Reproduzo artigo publicado no sítio Diário Liberdade, editado na Galícia:
Documentos recentemente desclassificados do Departamento de Estado dos Estados Unidos através da Lei de Acesso à Informação (FOIA, por suas siglas em inglês) evidenciam mais de US$ 4 milhões em financiamento a meios e jornalistas venezuelanos durante os últimos anos.
O financiamento tem sido canalizado diretamente do Departamento de Estado através de três entidades públicas estadunidenses: a Fundação Panamericana para o Desenvolvimento (PADF, por suas siglas em inglês), Freedom House e pela Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (Usaid).
Em uma tosca tentativa de esconder suas ações, o Departamento de Estado censurou a maioria dos nomes das organizações e dos jornalistas recebendo esses fundos multimilionários. No entanto, um documento datado de julho de 2008 deixou sem censura os nomes das principais organizações venezuelanas recebendo os fundos: Espaço Público e Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS).
Espaço Público e IPYS são as entidades que figuram como as encarregadas de coordenar a distribuição dos fundos e os projetos do Departamento de Estado com os meios de comunicação privados e jornalistas venezuelanos.
Os documentos evidenciam que a PADF, o FUPAD, em espanhol, implementou programas na Venezuela dedicados à "promoção da liberdade dos meios e das instituições democráticas", além de cursos de formação para jornalistas e o desenvolvimento de novos meios na Internet devido ao que considera as "constantes ameaças contra a liberdade de expressão" e "o clima de intimidação e censura contra os jornalistas e meios".
Financiamento a páginas na web
Um dos programas da Fupad, pelo qual recebeu US$ 699.996 do Departamento de Estado, em 2007, foi dedicado ao "desenvolvimento dos meios independentes na Venezuela" e para o jornalismo "via tecnologias inovadoras". Os documentos evidenciam que mais de 150 jornalistas foram capacitados e treinados pelas agências estadunidenses e 25 páginas web foram financiadas na Venezuela com dinheiro estrangeiro. Espaço Público e IPYS foram os principais executores desse projeto em âmbito nacional, que também incluiu a outorga de "prêmios" de 25 mil dólares a vários jornalistas.
Durante os últimos dois anos, aconteceu uma verdadeira proliferação de páginas web, blogs e membros do Twitter e do Facebook na Venezuela que utilizam esses meios para promover mensagens contra o governo venezuelano e o presidente Chávez e que tentam distorcer e manipular a realidade sobre o que acontece no país.
Outros programas manejados pelo Departamento de Estado selecionaram jovens venezuelanos para receber treinamento e capacitação no uso dessas tecnologias e para criar o que chamam uma "rede de ciberdissidentes" na Venezuela.
Por exemplo, em abril deste ano, o Instituto George W. Bush, juntamente com a organização estadunidense Freedom House, convocou um encontro de "ativistas pela liberdade e pelos direitos humanos" e "especialistas em Internet" para analisar o "movimento global de ciberdissidentes". Ao encontro, que foi realizado em Dallas, Texas, foi convidado Rodrigo Diamanti, da organização Futuro Presente da Venezuela.
No ano passado, durante os dias 15 e 16 de outubro, a Cidade do México foi a sede da 2ª Cúpula da Aliança de Movimentos Juvenis ("AYM", por suas siglas em inglês). Patrocinado pelo Departamento de Estado, o evento contou com a participação da Secretária de Estado Hillary Clinton e de vários "delegados" convidados pela diplomacia estadunidense, incluindo aos venezuelanos Yon Goicochea (da organização venezuelana Primero Justicia); o dirigente da organização Venezuela de Primera, Rafael Delgado; e a ex-dirigente estudantil Geraldine Álvarez, agora membro da Fundação Futuro Presente, organização criada por Yon Goicochea com financiamento do Instituto Cato, dos EUA.
Junto a representantes das agências de Washington, como Freedom House, o Instituto Republicano Internacional, o Banco Mundial e o Departamento de Estado, os jovens convidados receberam cursos de "capacitação e formação" dos funcionários estadunidenses e dos criadores de tecnologias como Twitter, Facebook, MySpace, Flicker e Youtube.
Financiamento a universidades
Os documentos desclassificados também revelam um financiamento de US$ 716.346 via organização estadunidense Freedom House, em 2008, para um projeto de 18 meses dedicado a "fortalecer os meios independentes na Venezuela". Esse financiamento através da Freedom House também resultou na criação de "um centro de recursos para jornalistas" em uma universidade venezuelana não especificada no relatório. Segundo o documento oficial, "o centro desenvolverá uma rádio comunitária, uma página web e cursos de formação", todos financiados pelas agências de Washington.
