Por Tatiana Carlotti, no site Carta Maior:
“Poder e Comércio: a política comercial dos Estados Unidos” acaba de ser lançada pela editora Unesp, uma obra de fôlego realizada pelos professores Filipe Mendonça, Thiago Lima e Tullo Vigevani, pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu).
Abordando a política comercial norte-americana ao longo do último século, em particular no pós-Guerra, a pesquisa se debruça sobre as instituições responsáveis pela formulação e execução dessas políticas, trazendo o contexto de sua elaboração e implementação.
O resultado é uma abrangente visão da política comercial norte-americana e dos aspectos sociais, econômicos, políticos, históricos, entre outros, que levaram a acordos e tratados que determinaram a economia internacional, na medida em que os Estados Unidos detêm, inegavelmente, imenso peso na política internacional.
Em entrevista à Carta Maior, Tullo Vigevani, pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e do INCT-Ineu e professor aposentado da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp conta sobre a pesquisa.
Como surgiu a ideia do livro?
Esse livro é resultado de um trabalho de longa duração. Costumo brincar que ele começou há mais de trinta anos, quando as relações internacionais foram incluídas na linha de pesquisa do Cedec, em 1989. Esse livro foi escrito por três autores – Filipe Mendonça, Thiago Lima e eu –, nós procuramos compreender, de forma sistemática, algumas questões que surgiram em várias de nossas pesquisas individuais.
A política de comércio dos Estados Unidos é extremamente importante para o mundo. Utilizamos, inclusive, a expressão “poder solar” porque o poder norte-americano é extremamente forte e absolutamente assimétrico. Na Conferência de Havana (1947-1948), quando se tentou criar a Organização Internacional de Comércio, sozinhos os Estados Unidos representavam quase 50% da economia mundial. Apenas um país. Esse poder vem se atenuando. Hoje a economia norte-americana representa aproximadamente 20% do PIB mundial.
Apesar desse declínio, acentuado pelo crescimento da China nos últimos vinte anos, os Estados Unidos detêm um papel central na economia internacional: eles não apenas influenciam o que será discutido, como têm parcial capacidade de condicionamento da economia internacional. Qualquer ação norte-americana tem repercussões internacionais fortes.
A ação dos outros países, por mais importantes que seja, tem menor incidência no sistema internacional. Inclusive quando um país busca defender seus interesses, ele o faz em alguma medida em adesão ou em oposição ao sistema norte-americano. Os Estados Unidos são referência para o sistema internacional do ponto de vista comercial e econômico e, também, científico e tecnológico, cultural, militar e estratégico.
Por que o foco nas instituições de política comercial?
O livro pretende entender o funcionamento das instituições norte-americanas e quais os interesses que se articulam dentro daquela sociedade. Nós discutimos não apenas a política comercial, mas as razões dessas formulações e os interesses que se modificam na sociedade norte-americana, por exemplo, dos empresários, das empresas de tecnologia, do movimento sindical, dos trabalhadores.
O fio da meada está nas instituições da política de comércio exterior e para explica-las, precisamos entender os interesses e conflitos da sociedade norte-americana. Por exemplo, quais são os interesses regionais que estão por trás da política externa agrícola dos Estados Unidos; como se dão as relações entre poder Executivo (administração central) e o Parlamento (o Congresso), o presidente e as demais instituições, o papel das forças partidárias.
Como isso incide na política comercial?
Considerando o período pós-Guerra, o Partido Democrata foi mais protecionista em sua política comercial, refletindo as necessidades de setores sociais mais sensíveis ao comércio internacional, inclusive os trabalhadores e sindicatos, porque a política comercial pode, por exemplo, destruir ou criar empregos; gerar cargos mais ou menos qualificados.
O Partido Democrata vinha sendo mais protecionista e o Partido Republicano mais liberal em termos de comércio internacional. Talvez estejamos assistindo à alteração desse processo. Hoje quem se apresenta protecionista é o Partido Republicano em nova configuração sob a liderança de Trump; e o Partido Democrata surge como defensor de interesses liberais: liberação comercial, globalização, defesa de determinados setores, em geral, grandes empresas favoráveis a esse processo como as empresas tecnológicas.
As empresas tecnológicas deram grande suporte à negociação do Tratado Transpacífico (TPP, Trans-Pacific Partnership) durante o governo Obama; e tentaram emplacar o Tratado Transatlântico que está com a negociação parada. Ninguém consegue prever se isso será retomado ou não porque o padrão negociador está se modificando, sobretudo diante das questões levantadas pela sociedade norte-americana a respeito da distribuição assimétrica dos benefícios da globalização.
A globalização favoreceu os Estados Unidos, tanto que eles foram a ponta de lança desse processo, mas setores não beneficiados pela globalização conseguiram interferir e estimular outras políticas. Agora, a administração Trump parece a ponta de lança de restrições à globalização. Ao menos até aqui, não se trata da busca de abandonar o sistema liberal de comércio, mas de utilizar o poder de barganha para conseguir concessões. No livro mostramos como isso aconteceu no passado, sobretudo quando analisamos o conceito de “fair trade”, especialmente desenvolvido no segundo mandato Ronald Reagan.
