Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:
Em 1936 Franklin D. Roosevelt discursou sobre as ameaças da oligarquia financeira para a sociedade: “Era natural e talvez humano que os príncipes privilegiados dessa nova dinastia econômica, sedentos por poder, tentem alcançar o controle do próprio governo. Eles criaram um novo despotismo e o embrulharam nos vestidos de sanções legais. Em seu serviço, novos mercenários procuraram arregimentar o povo, seu trabalho e sua propriedade”.
Simon Johnson, professor do MIT e economista chefe do FMI entre 2007 e 2008, escreveu em 2009 artigo intitulado “O golpe silencioso”. Segundo o autor, em um sistema político primitivo o poder é transmitido pela violência ou sua ameaça (golpes militares e milícias privadas, por exemplo). Em um sistema menos primitivo, a indústria financeira ganhou poder mediante a acumulação de capital cultural ou sistema de crenças.
Johnson argumenta que, a despeito de sua enorme importância como contribuintes para campanhas políticas, no ápice de sua influência o sistema financeiro não precisou comprar favores da mesma forma que a indústria do tabaco ou bélica. Washington, assim como Brasília, crê que grandes instituições financeiras e a livre mobilidade nos mercados de capitais são cruciais para o bem-estar no mundo.
Um dos canais de influência é a chamada “Porta giratória Estado-mercado ou vice-versa”. Johnson relembra uma reunião no início de 2008, com os principais formuladores de política de diversos países ricos, na qual foi proclamado, para aprovação geral da sala, que a melhor preparação para se tornar presidente de Banco Central seria atuar primeiro em bancos de investimento.
O poder de sedução dos “mercados” estendeu-se até (ou especialmente) os professores de economia e finanças. Historicamente confinados em seus escritórios universitários, os acadêmicos entregam-se às seduções de ideias tão simplórias quanto convencionais, uns na busca de Prêmio Nobel, outros angustiados por uma aparição no Jornal Nacional ou uma figuração entre os opiniosos da GloboNews.
As certezas das teorias fracassadas são um salvo-conduto para consultorias ou participação em instituições financeiras. Em uma sociedade que celebra o ideal de ganhar dinheiro, é fácil inferir que os interesses do sistema financeiro são os mesmos que os do País, e os “vencedores” do setor sabem melhor do que os funcionários públicos de carreira. A fé no mercado financeiro converteu-se em senso comum, alardeada nos jornais e na tevê. Dinheiro, conexões pessoais e ideologia engendraram um poder político que confere ao sistema financeiro o veto sobre políticas públicas.
Instituições hipertrofiadas influenciam desproporcionalmente a política pública e transformam-se em armas financeiras de destruição em massa. O que é grande demais para falhar é grande demais para existir.
Ian Fletcher, autor do livro Free Trade Doesn’t Work, descreve formas mais sutis de cooptação dos economistas. Na faina de conseguir clientes, muitos especialistas devem cultivar a reputação de sempre dizer aquilo que o freguês quer ouvir. “Certas ideias, como o aumento da desigualdade e problemas acarretados pelo livre-comércio devem ser evitadas. Elas não são economicamente corretas.” A mídia, em seus trabalhos de purificação da opinião pública, cuida de retirar tais “excentricidades” de circulação.
A conversa mole de transparência e austeridade encobriu o movimento real das coisas: sob o véu da racionalidade econômica esgueira-se a mão que vai pilhar a aposentadoria dos desavisados. Os gênios da nova finança estão dispostos a utilizar quaisquer métodos para desqualificar as resistências aos seus anseios. Imobilizaram homens e mulheres nas teias do pensamento uniformizado e repetitivo: “Não há alternativa”.
Em entrevista concedida em 22 de dezembro de 2015, Orsola Constantini, economista senior do Institute for New Economic Thinking, expõe como a ideologia dos mercados propõe uma abordagem do orçamento e das finanças públicas camuflada em uma aura técnica e científica, transformada em ferramenta para manipular a opinião pública e servir ao interesse de poderosos.
Políticos e funcionários do governo têm se valido do conceito de orçamento ciclicamente ajustado (CAB) para limitar a disponibilidade de políticas que pareçam viáveis para a comunidade. Gestores públicos podem, dessa forma, evitar o aborrecimento de tomar responsabilidade política por suas escolhas: Nós temos de fazer! O orçamento determina!
Por rádio, televisão e jornal as pessoas são “informadas” que precisam se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia - tudo em nome da ciência econômica. O ajuste transformou-se em uma ferramenta para justificar cortes seletivos.
Até mesmo os termos usados pelos economistas carregam aura de respeito, que desvia atenção e questionamentos, criando barreiras entre o mundo individual e político, minando a participação democrática. Essa obscura teoria valida, com sua autoridade, um grande equívoco econômico que soa como senso comum: a noção de que o orçamento público se assemelha à economia doméstica. Sua casa não coleta impostos e não imprime dinheiro, mas mesmo assim políticos e formuladores reiteram essa máxima, que se presta a oprimir as pessoas comuns.
A nova finança e sua lógica notabilizaram-se por sua capacidade de impor vetos às políticas macroeconômicas. A despeito do desemprego e da desigualdade escandalosa, as ações compensatórias dos governos sofrem fortes resistências das casamatas conservadoras.
A globalização, ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos grupos privilegiados, desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas nas quais prevaleciam os impostos diretos sobre a renda e a riqueza.
A ação do Estado, particularmente sua prerrogativa fiscal, é contestada pelo intenso processo de homogeneização ideológica de celebração do individualismo que se opõe a qualquer interferência no processo de diferenciação da riqueza, da renda e do consumo efetuado através do mercado capitalista.