Outros US$ 706.998 canalizados pela Fupad foram destinados para "promover a liberdade de expressão na Venezuela", através de um projeto de dois anos orientado ao jornalismo investigativo e "às novas tecnologias", como Twitter, Internet, Facebook e Youtube, entre outras. "Especificamente, a Fupad e seu sócio local capacitarão e apoiarão [a jornalistas, meios e ONGs] no uso das novas tecnologias midiáticas em várias regiões da Venezuela".
"A Fupad conduzirá cursos de formação sobre os conceitos do jornalismo investigativo e os métodos para fortalecer a qualidade da informação independente disponível na Venezuela. Esses cursos serão desenvolvidos e incorporados no currículo universitário".
Outro documento evidencia que três universidades venezuelanas, a Universidade Central da Venezuela, a Universidade Metropolitana e a Universidade Santa Maria, incorporaram cursos sobre jornalismo de pós-graduação e em nível universitário em seus planos de estudos, financiados pela Fupad e pelo Departamento de Estado. Essas três universidades têm sido os focos principais dos movimentos estudantis antichavistas durante os últimos três anos.
Sendo o principal canal dos fundos do Departamento de Estado aos meios privados e jornais na Venezuela, a Fupad também recebeu US$ 545.804 para um programa intitulado "Venezuela: As vozes do futuro". Esse projeto, que durou um ano, foi dedicado a "desenvolver uma nova geração de jornalistas independentes através do uso das novas tecnologias". Também a Fupad financiou vários blogs, jornais, rádios e televisões em regiões por todo o país para assegurar a publicação dos artigos e transmissões dos "participantes" do programa.
A Usaid e a Fupad
Mais fundos foram distribuídos através do escritório da Usaid em Caracas, que maneja um orçamento anual entre US$ 5 milhões e US$ 7 milhões. Esses milhões fazem parte dos 40 a US$ 50 milhões que anualmente as agências estadunidenses, européias e canadenses estão dando aos setores antichavistas na Venezuela.
A Fundação Panamericana para o Desenvolvimento está ativa na Venezuela desde 2005, sendo uma das principais contratistas da Usaid no país sulamericano. A Fupad é uma entidade criada pelo Departamento de Estado em 1962, e é "filiada" à Organização de Estados Americanos (OEA). A Fupad implementou programas financiados pela Usaid, pelo Departamento de Estado e outros financiadores internacionais para "promover a democracia" e "fortalecer a sociedade civil" na América Latina e Caribe.
Atualmente, a Fupad maneja programas através da Usaid com fundos acima de US$ 100 milhões na Colômbia, como parte do Plano Colômbia, financiando "iniciativas" na zona indígena em El Alto; e leva dez anos trabalhando em Cuba, de forma "clandestina", para fomentar uma "sociedade civil independente" para "acelerar uma transição à democracia".
Na Venezuela, a Fupad tem trabalhado para "fortalecer os grupos locais da sociedade civil". Segundo um dos documentos desclassificados, a Fupad "tem sido um dos poucos grupos internacionais que tem podido outorgar financiamento significativo e assistência técnica a ONGs venezuelanas".
Os "sócios" venezuelanos
Espaço Público é uma associação civil venezuelana dirigida pelo jornalista venezuelano Carlos Correa. Apesar de sua página web destacar que a organização é "independente e autônoma de organizações internacionais ou de governos", os documentos do Departamento de Estado evidenciam que recebe um financiamento multimilionário do governo dos Estados Unidos. E tal como esses documentos revelam, as agências estadunidenses, como a Fupad, não somente financiam grupos como o Espaço Público, mas os consideram como seus "sócios" e desde Washington lhes enviam materiais, linhas de ação e diretrizes que são aplicadas na Venezuela, e exercem um controle sobre suas operações para assegurar que cumprem com a agenda dos Estados Unidos.
O Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS) é nada mais do que um porta-voz de Washington, criado e financiado pelo National Endowment for Democracy (NED) e por outras entidades conectadas com o Departamento de Estado. Seu diretor na Venezuela é o jornalista Ewald Sharfenberg, conhecido opositor do governo de Hugo Chávez. IPYS é membro da agrupação Intercâmbio Internacional de Livre Expressão (IFEX), financiado pelo Departamento de Estado e é parte da Rede de Repórteres Sem Fronteiras (RSF), organização francesa financiada pela NED, pelo Instituto Republicano Internacional (IRI) e pelo Comitê para a Assistência para uma Cuba Livre.