Você encontra setores contra a globalização em vários lugares, como no Reino Unido, na Itália e nos Estados Unidos; no Partido Republicano e, também, no Partido Democrata, a candidatura Sanders expressava essa posição. Ela tem colorações políticas e sociais extremamente distintas e mostra como é desigual a distribuição dos benefícios da globalização.
Embora nosso livro não se centre na política comercial atual, há várias referências sobre o que está acontecendo na parte final do livro. O que apresentamos é uma investigação sobre a construção das leis de comércio dos Estados Unidos. O livro ajuda a compreender, neste sentido, o que estamos vivendo agora. Aliás, diria, oferece as bases para a interpretação não conjuntural do que acontece atualmente na administração Trump.
E a questão do protecionismo?
A discussão do protecionismo é uma discussão dura. Na linguagem desenvolvida nos Estados Unidos para o sistema internacional de comércio chama-se fair trade o comércio leal e unfair trade o desleal. Essa linguagem surge no período Reagan e, em alguma medida, é semelhante à discussão trazida por Trump agora. Provavelmente, mas não necessariamente, isso levará a novos protecionismos. O que se vê hoje é a utilização do poder norte-americano, ainda muito forte, em busca de negociações favoráveis aos interesses desse país.
A distribuição assimétrica dos benefícios da globalização prejudicou fortemente setores da economia norte-americana, como as indústrias mais tradicionais, a agricultura do Meio-Oeste, o setor metal mecânico e siderúrgico. Trump argumenta que está reordenando o sistema para protegê-los. As grandes empresas, por sua vez, estão buscando se adaptar a este momento, de modo a relançar discussões tradicionais da globalização em novos patamares, melhorando as condições norte-americanas.
As expressões disso começam a surgir, por exemplo, na negociação do TTP. Logo depois da posse, Trump enviou uma mensagem ao Congresso pedindo a retirada da pauta da ratificação do TTP, ainda em janeiro de 2017. Agora, volta a discussão sobre reabrir a negociação em novos termos. Esse é um processo que temos de acompanhar. O mesmo vale para o NAFTA, mas é cedo para dizer qual será a tendência.
O livro mostra como se dão esses movimentos. Não se trata de apresentar fórmulas nem propostas de curto prazo, mas de compreender como funciona essa política.
Em tempo: “Poder e Comércio: a política comercial dos Estados Unidos” pode ser adquirida neste link.
“Poder e Comércio: a política comercial dos Estados Unidos” acaba de ser lançada pela editora Unesp, uma obra de fôlego realizada pelos professores Filipe Mendonça, Thiago Lima e Tullo Vigevani, pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu).
Abordando a política comercial norte-americana ao longo do último século, em particular no pós-Guerra, a pesquisa se debruça sobre as instituições responsáveis pela formulação e execução dessas políticas, trazendo o contexto de sua elaboração e implementação.
O resultado é uma abrangente visão da política comercial norte-americana e dos aspectos sociais, econômicos, políticos, históricos, entre outros, que levaram a acordos e tratados que determinaram a economia internacional, na medida em que os Estados Unidos detêm, inegavelmente, imenso peso na política internacional.
Em entrevista à Carta Maior, Tullo Vigevani, pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e do INCT-Ineu e professor aposentado da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp conta sobre a pesquisa.
Como surgiu a ideia do livro?
Esse livro é resultado de um trabalho de longa duração. Costumo brincar que ele começou há mais de trinta anos, quando as relações internacionais foram incluídas na linha de pesquisa do Cedec, em 1989. Esse livro foi escrito por três autores – Filipe Mendonça, Thiago Lima e eu –, nós procuramos compreender, de forma sistemática, algumas questões que surgiram em várias de nossas pesquisas individuais.
A política de comércio dos Estados Unidos é extremamente importante para o mundo. Utilizamos, inclusive, a expressão “poder solar” porque o poder norte-americano é extremamente forte e absolutamente assimétrico. Na Conferência de Havana (1947-1948), quando se tentou criar a Organização Internacional de Comércio, sozinhos os Estados Unidos representavam quase 50% da economia mundial. Apenas um país. Esse poder vem se atenuando. Hoje a economia norte-americana representa aproximadamente 20% do PIB mundial.
Apesar desse declínio, acentuado pelo crescimento da China nos últimos vinte anos, os Estados Unidos detêm um papel central na economia internacional: eles não apenas influenciam o que será discutido, como têm parcial capacidade de condicionamento da economia internacional. Qualquer ação norte-americana tem repercussões internacionais fortes.
A ação dos outros países, por mais importantes que seja, tem menor incidência no sistema internacional. Inclusive quando um país busca defender seus interesses, ele o faz em alguma medida em adesão ou em oposição ao sistema norte-americano. Os Estados Unidos são referência para o sistema internacional do ponto de vista comercial e econômico e, também, científico e tecnológico, cultural, militar e estratégico.
