ª Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília. Durante a sua fala no seminário Literatura Africana Contemporânea, ela disse que a imagem que se passa do Brasil para Moçambique, é de um país branco ou , no máximo, mestiço. E que o único negro bem sucedido e reconhecido seria o Pelé. Nas telenovelas, um instrumento responsável por representar a imagem do país, as pessoas negras só aparecem em cargos de carregadores ou empregada doméstica, e no topo da representação social estão os brancos.
A atriz Solange Couto participou em 2015 da campanha publicitária #SentiNaPele, que trazia pessoas negras segurando uma lousa para denunciar situações de discriminação em que já passaram. A atriz preferiu denunciar os personagens estereotipados que já interpretou, foram 37 papeis, sendo 25 deles empregadas e escravas, um total de 68% de personagens em estereótipos de subalternidade. O que explica isso se não a sua condição de mulher negra?
E foi somente no ano passado, após 21 anos no ar, que a telenovela Malhação foi protagonizada por uma jovem negra, pela atriz Aline Dias. E mesmo assim, a personagem estava inserida em um contexto de subalternidade na hierarquia social, no início da série a protagonista era faxineira de uma academia. E por que ela não poderia ter sido uma jovem negra, universitária, já que as mulheres são maioria nas universidades? Ela poderia muito ser uma aluna negra, cotista, vivendo a dificuldade de estudar em espaços elitistas, que sempre foram reservados para as pessoas brancas, já que as cotas raciais permitiram uma mudança significativa na composição étnica das universidades brasileiras. Só que a Globo optou pela reprodução estereotipada, mais uma vez.
Em 2012 o programa Zorra Total foi questionado na justiça por telespectadores e ONG’s e foi investigado por Racismo, pela 19ª Promotoria de Investigação Penal do Rio de Janeiro, por causa da personagem Adelaide que era interpretada pelo ator Rodrigo Santana. A personagem representava uma mulher negra, pobre, desdentada, com traços fenotípicos negróides totalmente desproporcionais como o tamanho do nariz, com a intenção de ridicularizar e animalizar a aparência negra.
E em um dos quadros do programa dito humorístico, a personagem disse que durante ‘uma enchente não poderia ficar sem a palha de aço, e que correu atrás para pega la, mas quando percebeu era a o cabelo da filha’.
A Rede Globo sempre lançou mão de uma representatividade branca, é uma das principais instituições propagadoras da Supremacia Branca na mídia. Não podemos nos esquecer principalmente da ‘rainha dos baixinhos’, Xuxa e suas Paquitas – assistentes de palco – que por durante 4 gerações foram formadas por mulheres brancas, loiras e magras, sendo Xuxa também uma mulher branca nesse padrão. E dessa forma ajudou a criar em toda uma geração de meninas, que o modelo estético de beleza era o caucasiano, elemento fundamental da ideologia do embraquecimento no país.
A primeira vez que veio aparecer uma assistente de palco não branca nos programas da Xuxa, foi a Adriana Bombom, mas só apareceu quando a apresentadora já estava no programa ‘Planeta Xuxa’ no final da década de 90, antes já tinham sido transmitidos o Xou da Xuxa, Xuxa Star, Paradão da Xuxa, Programa Xuxa, Xuxa Park e Xuxa Hits, como bem lembra o artigo ‘Xuxa combate ao Racismo e 4 gerações de Paquitas brancas’.
Ali Kamel, atual Diretor Geral de Jornalismo e Esportes da Rede Globo, escreveu um livro publicado no ano de 2006 com o título “Não somos Racistas”, um verdadeiro afronte a qualquer pessoa honesta e que tenha bom senso para analisar as relações sociais no Brasil, uma nação que conviveu com mais de 300 anos de escravidão.