.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Uma boa idéia: “jornalismo ficha limpa”
Reproduzo artigo de Artur Henrique, presidente da CUT, publicado em seu blog:
O professor da USP e jornalista Bernardo Kucinski apresenta a proposta de criação de uma iniciativa política intitulada “Jornalismo Ficha Limpa”. Seria uma espécie de frente formada por jornalistas que tenham a reputação de qualidade e honestidade e um histórico de coerência. Outro requisito indispensável é ser identificado com o combate às desigualdades sociais. Ter renome também ajuda.
Esses profissionais de comunicação assinariam um manifesto defendendo que jornais, revistas, rádios, TVs e páginas de internet façam uma cobertura das eleições 2010 com objetividade, sem coloração partidária e fornecendo mais espaço para os projetos e propostas do que para bate-bocas menores, trocas de acusação que desviam o foco do que realmente importa. Quer dizer, ao contrário do que ocorre neste momento.
O manifesto pelo “Jornalismo Ficha Limpa” também deveria explicitar quais ações editoriais e linhas de reportagem devem ser consideradas “ficha suja”, de forma tão didática quanto possível ou necessária, para assim expor quem as pratica.
A idéia também aproveitaria a boa acolhida que a população deu ao projeto “Ficha Limpa”, aprovado recentemente pelo Congresso, para mostrar que o processo eleitoral e a ação política também dependem e são influenciados fortemente pela mídia.
A frente que daria início ao “Jornalismo Ficha Limpa” não deveria, na opinião do próprio, incluir Kucinski, por ele ser muito identificado com o PT. Kucinski apresentou a proposta durante debate da Direção Nacional da CUT na última quinta (29), na capital paulista.
Durante as campanhas de 1994, 1998 e 2002, e ainda durante boa parte do primeiro mandato do governo Lula, do qual foi assessor, o professor escrevia um relato diário, matinal e minucioso, do que a imprensa estava veiculando desde o dia anterior. A partir da sua releitura do noticiário, Kucinski então propunha ações políticas para o comando de campanha e assessores de Lula, a partir de oportunidades vislumbradas ou, especialmente, a partir da identificação de tramas que os adversários estariam traçando tendo a imprensa como pista de decolagem.
Lula era leitor assíduo desse relato e foi quem o batizou de “Cartas Ácidas”, por causa do tom intenso e do olhar agudo do seu autor.
Nova paixão
Kucinski contou ao nosso blog que atualmente está se dedicando à literatura de ficção. “Fiquei fascinado. Descobri isso e estou inteiramente voltado a essa experiência”. Em sete dias, escreveu uma novela policial intitulada “Crime de Morte na USP”.
No texto, o assassinato de uma professora serve como ponto de partida para “deslindar o ambiente acadêmico, o carreirismo, as disputas de ego, os roubos de produção intelectual, enfim, os bastidores”, explica. O livro está à espera de uma editora que decida lançá-lo. Enquanto isso, Kucinski continua escrevendo contos e crônicas todos os dias.
.
O professor da USP e jornalista Bernardo Kucinski apresenta a proposta de criação de uma iniciativa política intitulada “Jornalismo Ficha Limpa”. Seria uma espécie de frente formada por jornalistas que tenham a reputação de qualidade e honestidade e um histórico de coerência. Outro requisito indispensável é ser identificado com o combate às desigualdades sociais. Ter renome também ajuda.
Esses profissionais de comunicação assinariam um manifesto defendendo que jornais, revistas, rádios, TVs e páginas de internet façam uma cobertura das eleições 2010 com objetividade, sem coloração partidária e fornecendo mais espaço para os projetos e propostas do que para bate-bocas menores, trocas de acusação que desviam o foco do que realmente importa. Quer dizer, ao contrário do que ocorre neste momento.
O manifesto pelo “Jornalismo Ficha Limpa” também deveria explicitar quais ações editoriais e linhas de reportagem devem ser consideradas “ficha suja”, de forma tão didática quanto possível ou necessária, para assim expor quem as pratica.
A idéia também aproveitaria a boa acolhida que a população deu ao projeto “Ficha Limpa”, aprovado recentemente pelo Congresso, para mostrar que o processo eleitoral e a ação política também dependem e são influenciados fortemente pela mídia.