Os programas de redistribuição de renda, reparação de desequilíbrios regionais e assistência a grupos marginalizados têm encontrado forte resistência dentro das sociedades. Mais um ardil da razão: o novo individualismo construiu sua base social na grande classe média que emergiu da longa prosperidade e das políticas igualitárias que predominaram na era keynesiana.
Simon Johnson, professor do MIT e economista chefe do FMI entre 2007 e 2008, escreveu em 2009 artigo intitulado “O golpe silencioso”. Segundo o autor, em um sistema político primitivo o poder é transmitido pela violência ou sua ameaça (golpes militares e milícias privadas, por exemplo). Em um sistema menos primitivo, a indústria financeira ganhou poder mediante a acumulação de capital cultural ou sistema de crenças.
Johnson argumenta que, a despeito de sua enorme importância como contribuintes para campanhas políticas, no ápice de sua influência o sistema financeiro não precisou comprar favores da mesma forma que a indústria do tabaco ou bélica. Washington, assim como Brasília, crê que grandes instituições financeiras e a livre mobilidade nos mercados de capitais são cruciais para o bem-estar no mundo.
Um dos canais de influência é a chamada “Porta giratória Estado-mercado ou vice-versa”. Johnson relembra uma reunião no início de 2008, com os principais formuladores de política de diversos países ricos, na qual foi proclamado, para aprovação geral da sala, que a melhor preparação para se tornar presidente de Banco Central seria atuar primeiro em bancos de investimento.
O poder de sedução dos “mercados” estendeu-se até (ou especialmente) os professores de economia e finanças. Historicamente confinados em seus escritórios universitários, os acadêmicos entregam-se às seduções de ideias tão simplórias quanto convencionais, uns na busca de Prêmio Nobel, outros angustiados por uma aparição no Jornal Nacional ou uma figuração entre os opiniosos da GloboNews.
As certezas das teorias fracassadas são um salvo-conduto para consultorias ou participação em instituições financeiras. Em uma sociedade que celebra o ideal de ganhar dinheiro, é fácil inferir que os interesses do sistema financeiro são os mesmos que os do País, e os “vencedores” do setor sabem melhor do que os funcionários públicos de carreira. A fé no mercado financeiro converteu-se em senso comum, alardeada nos jornais e na tevê. Dinheiro, conexões pessoais e ideologia engendraram um poder político que confere ao sistema financeiro o veto sobre políticas públicas.
Instituições hipertrofiadas influenciam desproporcionalmente a política pública e transformam-se em armas financeiras de destruição em massa. O que é grande demais para falhar é grande demais para existir.
Ian Fletcher, autor do livro Free Trade Doesn’t Work, descreve formas mais sutis de cooptação dos economistas. Na faina de conseguir clientes, muitos especialistas devem cultivar a reputação de sempre dizer aquilo que o freguês quer ouvir. “Certas ideias, como o aumento da desigualdade e problemas acarretados pelo livre-comércio devem ser evitadas. Elas não são economicamente corretas.” A mídia, em seus trabalhos de purificação da opinião pública, cuida de retirar tais “excentricidades” de circulação.
A conversa mole de transparência e austeridade encobriu o movimento real das coisas: sob o véu da racionalidade econômica esgueira-se a mão que vai pilhar a aposentadoria dos desavisados. Os gênios da nova finança estão dispostos a utilizar quaisquer métodos para desqualificar as resistências aos seus anseios. Imobilizaram homens e mulheres nas teias do pensamento uniformizado e repetitivo: “Não há alternativa”.
Em entrevista concedida em 22 de dezembro de 2015, Orsola Constantini, economista senior do Institute for New Economic Thinking, expõe como a ideologia dos mercados propõe uma abordagem do orçamento e das finanças públicas camuflada em uma aura técnica e científica, transformada em ferramenta para manipular a opinião pública e servir ao interesse de poderosos.
Políticos e funcionários do governo têm se valido do conceito de orçamento ciclicamente ajustado (CAB) para limitar a disponibilidade de políticas que pareçam viáveis para a comunidade. Gestores públicos podem, dessa forma, evitar o aborrecimento de tomar responsabilidade política por suas escolhas: Nós temos de fazer! O orçamento determina!
Por rádio, televisão e jornal as pessoas são “informadas” que precisam se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia - tudo em nome da ciência econômica. O ajuste transformou-se em uma ferramenta para justificar cortes seletivos.
Até mesmo os termos usados pelos economistas carregam aura de respeito, que desvia atenção e questionamentos, criando barreiras entre o mundo individual e político, minando a participação democrática. Essa obscura teoria valida, com sua autoridade, um grande equívoco econômico que soa como senso comum: a noção de que o orçamento público se assemelha à economia doméstica. Sua casa não coleta impostos e não imprime dinheiro, mas mesmo assim políticos e formuladores reiteram essa máxima, que se presta a oprimir as pessoas comuns.
A nova finança e sua lógica notabilizaram-se por sua capacidade de impor vetos às políticas macroeconômicas. A despeito do desemprego e da desigualdade escandalosa, as ações compensatórias dos governos sofrem fortes resistências das casamatas conservadoras.
A globalização, ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos grupos privilegiados, desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas nas quais prevaleciam os impostos diretos sobre a renda e a riqueza.
A ação do Estado, particularmente sua prerrogativa fiscal, é contestada pelo intenso processo de homogeneização ideológica de celebração do individualismo que se opõe a qualquer interferência no processo de diferenciação da riqueza, da renda e do consumo efetuado através do mercado capitalista.
Os programas de redistribuição de renda, reparação de desequilíbrios regionais e assistência a grupos marginalizados têm encontrado forte resistência dentro das sociedades. Mais um ardil da razão: o novo individualismo construiu sua base social na grande classe média que emergiu da longa prosperidade e das políticas igualitárias que predominaram na era keynesiana.
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