O livro escrito por Ali Kamel, é na verdade mais uma peça ideológica do mito Democracia Racial foi escrito bem no período da implementação da política de cotas raciais no ensino superior público. E para Ali Kamel o Racismo não teria um peso cultural na sociedade brasileira e que a política de cotas raciais dividiria o país (sic), entre brancos e negros. Imagina! E nem contaria com o apoio das instituições privadas e públicas, que nos diga a Polícia Militar, os Hospitais, as empresas que exigiam “boa aparência” para contratar pessoas, o que significava ser branco(a), ou não ter uma estética afro ativa como o cabelo Black Power, por exemplo, nos casos mais brandos de Racismo no mercado de trabalho, entre outros.
E essa avaliação que as cotas raciais é um instrumento que iria iniciar uma política de segregação racial no país – risos – não se restringiu apenas a Ali Kamel na organização Globo. Em duas oportunidades, o âncora Alexandre Garcia, aquele mesmo ex-porta voz do ditador General João Figueiredo, que agora posa de árduo defensor da liberdade e democracia, cômico se não fosse trágico, atacou a política de cotas.
No ano de 2015 ao comentar sobre o cadastro do Simples Doméstico, um regime unificado de cobrança de todos os impostos referentes aos encargos trabalhistas dos trabalhadores domésticos, Alexandre Garcia teve a desfaçatez de dizer que “O Brasil não era um país Racista, até criarem a política de cotas”.Como?
E no ano passado Alexandre Garcia voltou a destilar seu ódio a política de cotas, que no fim e ao cabo é destilar ódio contra as pessoas negras. E falou que os alunos da UnB – Universidade de Brasília – que entram pela política de cotas, entraram pelas ‘costas’ da universidade, sem ter mérito para estudar lá, e estariam na UnB por meio de um ‘pistolão’. O comentário foi tão desrespeitoso, desonesto, poderíamos dizer criminoso, que resultou em uma carta aberta de um aluno cotista da UnB ao jornalista global.
E nos parece que o Racismo não é só a única forma de opressão que o jornalista Wiilian Waack reproduz. Em duas situações Waack foi machista, uma com a cantora Anitta na abertura dos jogos Olímpicos, tentando ironizar a relação dela com a MPB, sobretudo com Caetano Veloso e Gilberto Gil. E uma outra vez com a jornalista Cristiane Dias, no Jornal da Globo, quando não a cumprimentou e ainda ficou interrompendo a sua fala na cobertura das Olimpíadas.
A Rede Globo ao afastar William Waack de forma alguma está combatendo o Racismo, pois ela mesma é uma das principais difusoras do Racismo na sociedade brasileira.
Na real William Waack é a representação legítima do que são as instituições privadas ou públicas que tem poder político e econômico no Brasil. E parafraseando o livro de Ali Kamel, nós não somos racistas, até o momento que não deixamos que os outros saibam.
* Henrique Oliveira é graduado em História, mestrando em História Social pela UFBA, colaborador da Revista Rever e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia.
O diálogo:
William Waack: “Tá buzinando por que, ô seu merda do cacete? Deve ser um daqueles… Não vou nem falar de quem é, eu sei o que é… Sabe o que, né? Preto, né?” e Sotero pergunta: “Ahn?” e Waack diz: “Preto, né? Sabe o que é isso? É coisa de preto”, Sotero: “Sim”. E conclui o diálogo: “Com certeza”.
Após a repercussão na internet, o jornalista afirmou não se lembrar do que disse, já que ele afirma, que o “áudio não tem clareza”, mas pede sinceras desculpas àqueles que sentiram ultrajados pela situação.
A Rede Globo divulgou uma nota dizendo que é contra o Racismo em todas as suas formas de manifestações, e que estava afastando o apresentador do Jornal da Globo até que a situação seja esclarecida.
Mas será que a Rede Globo realmente é contra qualquer tipo de manifestação Racista? Na novela A Cabana do Pai Tomás que foi exibida há 48 anos, baseada no romance Uncle Tom’s Cabin, de Harriet Beecher Stowe, abordava a luta entre escravos e latifundiários do Sul dos EUA, durante a Guerra de Secessão que colocou em oposição os estados das regiões Norte e Sul do país, culminando no fim da escravidão.