A frente que daria início ao “Jornalismo Ficha Limpa” não deveria, na opinião do próprio, incluir Kucinski, por ele ser muito identificado com o PT. Kucinski apresentou a proposta durante debate da Direção Nacional da CUT na última quinta (29), na capital paulista.
Durante as campanhas de 1994, 1998 e 2002, e ainda durante boa parte do primeiro mandato do governo Lula, do qual foi assessor, o professor escrevia um relato diário, matinal e minucioso, do que a imprensa estava veiculando desde o dia anterior. A partir da sua releitura do noticiário, Kucinski então propunha ações políticas para o comando de campanha e assessores de Lula, a partir de oportunidades vislumbradas ou, especialmente, a partir da identificação de tramas que os adversários estariam traçando tendo a imprensa como pista de decolagem.
Lula era leitor assíduo desse relato e foi quem o batizou de “Cartas Ácidas”, por causa do tom intenso e do olhar agudo do seu autor.
Nova paixão
Kucinski contou ao nosso blog que atualmente está se dedicando à literatura de ficção. “Fiquei fascinado. Descobri isso e estou inteiramente voltado a essa experiência”. Em sete dias, escreveu uma novela policial intitulada “Crime de Morte na USP”.
No texto, o assassinato de uma professora serve como ponto de partida para “deslindar o ambiente acadêmico, o carreirismo, as disputas de ego, os roubos de produção intelectual, enfim, os bastidores”, explica. O livro está à espera de uma editora que decida lançá-lo. Enquanto isso, Kucinski continua escrevendo contos e crônicas todos os dias.
.
Racha na ANJ e crise dos jornalões
Por Altamiro Borges
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), presidida por Judith Brito – executiva do Grupo Folha que confessou recentemente que a “grande imprensa” exerce a função inconstitucional de partido de oposição ao governo Lula –, sofreu um duro baque na semana passada. Ela foi acusada de ser uma entidade contrária à liberdade de expressão, que se esquiva de “defender os direitos do ser humano, os valores da democracia representativa, a livre iniciativa e a livre concorrência”.
A critica não partiu, como era de se imaginar, de um movimento de luta pela democratização dos meios de comunicação. Ela foi feita por um ex-sócio da ANJ, a Empresa Jornalística Econômico S.A. (Ejesa), responsável pela publicação dos jornais Brasil Econômico, O Dia, Meia Hora e Campeão. Por considerar que a entidade não respeita os princípios que alardeia e defende apenas os interesses dos jornalões O Globo, Folha e Estadão, a Ejesa pediu a sua desfiliação da ANJ.
O falso discurso do “livre mercado”
O racha na entidade confirma a brutal crise vivida pela mídia impressa. Os jornalões tradicionais têm reduzido drasticamente suas tiragens – a Folha, por exemplo, caiu de mais de um milhão de exemplares, nos anos 1980, para menos de 300 mil nos dias atuais –, e temem a concorrência no setor. Numa prova de que a defesa da “liberdade de expressão” e do “livre mercado” é conversa fiada, a ANJ tem feito de tudo para excluir outras empresas do restrito mercado editorial.
Recentemente, a entidade moveu pedido ao Ministério Público para que investigasse a origem da Ejesa, alegando que ela fere o limite de 30% de capital estrangeiro autorizado para o controle dos meios de comunicação no país. A ANJ acusou o grupo de ser controlado por capital português. A reação da empresa foi pedir sua desfiliação da entidade e escancarar a sujeira existente no setor. Na sua nota, a Ejesa afirma que é vítima da perseguição implacável dos monopólios midiáticos e que a ANJ defende unicamente os interesses das Organizações Globo e do Grupo Folha.
Disputa fratricida e cinismo
O grupo editorial também reafirmou que “apóia de forma incondicional toda e qualquer ação que vise assegurar a manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a educação e o livre fluxo informativo”. Em sua defesa, a Ejesa argumentou que os “documentos societários se encontram devidamente registrados na Junta Comercial” e garantiu que não fere a legislação brasileira. Para ela, o que ocorre é uma ação mesquinha dos monopólios para restringir a concorrência no setor.
Nesta briga de titãs é difícil tomar partido. A apuração da origem do capital é necessária para se evitar qualquer ilegalidade que dê brechas à invasão estrangeira. O que chama atenção, porém, é a disputa fratricida neste setor e a hipocrisia dos contendores. A “patriótica” ANJ sempre defendeu a criminosa desnacionalização da economia brasileira. Já o jornal O Globo, que agora também pousa de nacionalista, parece que se esqueceu das razões do enriquecimento deste império.
