sexta-feira, 22 de junho de 2018

Temer tira dinheiro do esporte e da cultura

Por Eliana Alves Cruz, no site The Intercept-Brasil:

Diz a lenda que, em plena Segunda Guerra, quando foi aventada a possibilidade de redução dos investimentos em cultura para que fossem reforçadas as finanças militares, o estadista inglês Winston Churchill deu uma resposta mítica: “Evidentemente que não! Então para que serve estarmos nesta guerra?”

Em 12 de junho, o presidente Michel Temer assinou a medida provisória 841, que discorre sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública e o destino dos montantes arrecadados com as loterias. Quando for implementada, a medida praticamente vai paralisar os Ministérios da Cultura e do Esporte, que também recebem recursos vindos das loterias, pois os cortes afetarão atividades, programas de desenvolvimento, fomento e, no caso do esporte, apoio no alto rendimento e na base. O Brasil de 2018 surge como uma nação que navega em um mar revolto de medidas pontuais, evidenciando uma ausência de projetos… Inclusive para a segurança pública. A ver.

O Rio está sob intervenção federal na segurança há quatro meses. A guerra travada nas comunidades segue fazendo vítimas fatais em ritmo acelerado. O menino Marcos Vinícius da Silva, 14 anos, até o momento em que escrevo este texto é o jovem morto mais recente noticiado pela imprensa, alvo de uma bala na barriga, em tiroteio que tirou a vida de outras seis pessoas na favela da Maré.
Digo que é o “jovem morto mais recente noticiado” porque existem inúmeros outros que não ocupam as páginas de sites e blogs. A cada 23 minutos um jovem negro é morto no país, segundo o Mapa da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Até terminar de escrever, teremos mais corpos jovens para a estatística. Mas o que tudo isso tem a ver com a MP 841?

Desde as primeiras horas do governo Temer, a cultura está na alça de mira. A ameaça de extinção do Ministério da Cultura levou às ruas artistas e produtores culturais de todas as linhas, de norte a sul do país. A pasta se manteve em grande parte devido a mobilização do segmento. O fato curioso é que no polo oposto, no setor esportivo, muitos apoiaram todos os passos dos novos mandatários da nação, como se o vento que soprava de um lado jamais pudesse se virar para o outro.

A miopia que não enxerga a cultura como um (se não o mais) poderoso instrumento para combate aos altíssimos índices de violência é a mesma que não enxerga que o esporte promove qualidade de vida, inclusão e afasta a juventude do que a sociedade mais teme: o crime. Sem contar da ligação inequívoca desses dois setores, cultura e esporte, com a educação.

Durante a Copa no Brasil, em 2014, a especialista em educação do Banco Mundial Martha Laverde falou sobre o papel do esporte, no caso o futebol, na redução da violência: “…tem grandes vantagens se usado como ferramenta para desenvolver nas crianças e nos jovens as competências que lhes permitirão resolver os conflitos de maneira pacífica. Não é o jogo pelo jogo, é preciso uma intencionalidade e é isso o que estão fazendo tantas organizações pelo mundo ao utilizar o futebol como um meio para desenvolver uma cultura de paz”.

Enquanto pelo mundo usam e abusam do esporte para combater a violência, promover qualidade de vida, inclusão e diminuir a evasão escolar, por aqui os números (sempre eles) deixam a mostra um país duro para quem hoje é criança ou adolescente e apontam um futuro nada promissor para a maioria.

Segundo pesquisa do Banco Mundial, um em cada quatro brasileiros entre 15 e 17 anos abandona os estudos anualmente. E de acordo com estudo do próprio governo brasileiro em parceria com a Unicef, se nada for feito em 300 municípios com mais de 100 mil habitantes, 43 mil adolescentes poderão morrer assassinados entre 2015 e 2021. Por que destaco sempre o jovem negro? Porque jovens homens negros, segundo o estudo citado e vários outros, têm 2,88 vezes mais chances de morrer por arma de fogo do que os jovens brancos.

Os dados aqui apresentados são poucos entre os muitos exemplos que revelam o quão equivocada é uma política pública de segurança que prevê aumento de recursos para o setor de segurança tirando recursos do esporte e da cultura como se esporte e cultura não fossem instrumentos para prevenir a violência. Segundo especialistas da Unicef e do Banco Mundial, a falta de perspectivas jogam a juventude brasileira nos abismos da baixa instrução e nos caminhos do crime organizado. Mesmo assim, o governo cogita cortar recursos do segmento cultural, que representa apenas 2,64% do PIB.
Jovens homens negros têm 2,88 vezes mais chances de morrer por arma de fogo do que os jovens brancos.

Em nota, o Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, complementou: “A cultura já faz muito e pode fazer ainda mais pela superação da barbárie cotidiana em nossas cidades. Trata-se de uma poderosa arma contra a criminalidade e a violência, por seu elevado potencial de geração de renda, emprego, identidade e pertencimento. Reduzir os recursos da política cultural é na verdade um incentivo à criminalidade, não o aposto”.

Diante da iminência de verem por água abaixo todos os principais programas esportivos como Bolsa Atleta, Bolsa Pódio, Segundo Tempo e o Programa Esporte e Lazer da Cidade, os altos gerentes esportivos se manifestaram contrários à MP divulgada no dia dos namorados.

O presidente do Comitê de Atletas do Comitê Olímpico Brasileiro, o ex-judoca e medalhista olímpico Thiago Camilo, ressaltou: “…com uma criança praticando esporte, você está investindo na sociedade. Temos que ver os mecanismos para que isso seja revertido, para que a gente continue desenvolvendo esporte e tendo, a médio e longo prazo, um país mais igual e que as crianças não sintam esse golpe”. O golpe a que Camilo se refere é o dos efeitos da MP 841. No entanto, golpes sempre deixam sequelas. Algumas irreversíveis.

A indagação de Churchill formulada na primeira metade do século 20 e que abre este texto cabe à perfeição para o Brasil de hoje: “Para que serve estarmos nesta guerra?”

Marcos Vinícius da Silva, presente!

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