A Globo, no entanto, escolheu o ator Sérgio Cardoso para viver o protagonista Pai Tomás, só que Sérgio Cardoso era um homem branco, e pintava a sua pele com maquiagem para viver um personagem negro. A novela utilizou um recurso chamado Blackface, que surgiu para criar padrões sobre os corpos negros, com o objetivo de ridicularizar a aparência e manter os atores negros distantes dos palcos.
E no caso das novelas brasileiras, que tem a Globo como principal produtora e exportadora da teledramaturgia nacional, os personagens negros ainda aparecem em papeis tradicionais que reforçam estereótipos como o negro que mora em favela, que gosta de samba, atua no núcleo violento da novela, como na criminalidade, e ocupam cargos de porteiros, motoristas ou empregadas domésticas.
O livro “A negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira (2001)” demonstra que os negros estão representados através de estereótipos negativos, existe uma total invisibilidade da ação positiva dos negros, a cultura negra é vista como folclore e não como parte da cultura popular brasileira, o negro é um elemento de diversão para os brancos, e a representação do negro como pobre e favelado está na estrutura rotineira dos noticiários.
A romancista moçambicana Paulina Chiziane esteve no Brasil em 2012 participando da 1ª Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília. Durante a sua fala no seminário Literatura Africana Contemporânea, ela disse que a imagem que se passa do Brasil para Moçambique, é de um país branco ou , no máximo, mestiço. E que o único negro bem sucedido e reconhecido seria o Pelé. Nas telenovelas, um instrumento responsável por representar a imagem do país, as pessoas negras só aparecem em cargos de carregadores ou empregada doméstica, e no topo da representação social estão os brancos.
A atriz Solange Couto participou em 2015 da campanha publicitária #SentiNaPele, que trazia pessoas negras segurando uma lousa para denunciar situações de discriminação em que já passaram. A atriz preferiu denunciar os personagens estereotipados que já interpretou, foram 37 papeis, sendo 25 deles empregadas e escravas, um total de 68% de personagens em estereótipos de subalternidade. O que explica isso se não a sua condição de mulher negra?
E foi somente no ano passado, após 21 anos no ar, que a telenovela Malhação foi protagonizada por uma jovem negra, pela atriz Aline Dias. E mesmo assim, a personagem estava inserida em um contexto de subalternidade na hierarquia social, no início da série a protagonista era faxineira de uma academia. E por que ela não poderia ter sido uma jovem negra, universitária, já que as mulheres são maioria nas universidades? Ela poderia muito ser uma aluna negra, cotista, vivendo a dificuldade de estudar em espaços elitistas, que sempre foram reservados para as pessoas brancas, já que as cotas raciais permitiram uma mudança significativa na composição étnica das universidades brasileiras. Só que a Globo optou pela reprodução estereotipada, mais uma vez.
Em 2012 o programa Zorra Total foi questionado na justiça por telespectadores e ONG’s e foi investigado por Racismo, pela 19ª Promotoria de Investigação Penal do Rio de Janeiro, por causa da personagem Adelaide que era interpretada pelo ator Rodrigo Santana. A personagem representava uma mulher negra, pobre, desdentada, com traços fenotípicos negróides totalmente desproporcionais como o tamanho do nariz, com a intenção de ridicularizar e animalizar a aparência negra.
E em um dos quadros do programa dito humorístico, a personagem disse que durante ‘uma enchente não poderia ficar sem a palha de aço, e que correu atrás para pega la, mas quando percebeu era a o cabelo da filha’.
A Rede Globo sempre lançou mão de uma representatividade branca, é uma das principais instituições propagadoras da Supremacia Branca na mídia. Não podemos nos esquecer principalmente da ‘rainha dos baixinhos’, Xuxa e suas Paquitas – assistentes de palco – que por durante 4 gerações foram formadas por mulheres brancas, loiras e magras, sendo Xuxa também uma mulher branca nesse padrão. E dessa forma ajudou a criar em toda uma geração de meninas, que o modelo estético de beleza era o caucasiano, elemento fundamental da ideologia do embraquecimento no país.