A origem ilegal da Globo
O grupo burlou a legislação brasileira ao se associar ilegalmente à empresa estadunidense Time-Life, em 1962, garantindo acesso a cerca de US$ 6 milhões, o que era proibido pela Constituição. Com esse capital ilegal, a TV Globo montou toda sua infra-estrutura e o Time-Life passou a ter influência direta na emissora brasileira, inclusive indicando o suspeito ianque Joseph Wallace para o cargo de diretor-executivo. O cinismo dos barões da mídia é realmente impressionante.
.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), presidida por Judith Brito – executiva do Grupo Folha que confessou recentemente que a “grande imprensa” exerce a função inconstitucional de partido de oposição ao governo Lula –, sofreu um duro baque na semana passada. Ela foi acusada de ser uma entidade contrária à liberdade de expressão, que se esquiva de “defender os direitos do ser humano, os valores da democracia representativa, a livre iniciativa e a livre concorrência”.
A critica não partiu, como era de se imaginar, de um movimento de luta pela democratização dos meios de comunicação. Ela foi feita por um ex-sócio da ANJ, a Empresa Jornalística Econômico S.A. (Ejesa), responsável pela publicação dos jornais Brasil Econômico, O Dia, Meia Hora e Campeão. Por considerar que a entidade não respeita os princípios que alardeia e defende apenas os interesses dos jornalões O Globo, Folha e Estadão, a Ejesa pediu a sua desfiliação da ANJ.
O falso discurso do “livre mercado”
O racha na entidade confirma a brutal crise vivida pela mídia impressa. Os jornalões tradicionais têm reduzido drasticamente suas tiragens – a Folha, por exemplo, caiu de mais de um milhão de exemplares, nos anos 1980, para menos de 300 mil nos dias atuais –, e temem a concorrência no setor. Numa prova de que a defesa da “liberdade de expressão” e do “livre mercado” é conversa fiada, a ANJ tem feito de tudo para excluir outras empresas do restrito mercado editorial.
Recentemente, a entidade moveu pedido ao Ministério Público para que investigasse a origem da Ejesa, alegando que ela fere o limite de 30% de capital estrangeiro autorizado para o controle dos meios de comunicação no país. A ANJ acusou o grupo de ser controlado por capital português. A reação da empresa foi pedir sua desfiliação da entidade e escancarar a sujeira existente no setor. Na sua nota, a Ejesa afirma que é vítima da perseguição implacável dos monopólios midiáticos e que a ANJ defende unicamente os interesses das Organizações Globo e do Grupo Folha.
Disputa fratricida e cinismo
O grupo editorial também reafirmou que “apóia de forma incondicional toda e qualquer ação que vise assegurar a manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a educação e o livre fluxo informativo”. Em sua defesa, a Ejesa argumentou que os “documentos societários se encontram devidamente registrados na Junta Comercial” e garantiu que não fere a legislação brasileira. Para ela, o que ocorre é uma ação mesquinha dos monopólios para restringir a concorrência no setor.
Nesta briga de titãs é difícil tomar partido. A apuração da origem do capital é necessária para se evitar qualquer ilegalidade que dê brechas à invasão estrangeira. O que chama atenção, porém, é a disputa fratricida neste setor e a hipocrisia dos contendores. A “patriótica” ANJ sempre defendeu a criminosa desnacionalização da economia brasileira. Já o jornal O Globo, que agora também pousa de nacionalista, parece que se esqueceu das razões do enriquecimento deste império.
A origem ilegal da Globo
O grupo burlou a legislação brasileira ao se associar ilegalmente à empresa estadunidense Time-Life, em 1962, garantindo acesso a cerca de US$ 6 milhões, o que era proibido pela Constituição. Com esse capital ilegal, a TV Globo montou toda sua infra-estrutura e o Time-Life passou a ter influência direta na emissora brasileira, inclusive indicando o suspeito ianque Joseph Wallace para o cargo de diretor-executivo. O cinismo dos barões da mídia é realmente impressionante.
