Por Emilio Chernavsky, no site Brasil Debate:
A política de preços de derivados de petróleo adotada pela Petrobras desde outubro de 2016 atrelou esses preços às cotações em dólar nos mercados internacionais. Ao fazer isso, a empresa abdicou de sua posição dominante e passou a se comportar como se fosse apenas mais um agente em um mercado competitivo. Os resultados dessa decisão que não tem nada de natural e faz parte de um projeto deliberado de transformação do setor no país foram brutalmente questionados pela recente greve dos caminhoneiros que mostrou, não como pretende o presidente da Câmara de Deputados Rodrigo Maia, que o ‘monopólio da Petrobras não serviu de nada’ [1], mas, ao contrário, que é o funcionamento desregulado de um mercado de derivados competitivo que a empresa tentou replicar que aparentemente não serviu.
Ou seja, é justamente a definição de preços pelo mercado imposta pela política que foi ruidosamente rejeitada. Isso porque ela produziu ao menos dois impactos negativos diretos sobre a população. Em primeiro lugar, levou à introdução no país da volatilidade dos preços internacionais inerente a um mercado que, no exterior, é basicamente não competitivo, sujeito às decisões comerciais de algumas poucas grandes empresas e às ações de Estados soberanos seguindo estratégias de desenvolvimento nacional e considerações geopolíticas. A essa volatilidade importada dos preços em dólar se somou ainda a volatilidade especialmente elevada do dólar em relação ao Real.
A grande variação de um preço-chave como o dos derivados aumenta a incerteza da economia gerando um custo que eleva todos os preços, reduz a competitividade do país e deve ser pago por toda a sociedade. Esse custo é especialmente danoso no Brasil, onde a renda média da população é baixa, elevando a parcela gasta com deslocamentos, o modal rodoviário, mais caro e intensivo em combustíveis fósseis, possui alta participação no transporte, e o valor médio das cargas transportadas é baixo, elevando a parcela do frete no preço das mercadorias, dano que é ainda maior para os mais pobres, que gastam parcela maior de sua renda no consumo.
Em segundo lugar, o repasse das variações das cotações internacionais aos preços internos em um momento em que essas cotações crescem fortemente resultou em um volume excepcional de recursos extraídos dos consumidores de derivados e não retidos pela empresa para investimentos diretamente transferidos na forma de dividendos aos seus acionistas, cerca de 55% deles privados e um terço estrangeiros.
Ou seja, na atual situação, a política de preços da Petrobras reduziu a renda disponível nas mãos do conjunto da população em favor de um grupo limitado e geralmente abastado de investidores.
Prejudicial para a população, essa política ao menos aumentou rapidamente o caixa da Petrobras, agradando os acionistas com horizonte temporal mais restrito. Todavia, em médio e longo prazo ela é também prejudicial para a própria empresa. Isto porque os preços dos derivados por ela definidos não são iguais aos preços internacionais, mas, sim, superiores, pois a eles se somam custos como o de frete interno e externo e taxas portuárias, além de uma margem para remunerar riscos.
Com esses adicionais, a importação de derivados refinados no exterior, em especial nos EUA, feita por distribuidoras de origem nacional e estrangeira instaladas no país, tornou-se frequentemente rentável e levou ao forte aumento da oferta importada, compensado pela queda da produção interna viabilizado com a redução da utilização da capacidade instalada das refinarias da Petrobras.
Estas, ainda, foram em parte colocadas à venda, e poderão reduzir ainda mais sua produção em função das estratégias globais de quem vier a ser sua controladora. A política de preços da Petrobras levou, assim, a empresa a perder participação de mercado em atividades – refino de petróleo e distribuição de combustíveis – de alto valor agregado e cuja rentabilidade e geração de caixa, além de elevadas, são muito menos voláteis que a da pura extração de petróleo na qual ela tem se concentrado e, com isso, contribuem para que a empresa apresente resultados consistentes no tempo.
Ruim para a população, a política de preços da Petrobras é, portanto, ruim também para a própria empresa. Nenhuma organização privada a adotaria, dado que reduz os ganhos a médio e longo prazo para seus controladores. Tampouco nenhuma empresa pública normalmente o faria, pois reduz sua capacidade de conduzir políticas públicas de desenvolvimento nacional e de proteção ao consumidor e às empresas instaladas no país contra a volatilidade dos preços internacionais.
Isso não impediu a Petrobras de adotá-la como elemento chave na busca do objetivo não declarado [2] de eliminar o quase-monopólio da empresa e aumentar a competição no refino e distribuição de derivados no país. Ou seja, longe de ser um resultado inesperado, a queda na participação no mercado provocada pela política de fixação do preço dos derivados acima dos internacionais foi deliberada. Não obstante, dados os elevados custos fixos não recuperáveis e as grandes economias de escala e escopo no setor, dificilmente ela será bem-sucedida em criar um mercado competitivo.
Se não o for, esse mercado será dominado por poucas grandes empresas dividindo lucros extraordinários à custa dos consumidores. Já se for bem-sucedida e um mercado competitivo de fato se estabelecer, a dinâmica atual se manterá e os danos à sociedade causados por preços ocasionalmente muito elevados e altamente voláteis em razão da falta de uma cuidadosa regulação governamental podem se mostrar superiores aos eventuais benefícios da competição, como sugere a greve dos caminhoneiros e o maciço apoio popular que recebeu.
É por isso que a política de preços implantada para promover a todo custo “mais mercado” em um setor estratégico para o funcionamento da economia deve ser urgentemente revista em favor de outra, clara e transparente, que reduza a volatilidade e incorpore os custos de produção na definição dos preços no mercado interno, mantendo o papel da Petrobras como agente central em sua regulação.