A primeira vez que veio aparecer uma assistente de palco não branca nos programas da Xuxa, foi a Adriana Bombom, mas só apareceu quando a apresentadora já estava no programa ‘Planeta Xuxa’ no final da década de 90, antes já tinham sido transmitidos o Xou da Xuxa, Xuxa Star, Paradão da Xuxa, Programa Xuxa, Xuxa Park e Xuxa Hits, como bem lembra o artigo ‘Xuxa combate ao Racismo e 4 gerações de Paquitas brancas’.
Ali Kamel, atual Diretor Geral de Jornalismo e Esportes da Rede Globo, escreveu um livro publicado no ano de 2006 com o título “Não somos Racistas”, um verdadeiro afronte a qualquer pessoa honesta e que tenha bom senso para analisar as relações sociais no Brasil, uma nação que conviveu com mais de 300 anos de escravidão.
O livro escrito por Ali Kamel, é na verdade mais uma peça ideológica do mito Democracia Racial foi escrito bem no período da implementação da política de cotas raciais no ensino superior público. E para Ali Kamel o Racismo não teria um peso cultural na sociedade brasileira e que a política de cotas raciais dividiria o país (sic), entre brancos e negros. Imagina! E nem contaria com o apoio das instituições privadas e públicas, que nos diga a Polícia Militar, os Hospitais, as empresas que exigiam “boa aparência” para contratar pessoas, o que significava ser branco(a), ou não ter uma estética afro ativa como o cabelo Black Power, por exemplo, nos casos mais brandos de Racismo no mercado de trabalho, entre outros.
E essa avaliação que as cotas raciais é um instrumento que iria iniciar uma política de segregação racial no país – risos – não se restringiu apenas a Ali Kamel na organização Globo. Em duas oportunidades, o âncora Alexandre Garcia, aquele mesmo ex-porta voz do ditador General João Figueiredo, que agora posa de árduo defensor da liberdade e democracia, cômico se não fosse trágico, atacou a política de cotas.
No ano de 2015 ao comentar sobre o cadastro do Simples Doméstico, um regime unificado de cobrança de todos os impostos referentes aos encargos trabalhistas dos trabalhadores domésticos, Alexandre Garcia teve a desfaçatez de dizer que “O Brasil não era um país Racista, até criarem a política de cotas”.Como?
E no ano passado Alexandre Garcia voltou a destilar seu ódio a política de cotas, que no fim e ao cabo é destilar ódio contra as pessoas negras. E falou que os alunos da UnB – Universidade de Brasília – que entram pela política de cotas, entraram pelas ‘costas’ da universidade, sem ter mérito para estudar lá, e estariam na UnB por meio de um ‘pistolão’. O comentário foi tão desrespeitoso, desonesto, poderíamos dizer criminoso, que resultou em uma carta aberta de um aluno cotista da UnB ao jornalista global.
E nos parece que o Racismo não é só a única forma de opressão que o jornalista Wiilian Waack reproduz. Em duas situações Waack foi machista, uma com a cantora Anitta na abertura dos jogos Olímpicos, tentando ironizar a relação dela com a MPB, sobretudo com Caetano Veloso e Gilberto Gil. E uma outra vez com a jornalista Cristiane Dias, no Jornal da Globo, quando não a cumprimentou e ainda ficou interrompendo a sua fala na cobertura das Olimpíadas.
A Rede Globo ao afastar William Waack de forma alguma está combatendo o Racismo, pois ela mesma é uma das principais difusoras do Racismo na sociedade brasileira.
Na real William Waack é a representação legítima do que são as instituições privadas ou públicas que tem poder político e econômico no Brasil. E parafraseando o livro de Ali Kamel, nós não somos racistas, até o momento que não deixamos que os outros saibam.
* Henrique Oliveira é graduado em História, mestrando em História Social pela UFBA, colaborador da Revista Rever e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia.
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