Por Liszt Vieira, no site Carta Maior:
Artigo 1º da Constituição Neoliberal do Brasil, em vigor:
Todo poder emana do mercado e em seu nome será exercido.
Como o governo não tem plano nem projeto, a não ser atender os interesses dos EUA, e acatar as demandas do mercado, começa a submergir em meio aos escombros de suas contradições. O recente conflito na Petrobras é esclarecedor.
Segundo foi divulgado, o total dos recursos da Petrobras recuperados pela Lava Jato eleva-se a R$ 2,5 bilhões. Com a decisão de Bolsonaro de não aumentar o preço do diesel, temendo a greve dos caminhoneiros, a Petrobras perdeu na Bolsa em um dia o valor de R$ 32 bilhões, mais de 12 vezes o que foi recuperado. Mas o ministro Guedes deu a volta por cima: manteve o aumento no preço do diesel, agora de 4,84% em vez dos 5,7% anunciados anteriormente. Por enquanto, saiu vitorioso.
Mas segue o desfile de imbecilidades: na posse do novo Ministro da Educação, Bolsonaro afirmou o seguinte: “Queremos uma garotada que não se interesse por política”.
Na Grécia antiga, aqueles que não se interessavam por política, pela administração da polis, da coisa pública, eram chamados de idiotas. A palavra idiota vem do grego idiotes e significa próprio, pessoal, privativo. Ou seja, um presidente idiota, no sentido moderno da palavra – ignorante, estúpido - propõe que os jovens sejam todos idiotas, no sentido grego do termo.
Em outra declaração estapafúrdia, o presidente anunciou que o Brasil passou a votar na ONU segundo a Bíblia. Ele se referia à defesa dos interesses expansionistas de Israel em territórios palestinos protegidos por decisões da ONU que sempre contaram com o apoio do Brasil e da maioria dos países. Essa declaração tem uma importância histórica: rompe a separação constitucional entre Estado e Religião, conquista da Modernidade após séculos de dominação política da Igreja misturada ao Estado.
A ofensiva conservadora de parlamentares cristãos a serviço das igrejas pentecostais, protestantes e católicas já se fazia sentir nas decisões sobre costumes. Desfecharam ataque permanente aos valores laicos que defendem os direitos das mulheres e LGBT, sob a acusação de “ideologia de gênero” e “kit gay”. Um dos alvos preferidos do ataque é o direito de a mulher dispor do próprio corpo que continua criminalizado em caso de aborto. Além disso, atacam todos os direitos ligados a reivindicações de identidade.
A afirmação de que a política externa do Brasil se baseia na Bíblia afronta o caráter republicano laico previsto na Constituição. Só isso já seria motivo legal para impeachment. Se nada for feito, o Brasil avançará na repressão cultural e até física de todos aqueles que não comungarem do fundamentalismo religioso de Bolsonaro e seus ministros.
Se não forem combatidos com veemência, inclusive no Judiciário, os valores medievais que embasam as decisões do Presidente acabarão por reprimir os democratas que ousarem divergir, considerados hereges, pagãos e infiéis. E sabemos todos como a Idade Média tratava os hereges, pagãos e infiéis.
O historiador militar prussiano Carl von Clausewitz dizia que a guerra é a continuação da política por outros meios. Para Bolsonaro, entretanto, a política é guerra. Ele trata os que pensam diferente como inimigos de guerra, ou seja, devem ser exterminados. Por isso, o governo fala em guerra cultural.
Há os que criticam o fato de a oposição se limitar a atacar as boçalidades do presidente e seus ministros, numa posição reativa, sem avançar propostas de políticas públicas. Essa crítica tem fundamento, mas não se pode ignorar sem rebater os disparates e sandices alardeados pelo Governo. É necessário defender as verdades científicas do ataque irracional das hordas bolsonaristas.
Por exemplo, negar o aquecimento global e as mudanças climáticas é negar a ciência, o que é compreensível para um Governo que diz basear-se apenas na Bíblia. Vejamos, em rápido parênteses, o que diz a ciência sobre esse tema.