Notas
[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/06/crise-provou-que-monopolio-da-petrobras-nao-serviu-de-nada-diz-maia.shtml
[2] Particularmente significativo nesse sentido é o comunicado da nova política de preços da Petrobras em 14/10/2016, elaborado sem a preocupação de incluir nenhuma justificativa da mudança ou descrição dos seus objetivos esperados.
http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/comunicados-e-fatos-relevantes/fato-relevante-diretoria-executiva-aprova-politica-de-precos.
Ou seja, é justamente a definição de preços pelo mercado imposta pela política que foi ruidosamente rejeitada. Isso porque ela produziu ao menos dois impactos negativos diretos sobre a população. Em primeiro lugar, levou à introdução no país da volatilidade dos preços internacionais inerente a um mercado que, no exterior, é basicamente não competitivo, sujeito às decisões comerciais de algumas poucas grandes empresas e às ações de Estados soberanos seguindo estratégias de desenvolvimento nacional e considerações geopolíticas. A essa volatilidade importada dos preços em dólar se somou ainda a volatilidade especialmente elevada do dólar em relação ao Real.
A grande variação de um preço-chave como o dos derivados aumenta a incerteza da economia gerando um custo que eleva todos os preços, reduz a competitividade do país e deve ser pago por toda a sociedade. Esse custo é especialmente danoso no Brasil, onde a renda média da população é baixa, elevando a parcela gasta com deslocamentos, o modal rodoviário, mais caro e intensivo em combustíveis fósseis, possui alta participação no transporte, e o valor médio das cargas transportadas é baixo, elevando a parcela do frete no preço das mercadorias, dano que é ainda maior para os mais pobres, que gastam parcela maior de sua renda no consumo.
Em segundo lugar, o repasse das variações das cotações internacionais aos preços internos em um momento em que essas cotações crescem fortemente resultou em um volume excepcional de recursos extraídos dos consumidores de derivados e não retidos pela empresa para investimentos diretamente transferidos na forma de dividendos aos seus acionistas, cerca de 55% deles privados e um terço estrangeiros.
Ou seja, na atual situação, a política de preços da Petrobras reduziu a renda disponível nas mãos do conjunto da população em favor de um grupo limitado e geralmente abastado de investidores.
Prejudicial para a população, essa política ao menos aumentou rapidamente o caixa da Petrobras, agradando os acionistas com horizonte temporal mais restrito. Todavia, em médio e longo prazo ela é também prejudicial para a própria empresa. Isto porque os preços dos derivados por ela definidos não são iguais aos preços internacionais, mas, sim, superiores, pois a eles se somam custos como o de frete interno e externo e taxas portuárias, além de uma margem para remunerar riscos.
Com esses adicionais, a importação de derivados refinados no exterior, em especial nos EUA, feita por distribuidoras de origem nacional e estrangeira instaladas no país, tornou-se frequentemente rentável e levou ao forte aumento da oferta importada, compensado pela queda da produção interna viabilizado com a redução da utilização da capacidade instalada das refinarias da Petrobras.
Estas, ainda, foram em parte colocadas à venda, e poderão reduzir ainda mais sua produção em função das estratégias globais de quem vier a ser sua controladora. A política de preços da Petrobras levou, assim, a empresa a perder participação de mercado em atividades – refino de petróleo e distribuição de combustíveis – de alto valor agregado e cuja rentabilidade e geração de caixa, além de elevadas, são muito menos voláteis que a da pura extração de petróleo na qual ela tem se concentrado e, com isso, contribuem para que a empresa apresente resultados consistentes no tempo.
Ruim para a população, a política de preços da Petrobras é, portanto, ruim também para a própria empresa. Nenhuma organização privada a adotaria, dado que reduz os ganhos a médio e longo prazo para seus controladores. Tampouco nenhuma empresa pública normalmente o faria, pois reduz sua capacidade de conduzir políticas públicas de desenvolvimento nacional e de proteção ao consumidor e às empresas instaladas no país contra a volatilidade dos preços internacionais.
Isso não impediu a Petrobras de adotá-la como elemento chave na busca do objetivo não declarado [2] de eliminar o quase-monopólio da empresa e aumentar a competição no refino e distribuição de derivados no país. Ou seja, longe de ser um resultado inesperado, a queda na participação no mercado provocada pela política de fixação do preço dos derivados acima dos internacionais foi deliberada. Não obstante, dados os elevados custos fixos não recuperáveis e as grandes economias de escala e escopo no setor, dificilmente ela será bem-sucedida em criar um mercado competitivo.
Se não o for, esse mercado será dominado por poucas grandes empresas dividindo lucros extraordinários à custa dos consumidores. Já se for bem-sucedida e um mercado competitivo de fato se estabelecer, a dinâmica atual se manterá e os danos à sociedade causados por preços ocasionalmente muito elevados e altamente voláteis em razão da falta de uma cuidadosa regulação governamental podem se mostrar superiores aos eventuais benefícios da competição, como sugere a greve dos caminhoneiros e o maciço apoio popular que recebeu.
É por isso que a política de preços implantada para promover a todo custo “mais mercado” em um setor estratégico para o funcionamento da economia deve ser urgentemente revista em favor de outra, clara e transparente, que reduza a volatilidade e incorpore os custos de produção na definição dos preços no mercado interno, mantendo o papel da Petrobras como agente central em sua regulação.
Notas
[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/06/crise-provou-que-monopolio-da-petrobras-nao-serviu-de-nada-diz-maia.shtml
[2] Particularmente significativo nesse sentido é o comunicado da nova política de preços da Petrobras em 14/10/2016, elaborado sem a preocupação de incluir nenhuma justificativa da mudança ou descrição dos seus objetivos esperados.
http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/comunicados-e-fatos-relevantes/fato-relevante-diretoria-executiva-aprova-politica-de-precos.
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