.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Os erros da direita e de sua mídia
Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:
Com sua imensa auto confiança, Lula chegou a dizer que esta seria a campanha mais fácil para o PT. Comparado com as anteriores, o PT dispõe da vantagem de poder apresentar os resultados do seu governo e não ter que estar confinado ao marco das críticas aos governos dos outros. Este fator já contou fortemente para decidir favoravelmente a eleição de 2006, mas agora, com os dois mandatos, parece contar de maneira ainda mais decisiva.
Mas para ganhar o favoritismo na campanha atual, contou-se também com os erros da direita, de que esta campanha é uma demonstração cabal. Antes de tudo a direita – que conta, sobretudo com o monopólio dos meios de comunicação como sua maior força – seguiu acreditando em um poder que se revela cada vez mais declinante.
A campanha contra o governo em 2005 e a utilização pesada desse monopólio no primeiro turno das eleições de 2006 – em que tiveram peso determinante, com suas manipulações, para a passagem ao segundo turno – lhes deram uma sensação de onipotência, de falar em nome do país da opinião pública. Ficaram com a impressão de um poder que já era declinante e que perdeu aceleradamente força conforme o apoio ao governo se consolidou.
Mas os maiores equívocos vieram da assunção dos valores neoliberais a fundo, acreditando que a população seria solidária com essas posições, confundindo seus interesses com os do país – como é típico da mídia conservadora. Passaram a acreditar que a população brasileira não gosta do Estado, que tudo o que vem do Estado lhe aparece como negativo e que, por conseqüência, o que vem do mercado aparece como positivo à população.
Criticam qualquer gasto governamental, sem nunca discriminar sua destinação, como se à população qualquer ação estatal aparecesse como negativa. Não discriminam se se trata de contratar burocratas ineficientes – o clichê que tem do funcionário público – e não professores, enfermeiras, médicos, para atender a massa da população.
As críticas de FHC e do Serra sobre o “corporativismo” (?) do governo Lula não fazem nenhum sentido para a população, que nem entende o que significa, nem considera que seja um dos problemas essenciais do Brasil. A própria revista conservadora britânica The Economist considera que o povo brasileiro gosta do Estado, que lhe garante direitos. Como esta problemática não está incluída na ótica neoliberal – a dos direitos -, a direita brasileira é vitima dos seus próprios preconceitos e fica na contramão da opinião dos brasileiros.
Da mesma forma, consideram que a participação do movimento sindical e dos partidos seja considerada negativamente pelo povo, assim como julgam que qualquer critério ideológico seja desvirtuador dos objetivos do Estado. O povo prefere um governo que tenha afinidades com os sindicatos – que personificam reivindicações para grandes contingentes da população a um governo, como o de FHC, que criminaliza os sindicatos e nega suas reivindicações.
No plano internacional, a direita carrega a concepção tradicional de relações privilegiadas (de subordinação) com os EUA e com a Europa. Acreditava que o dinamismo econômico externo continuasse a vir desses eixos e propugna o privilegio de relações com eles. A crise atual demonstrou exatamente o contrário. Os países do centro do capitalismo não saem da crise, enquanto que os que optamos pela integração regional, saímos, ao lado do conjunto dos países do sul do mundo.
A direita acredita nas mentiras que propaga. Por exemplo, a de que há um empate técnico, de que os candidatos começam o horário eleitoral numa situação de equilíbrio. É vitima do seu próprio veneno.
O erro mais importante, no entanto, do qual paga um preço caro, é o governo FHC, que acreditou que com a simples estabilidade monetária poderia conquistar apoio popular para perpetuar o projeto do bloco tucano-demista no poder. Sacrificou as políticas sociais, o desenvolvimento econômico, a soberania nacional, o papel ativo do Estado, a regulação econômica, os direitos da massa da população – em função do ajuste fiscal e da hegemonia do capital financeiro.
FHC escolheu como tema central para atacar, a estabilidade monetária, os dados inflacionários aos salários, o ajuste fiscal como remédio para todos os males. Lula escolheu a injustiça social, com o crescimento e a distribuição de renda como antídotos. Fica claro que tem razão e quem triunfou. Com os méritos da esquerda e os erros da direita.
.
Com sua imensa auto confiança, Lula chegou a dizer que esta seria a campanha mais fácil para o PT. Comparado com as anteriores, o PT dispõe da vantagem de poder apresentar os resultados do seu governo e não ter que estar confinado ao marco das críticas aos governos dos outros. Este fator já contou fortemente para decidir favoravelmente a eleição de 2006, mas agora, com os dois mandatos, parece contar de maneira ainda mais decisiva.