O Laboratório de Impacto Climático (Climate modelling by Climate Impact Lab) calculou o aumento de temperatura para todas as grandes cidades do mundo. Na cidade do Rio de Janeiro e tomando o ano de 1960 como exemplo, havia 50 dias no ano com temperatura de 32º C ou mais. Hoje, temos 89 dias no ano com 32º ou mais. Em 2040, a projeção é de 108 dias em média, entre 99 e 133 dias. E no fim do século, a previsão dos dias com temperatura igual ou superior a 32º fica entre 118 e 187 dias.
Na cidade de São Paulo, no ano de 1960 tivemos 13 dias com temperatura a 32º C ou mais. Hoje, temos 25 dias e no fim do século serão em média 52 dias, situando-se a previsão entre 37 e 115 dias.
Esses dados ajudam a explicar o que mudou em termos de intensidade e frequência das chuvas nessas cidades. Em todo o mundo, aliás, foi constatado que altas temperaturas aumentam o risco de doenças e morte, especialmente entre idosos, crianças e pessoas com doenças crônicas. As populações de baixa renda sofrem mais os impactos do calor extremo.
A alta temperatura afeta a produção de alimentos, reduzindo as colheitas, e agrava a seca e os incêndios em certas regiões. Cynthia Rosenzweig, do Grupo de Impactos Climáticos da NASA, afirmou que “alimentos, água, energia, transporte e ecossistemas serão afetados nas cidades e no campo. As temperaturas mais elevadas terão efeito prejudicial na saúde dos mais vulneráveis (New York Times/Climate).
Todas essas evidências científicas vêm sendo negadas sistematicamente por uma política deliberada de espalhar fake news. Mentiras vergonhosas e sensacionais, como “nazismo é de esquerda, a universidade não pesquisa, o aquecimento global é invenção do marxismo cultural, a terra é plana” capturam a atenção da mídia e da oposição. É uma comunicação irracional, maniqueísta que utiliza a mentira como arma de guerra cultural, no velho estilo nazista.
Enquanto isso, o presidente e seus ministros fazem o trabalho sujo de destruição do Estado. Destruíram a política externa independente, desmoralizando o Itamaraty, bem como os órgãos de proteção ambiental, esvaziando o Ministério do Meio Ambiente, hoje a serviço do agronegócio, da mineração, da exploração econômica predatória. O Ministério da Educação é um deserto de ideias e ações, a cultura vem sendo bombardeada com retirada de apoios institucionais, a agricultura tornou-se o paraíso dos pesticidas e agrotóxicos, muitos deles proibidos na Europa e liberados aqui.
A pesquisa do IBOPE de 24/4/2019 confirma a pior avaliação para o início de um governo eleito. Os que avaliavam o governo ótimo ou bom caíram de 49% em janeiro último para 35% em abril. A avaliação ruim ou péssimo passou de 11% em janeiro para 27% em abril.
Bolsonaro disse há pouco tempo que veio para destruir. E com isso abre caminho para a privatização de instituições e empresas estatais a preço de banana. Ele próprio já disse “estar mudando de opinião a respeito da privatização da Petrobras”. Aos poucos, o mercado vai predominando e impondo seus interesses, e não apenas pela reforma da Previdência. Ao não tributar os acionistas do Itaú, Bradesco e Santander, por exemplo, o Brasil perde R$ 4,6 bilhões. Esse valor se refere ao que a União receberia se aplicasse aos 37 bilhões de dividendos a mesma alíquota que cobra do trabalhador assalariado (RBA, 8/2/2019).
A democracia representativa entrou em crise em vários países do mundo porque foi incapaz de levar benefícios às massas marginalizadas. Descrentes da democracia, esses setores empobrecidos da população, inclusive segmentos expressivos da classe média, passaram a descrer da democracia e tornaram-se presas fáceis do populismo de direita que acena com um regime forte, uma ditadura, que vai “varrer” os políticos e a corrupção. Junto com a retórica moralista e punitivista vem o veneno do neoliberalismo que transfere renda dos pobres para os ricos.