Por que o foco nas instituições de política comercial?
O livro pretende entender o funcionamento das instituições norte-americanas e quais os interesses que se articulam dentro daquela sociedade. Nós discutimos não apenas a política comercial, mas as razões dessas formulações e os interesses que se modificam na sociedade norte-americana, por exemplo, dos empresários, das empresas de tecnologia, do movimento sindical, dos trabalhadores.
O fio da meada está nas instituições da política de comércio exterior e para explica-las, precisamos entender os interesses e conflitos da sociedade norte-americana. Por exemplo, quais são os interesses regionais que estão por trás da política externa agrícola dos Estados Unidos; como se dão as relações entre poder Executivo (administração central) e o Parlamento (o Congresso), o presidente e as demais instituições, o papel das forças partidárias.
Como isso incide na política comercial?
Considerando o período pós-Guerra, o Partido Democrata foi mais protecionista em sua política comercial, refletindo as necessidades de setores sociais mais sensíveis ao comércio internacional, inclusive os trabalhadores e sindicatos, porque a política comercial pode, por exemplo, destruir ou criar empregos; gerar cargos mais ou menos qualificados.
O Partido Democrata vinha sendo mais protecionista e o Partido Republicano mais liberal em termos de comércio internacional. Talvez estejamos assistindo à alteração desse processo. Hoje quem se apresenta protecionista é o Partido Republicano em nova configuração sob a liderança de Trump; e o Partido Democrata surge como defensor de interesses liberais: liberação comercial, globalização, defesa de determinados setores, em geral, grandes empresas favoráveis a esse processo como as empresas tecnológicas.
As empresas tecnológicas deram grande suporte à negociação do Tratado Transpacífico (TPP, Trans-Pacific Partnership) durante o governo Obama; e tentaram emplacar o Tratado Transatlântico que está com a negociação parada. Ninguém consegue prever se isso será retomado ou não porque o padrão negociador está se modificando, sobretudo diante das questões levantadas pela sociedade norte-americana a respeito da distribuição assimétrica dos benefícios da globalização.
A globalização favoreceu os Estados Unidos, tanto que eles foram a ponta de lança desse processo, mas setores não beneficiados pela globalização conseguiram interferir e estimular outras políticas. Agora, a administração Trump parece a ponta de lança de restrições à globalização. Ao menos até aqui, não se trata da busca de abandonar o sistema liberal de comércio, mas de utilizar o poder de barganha para conseguir concessões. No livro mostramos como isso aconteceu no passado, sobretudo quando analisamos o conceito de “fair trade”, especialmente desenvolvido no segundo mandato Ronald Reagan.
Você encontra setores contra a globalização em vários lugares, como no Reino Unido, na Itália e nos Estados Unidos; no Partido Republicano e, também, no Partido Democrata, a candidatura Sanders expressava essa posição. Ela tem colorações políticas e sociais extremamente distintas e mostra como é desigual a distribuição dos benefícios da globalização.
Embora nosso livro não se centre na política comercial atual, há várias referências sobre o que está acontecendo na parte final do livro. O que apresentamos é uma investigação sobre a construção das leis de comércio dos Estados Unidos. O livro ajuda a compreender, neste sentido, o que estamos vivendo agora. Aliás, diria, oferece as bases para a interpretação não conjuntural do que acontece atualmente na administração Trump.
E a questão do protecionismo?
A discussão do protecionismo é uma discussão dura. Na linguagem desenvolvida nos Estados Unidos para o sistema internacional de comércio chama-se fair trade o comércio leal e unfair trade o desleal. Essa linguagem surge no período Reagan e, em alguma medida, é semelhante à discussão trazida por Trump agora. Provavelmente, mas não necessariamente, isso levará a novos protecionismos. O que se vê hoje é a utilização do poder norte-americano, ainda muito forte, em busca de negociações favoráveis aos interesses desse país.
A distribuição assimétrica dos benefícios da globalização prejudicou fortemente setores da economia norte-americana, como as indústrias mais tradicionais, a agricultura do Meio-Oeste, o setor metal mecânico e siderúrgico. Trump argumenta que está reordenando o sistema para protegê-los. As grandes empresas, por sua vez, estão buscando se adaptar a este momento, de modo a relançar discussões tradicionais da globalização em novos patamares, melhorando as condições norte-americanas.
As expressões disso começam a surgir, por exemplo, na negociação do TTP. Logo depois da posse, Trump enviou uma mensagem ao Congresso pedindo a retirada da pauta da ratificação do TTP, ainda em janeiro de 2017. Agora, volta a discussão sobre reabrir a negociação em novos termos. Esse é um processo que temos de acompanhar. O mesmo vale para o NAFTA, mas é cedo para dizer qual será a tendência.
O livro mostra como se dão esses movimentos. Não se trata de apresentar fórmulas nem propostas de curto prazo, mas de compreender como funciona essa política.
Em tempo: “Poder e Comércio: a política comercial dos Estados Unidos” pode ser adquirida neste link.
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