Mas para ganhar o favoritismo na campanha atual, contou-se também com os erros da direita, de que esta campanha é uma demonstração cabal. Antes de tudo a direita – que conta, sobretudo com o monopólio dos meios de comunicação como sua maior força – seguiu acreditando em um poder que se revela cada vez mais declinante.
A campanha contra o governo em 2005 e a utilização pesada desse monopólio no primeiro turno das eleições de 2006 – em que tiveram peso determinante, com suas manipulações, para a passagem ao segundo turno – lhes deram uma sensação de onipotência, de falar em nome do país da opinião pública. Ficaram com a impressão de um poder que já era declinante e que perdeu aceleradamente força conforme o apoio ao governo se consolidou.
Mas os maiores equívocos vieram da assunção dos valores neoliberais a fundo, acreditando que a população seria solidária com essas posições, confundindo seus interesses com os do país – como é típico da mídia conservadora. Passaram a acreditar que a população brasileira não gosta do Estado, que tudo o que vem do Estado lhe aparece como negativo e que, por conseqüência, o que vem do mercado aparece como positivo à população.
Criticam qualquer gasto governamental, sem nunca discriminar sua destinação, como se à população qualquer ação estatal aparecesse como negativa. Não discriminam se se trata de contratar burocratas ineficientes – o clichê que tem do funcionário público – e não professores, enfermeiras, médicos, para atender a massa da população.
As críticas de FHC e do Serra sobre o “corporativismo” (?) do governo Lula não fazem nenhum sentido para a população, que nem entende o que significa, nem considera que seja um dos problemas essenciais do Brasil. A própria revista conservadora britânica The Economist considera que o povo brasileiro gosta do Estado, que lhe garante direitos. Como esta problemática não está incluída na ótica neoliberal – a dos direitos -, a direita brasileira é vitima dos seus próprios preconceitos e fica na contramão da opinião dos brasileiros.
Da mesma forma, consideram que a participação do movimento sindical e dos partidos seja considerada negativamente pelo povo, assim como julgam que qualquer critério ideológico seja desvirtuador dos objetivos do Estado. O povo prefere um governo que tenha afinidades com os sindicatos – que personificam reivindicações para grandes contingentes da população a um governo, como o de FHC, que criminaliza os sindicatos e nega suas reivindicações.
No plano internacional, a direita carrega a concepção tradicional de relações privilegiadas (de subordinação) com os EUA e com a Europa. Acreditava que o dinamismo econômico externo continuasse a vir desses eixos e propugna o privilegio de relações com eles. A crise atual demonstrou exatamente o contrário. Os países do centro do capitalismo não saem da crise, enquanto que os que optamos pela integração regional, saímos, ao lado do conjunto dos países do sul do mundo.
A direita acredita nas mentiras que propaga. Por exemplo, a de que há um empate técnico, de que os candidatos começam o horário eleitoral numa situação de equilíbrio. É vitima do seu próprio veneno.
O erro mais importante, no entanto, do qual paga um preço caro, é o governo FHC, que acreditou que com a simples estabilidade monetária poderia conquistar apoio popular para perpetuar o projeto do bloco tucano-demista no poder. Sacrificou as políticas sociais, o desenvolvimento econômico, a soberania nacional, o papel ativo do Estado, a regulação econômica, os direitos da massa da população – em função do ajuste fiscal e da hegemonia do capital financeiro.
FHC escolheu como tema central para atacar, a estabilidade monetária, os dados inflacionários aos salários, o ajuste fiscal como remédio para todos os males. Lula escolheu a injustiça social, com o crescimento e a distribuição de renda como antídotos. Fica claro que tem razão e quem triunfou. Com os méritos da esquerda e os erros da direita.
.
Propostas para o encontro de blogueiros
Reproduzo artigo de Sérgio Telles, publicado com blog Viomundo, com algumas propostas para debate no 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. Este espaço está aberto para mais idéias sobre a organização da blogosfera:
– Profissionalização, integração com a universidade e organização da mídia alternativa: as iniciativas amadoras e espontâneas são importantíssimas, mas temos que pensar em mecanismos que possam fazer a mídia alternativa ser viável economicamente sem perda de qualidade e sem passar a ter rabo preso com anunciantes ou com governos.
– Para isso, uma das propostas, que já falei anteriormente aqui no blog, é tentar conquistar junto ao Ministério da Cultura que a mídia alternativa seja considerada um patrimônio cultural imaterial do Brasil e da democracia brasileira, pois a atividade que exercemos, sem dúvida, tem total característica cultural, são milhares de internautas que diariamente executam hábitos similares e produzem conteúdo alternativo.