Levará algum tempo para perceberem que eles são os mais prejudicados com o regime de exceção que já opera no país. Se a política externa hoje é o alinhamento automático com os interesses dos EUA e do governo Trump, a política interna, já em curso, visa à destruição do Estado e dos programas sociais nas áreas de educação, saúde, cultura, meio ambiente, habitação, crédito, direitos humanos.
Por meio de um editorial intitulado "A promessa e os perigos do Brasil de Bolsonaro", o jornal britânico Financial Times ressaltou que "os tuítes e pronunciamentos de Bolsonaro arriscam criar a impressão de que o Brasil é agora dirigido por um maníaco que ataca gays, odeia árvores e ama as armas, que é nostálgico dos dias de ditadura militar". Apesar das críticas, o FT pede que o mercado financeiro ajude a defender o neoliberalismo da equipe econômica e o projeto de reforma da Previdência elaborado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
O comediante Volodymyr Zelenskiy ganhou facilmente as eleições na Ucrânia, na esteira daquele comediante italiano Beppe Grillo, um dos líderes do Movimento 5 Estrelas que governa hoje a Itália em aliança com a extrema direita. O que existe em comum com a eleição de Bolsonaro é a rejeição do sistema de democracia representativa. A maioria da população prefere votar em “outsiders”, gente de fora do sistema, já que esse sistema está sendo rejeitado. Em geral, trata-se de demagogos, populistas de direita que são “contra tudo o que está aí” e não são a favor de nada. Uma vez no poder, tornam-se presas fáceis dos banqueiros e dos grandes empresários.
Isso mostra que a crise da democracia representativa está sendo capitalizada politicamente pela extrema direita. A esquerda não apresentou um projeto político alternativo que pudesse entusiasmar a maioria da população marginalizada, continua atônita com o retrocesso brutal do país, em todos os domínios, e trava uma batalha defensiva em favor das instituições e direitos que estão sendo destruídos. A extrema direita no poder se enfraquece a cada dia, mas isso ocorre mais pelas suas contradições internas, pelos conflitos entre seus diversos grupos de apoio, do que por uma ofensiva da oposição.
A oposição vem atacando mais o Governo pelo lado econômico – a reforma da Previdência – que mexe com o bolso da população, do que pelo seu “elo mais fraco”, os ministros pré-científicos de relações exteriores, educação, meio ambiente, direitos humanos, e a área de cultura, que tocam o simbólico, muitas vezes mais importante do que o econômico.
O Governo é uma nau sem rumo. Mas o projeto neoliberal tenta atravessar o pantanal das contradições e conflitos institucionais no interior do aparelho de Estado como, por exemplo, “olavistas” x militares, Ministério Público x STF, Carlos Bolsonaro x Mourão. Se conseguir aprovar a reforma da Previdência, Bolsonaro terá uma sobrevida com o apoio do mercado que ignora a destruição da educação, cultura, meio ambiente, política externa independente, diversidade, direitos humanos etc. Caso contrário, rapidamente tornar-se-á um “lame duck”, pato manco na gíria política norte americana, referindo-se ao Presidente em fim de mandato, já eleito o sucessor.
Neste caso, o mercado e a mídia passariam a achar muito grave o que hoje preferem ignorar: o apoio direto do presidente e seus filhos aos criminosos das milícias no Rio de Janeiro que, entre muitos outros crimes, assassinaram a juíza Patrícia Acioli, a vereadora Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes, e avançam no controle territorial de muitos bairros no Rio de Janeiro, onde já se comportam como um Estado paralelo. Ou seja, sem o apoio do mercado e da mídia, Bolsonaro não duraria muito. Lame duck não tem vida longa.
* Liszt Vieira é professor aposentado da PUC-Rio.
Artigo 1º da Constituição Neoliberal do Brasil, em vigor:
Todo poder emana do mercado e em seu nome será exercido.
Como o governo não tem plano nem projeto, a não ser atender os interesses dos EUA, e acatar as demandas do mercado, começa a submergir em meio aos escombros de suas contradições. O recente conflito na Petrobras é esclarecedor.
Segundo foi divulgado, o total dos recursos da Petrobras recuperados pela Lava Jato eleva-se a R$ 2,5 bilhões. Com a decisão de Bolsonaro de não aumentar o preço do diesel, temendo a greve dos caminhoneiros, a Petrobras perdeu na Bolsa em um dia o valor de R$ 32 bilhões, mais de 12 vezes o que foi recuperado. Mas o ministro Guedes deu a volta por cima: manteve o aumento no preço do diesel, agora de 4,84% em vez dos 5,7% anunciados anteriormente. Por enquanto, saiu vitorioso.
Mas segue o desfile de imbecilidades: na posse do novo Ministro da Educação, Bolsonaro afirmou o seguinte: “Queremos uma garotada que não se interesse por política”.
Na Grécia antiga, aqueles que não se interessavam por política, pela administração da polis, da coisa pública, eram chamados de idiotas. A palavra idiota vem do grego idiotes e significa próprio, pessoal, privativo. Ou seja, um presidente idiota, no sentido moderno da palavra – ignorante, estúpido - propõe que os jovens sejam todos idiotas, no sentido grego do termo.
Em outra declaração estapafúrdia, o presidente anunciou que o Brasil passou a votar na ONU segundo a Bíblia. Ele se referia à defesa dos interesses expansionistas de Israel em territórios palestinos protegidos por decisões da ONU que sempre contaram com o apoio do Brasil e da maioria dos países. Essa declaração tem uma importância histórica: rompe a separação constitucional entre Estado e Religião, conquista da Modernidade após séculos de dominação política da Igreja misturada ao Estado.
A ofensiva conservadora de parlamentares cristãos a serviço das igrejas pentecostais, protestantes e católicas já se fazia sentir nas decisões sobre costumes. Desfecharam ataque permanente aos valores laicos que defendem os direitos das mulheres e LGBT, sob a acusação de “ideologia de gênero” e “kit gay”. Um dos alvos preferidos do ataque é o direito de a mulher dispor do próprio corpo que continua criminalizado em caso de aborto. Além disso, atacam todos os direitos ligados a reivindicações de identidade.
A afirmação de que a política externa do Brasil se baseia na Bíblia afronta o caráter republicano laico previsto na Constituição. Só isso já seria motivo legal para impeachment. Se nada for feito, o Brasil avançará na repressão cultural e até física de todos aqueles que não comungarem do fundamentalismo religioso de Bolsonaro e seus ministros.
Se não forem combatidos com veemência, inclusive no Judiciário, os valores medievais que embasam as decisões do Presidente acabarão por reprimir os democratas que ousarem divergir, considerados hereges, pagãos e infiéis. E sabemos todos como a Idade Média tratava os hereges, pagãos e infiéis.
O historiador militar prussiano Carl von Clausewitz dizia que a guerra é a continuação da política por outros meios. Para Bolsonaro, entretanto, a política é guerra. Ele trata os que pensam diferente como inimigos de guerra, ou seja, devem ser exterminados. Por isso, o governo fala em guerra cultural.
Há os que criticam o fato de a oposição se limitar a atacar as boçalidades do presidente e seus ministros, numa posição reativa, sem avançar propostas de políticas públicas. Essa crítica tem fundamento, mas não se pode ignorar sem rebater os disparates e sandices alardeados pelo Governo. É necessário defender as verdades científicas do ataque irracional das hordas bolsonaristas.
Por exemplo, negar o aquecimento global e as mudanças climáticas é negar a ciência, o que é compreensível para um Governo que diz basear-se apenas na Bíblia. Vejamos, em rápido parênteses, o que diz a ciência sobre esse tema.
O Laboratório de Impacto Climático (Climate modelling by Climate Impact Lab) calculou o aumento de temperatura para todas as grandes cidades do mundo. Na cidade do Rio de Janeiro e tomando o ano de 1960 como exemplo, havia 50 dias no ano com temperatura de 32º C ou mais. Hoje, temos 89 dias no ano com 32º ou mais. Em 2040, a projeção é de 108 dias em média, entre 99 e 133 dias. E no fim do século, a previsão dos dias com temperatura igual ou superior a 32º fica entre 118 e 187 dias.
Na cidade de São Paulo, no ano de 1960 tivemos 13 dias com temperatura a 32º C ou mais. Hoje, temos 25 dias e no fim do século serão em média 52 dias, situando-se a previsão entre 37 e 115 dias.
Esses dados ajudam a explicar o que mudou em termos de intensidade e frequência das chuvas nessas cidades. Em todo o mundo, aliás, foi constatado que altas temperaturas aumentam o risco de doenças e morte, especialmente entre idosos, crianças e pessoas com doenças crônicas. As populações de baixa renda sofrem mais os impactos do calor extremo.
A alta temperatura afeta a produção de alimentos, reduzindo as colheitas, e agrava a seca e os incêndios em certas regiões. Cynthia Rosenzweig, do Grupo de Impactos Climáticos da NASA, afirmou que “alimentos, água, energia, transporte e ecossistemas serão afetados nas cidades e no campo. As temperaturas mais elevadas terão efeito prejudicial na saúde dos mais vulneráveis (New York Times/Climate).
Todas essas evidências científicas vêm sendo negadas sistematicamente por uma política deliberada de espalhar fake news. Mentiras vergonhosas e sensacionais, como “nazismo é de esquerda, a universidade não pesquisa, o aquecimento global é invenção do marxismo cultural, a terra é plana” capturam a atenção da mídia e da oposição. É uma comunicação irracional, maniqueísta que utiliza a mentira como arma de guerra cultural, no velho estilo nazista.
Enquanto isso, o presidente e seus ministros fazem o trabalho sujo de destruição do Estado. Destruíram a política externa independente, desmoralizando o Itamaraty, bem como os órgãos de proteção ambiental, esvaziando o Ministério do Meio Ambiente, hoje a serviço do agronegócio, da mineração, da exploração econômica predatória. O Ministério da Educação é um deserto de ideias e ações, a cultura vem sendo bombardeada com retirada de apoios institucionais, a agricultura tornou-se o paraíso dos pesticidas e agrotóxicos, muitos deles proibidos na Europa e liberados aqui.
A pesquisa do IBOPE de 24/4/2019 confirma a pior avaliação para o início de um governo eleito. Os que avaliavam o governo ótimo ou bom caíram de 49% em janeiro último para 35% em abril. A avaliação ruim ou péssimo passou de 11% em janeiro para 27% em abril.
Bolsonaro disse há pouco tempo que veio para destruir. E com isso abre caminho para a privatização de instituições e empresas estatais a preço de banana. Ele próprio já disse “estar mudando de opinião a respeito da privatização da Petrobras”. Aos poucos, o mercado vai predominando e impondo seus interesses, e não apenas pela reforma da Previdência. Ao não tributar os acionistas do Itaú, Bradesco e Santander, por exemplo, o Brasil perde R$ 4,6 bilhões. Esse valor se refere ao que a União receberia se aplicasse aos 37 bilhões de dividendos a mesma alíquota que cobra do trabalhador assalariado (RBA, 8/2/2019).
A democracia representativa entrou em crise em vários países do mundo porque foi incapaz de levar benefícios às massas marginalizadas. Descrentes da democracia, esses setores empobrecidos da população, inclusive segmentos expressivos da classe média, passaram a descrer da democracia e tornaram-se presas fáceis do populismo de direita que acena com um regime forte, uma ditadura, que vai “varrer” os políticos e a corrupção. Junto com a retórica moralista e punitivista vem o veneno do neoliberalismo que transfere renda dos pobres para os ricos.
Levará algum tempo para perceberem que eles são os mais prejudicados com o regime de exceção que já opera no país. Se a política externa hoje é o alinhamento automático com os interesses dos EUA e do governo Trump, a política interna, já em curso, visa à destruição do Estado e dos programas sociais nas áreas de educação, saúde, cultura, meio ambiente, habitação, crédito, direitos humanos.
Por meio de um editorial intitulado "A promessa e os perigos do Brasil de Bolsonaro", o jornal britânico Financial Times ressaltou que "os tuítes e pronunciamentos de Bolsonaro arriscam criar a impressão de que o Brasil é agora dirigido por um maníaco que ataca gays, odeia árvores e ama as armas, que é nostálgico dos dias de ditadura militar". Apesar das críticas, o FT pede que o mercado financeiro ajude a defender o neoliberalismo da equipe econômica e o projeto de reforma da Previdência elaborado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
O comediante Volodymyr Zelenskiy ganhou facilmente as eleições na Ucrânia, na esteira daquele comediante italiano Beppe Grillo, um dos líderes do Movimento 5 Estrelas que governa hoje a Itália em aliança com a extrema direita. O que existe em comum com a eleição de Bolsonaro é a rejeição do sistema de democracia representativa. A maioria da população prefere votar em “outsiders”, gente de fora do sistema, já que esse sistema está sendo rejeitado. Em geral, trata-se de demagogos, populistas de direita que são “contra tudo o que está aí” e não são a favor de nada. Uma vez no poder, tornam-se presas fáceis dos banqueiros e dos grandes empresários.
Isso mostra que a crise da democracia representativa está sendo capitalizada politicamente pela extrema direita. A esquerda não apresentou um projeto político alternativo que pudesse entusiasmar a maioria da população marginalizada, continua atônita com o retrocesso brutal do país, em todos os domínios, e trava uma batalha defensiva em favor das instituições e direitos que estão sendo destruídos. A extrema direita no poder se enfraquece a cada dia, mas isso ocorre mais pelas suas contradições internas, pelos conflitos entre seus diversos grupos de apoio, do que por uma ofensiva da oposição.
A oposição vem atacando mais o Governo pelo lado econômico – a reforma da Previdência – que mexe com o bolso da população, do que pelo seu “elo mais fraco”, os ministros pré-científicos de relações exteriores, educação, meio ambiente, direitos humanos, e a área de cultura, que tocam o simbólico, muitas vezes mais importante do que o econômico.
O Governo é uma nau sem rumo. Mas o projeto neoliberal tenta atravessar o pantanal das contradições e conflitos institucionais no interior do aparelho de Estado como, por exemplo, “olavistas” x militares, Ministério Público x STF, Carlos Bolsonaro x Mourão. Se conseguir aprovar a reforma da Previdência, Bolsonaro terá uma sobrevida com o apoio do mercado que ignora a destruição da educação, cultura, meio ambiente, política externa independente, diversidade, direitos humanos etc. Caso contrário, rapidamente tornar-se-á um “lame duck”, pato manco na gíria política norte americana, referindo-se ao Presidente em fim de mandato, já eleito o sucessor.
Neste caso, o mercado e a mídia passariam a achar muito grave o que hoje preferem ignorar: o apoio direto do presidente e seus filhos aos criminosos das milícias no Rio de Janeiro que, entre muitos outros crimes, assassinaram a juíza Patrícia Acioli, a vereadora Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes, e avançam no controle territorial de muitos bairros no Rio de Janeiro, onde já se comportam como um Estado paralelo. Ou seja, sem o apoio do mercado e da mídia, Bolsonaro não duraria muito. Lame duck não tem vida longa.
* Liszt Vieira é professor aposentado da PUC-Rio.
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