– Com esse reconhecimento, outros editais da área de cultura como um que já foi lançado ano passado serão mais frequentes, beneficiando a quem procurar se organizar em instituições privadas sem fins lucrativos, que podem ser premiadas por concursos com recursos públicos ou mesmo privados, com patrocínio de empresas que estarão apoiando a cultura e utilizando os benefícios das respectivas leis do setor. Essa é uma forma de injeção de recursos que organiza, por meio de instituições, a produção de mídia alternativa, sem prejudicar ou enviezar o conteúdo em benefício de quem patrocina ou apóia.
– Outro caminho é por meio da Ciência e Tecnologia, reconhecendo que produzimos inovação na comunicação. Recursos dos fundos setoriais de telecomunicações podem estabelecer parcerias entre as instituições privadas sem fins lucrativos que produzem mídia alternativa e as universidades, especialmente as faculdades de comunicação e outras faculdades de áreas sociais, visando a estruturação e programação inovadora, a produção de conteúdos alternativos em novas mídias, o enriquecimento da formação dos universitários e também a colaboração destes com a propagação do conteúdo alternativo.
– Que o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, ou outra instituição que tenha o reconhecimento e a credibilidade da mídia alternativa, crie mecanismos de agregação de valor e credibilidade de quem produz conteúdo alternativo. Isso é uma discussão extremamente complexa, parece a princípio tirar a liberdade, mas a questão da credibilidade é essencial em relação a informação, seria interessante que houvesse de alguma forma um reconhecimento de credibilidade de quem produz a mídia alternativa, através de um selo ou coisa parecida. Como disse, é polêmico, eu acho interessante existir, inclusive algum local comum em que existam comentários e recomendações sobre os conteúdos, certamente há diversas formas de se dar mais confiança ou se levar a sério quem publica uma notícia, ou ainda de se descobrir que o site que estamos lendo não é pra ser levado a sério, até porque às vezes é de humor escrachado mesmo. (os “estagiários” da grande mídia às vezes caem nessas pegadinhas, inclusive!)
– Numa mesma linha, seria interessante existir algo como uma Ouvidoria, ou algum lugar que fosse possível trocar idéias, tal como uma mediação de comunidades de Orkut, ou de fóruns. Ter um local em que algumas pessoas que possuem reconhecido respeito de toda a mídia alternativa pudessem receber colaborações, críticas, sugestões ou denúncias seria muito bom, além de ser mais um bom caminho para receber “material de qualidade” vindo da grande mídia, a maioria dos produtores de conteúdo sabem que o feedback dos leitores e comentaristas é tão importante quanto o próprio conteúdo que produzem, a dinâmica torna cada assunto abordado praticamente um tópico de discussão, um fórum, um debate aberto.
– Lutar para permitir que os blogs da mídia alternativa passem a ser permitidos em empresas, pois a maioria dos sistemas de bloqueio impedem esse acesso. Há como acessar via leitores de RSS, mas é precário. A mídia alternativa já é principal fonte de informação de considerável grupo de pessoas. O tema da certificação também ajuda nesse aspecto, até para definir quais seriam os blogs e outras ferramentas que poderiam ser agrupados dessa forma.
– Essa é pra galera do software livre, sugiro que se construa gadgets que possam com poucos cliques acessar o conteúdo da mídia alternativa, que seja algo facilmente multiplicável e instalável em qualquer computador, que uma pessoa leiga possa ter acesso a esse conteúdo sem grande dificuldade.
– Como já existem bons sites divulgando a mídia alternativa, ou a replicando, minha velha idéia da existência de um grande portal que fosse referência para todos, parece envelhecida mesmo, e esse gadget sugerido no tópico anterior parece atender suficientemente.
– No Twitter, que exista uma lista de usuários vinculados à produção de mídia alternativa, que esteja disponível para todos e que seja constantemente atualizada. E que claro, também realizemos uma rede social e uma lista de discussão, todos esses importantes mecanismos de pré-produção de conteúdos para a mídia alternativa.
– Que os futuros encontros de mídia alternativa sejam precedidos de encontros locais (quando o caso), estaduais, regionais e depois um nacional. A produção local e regional é um foco bastante importante da mídia alternativa e uma lacuna da mídia tradicional, que só preocupa-se com áreas nobres e esquece das periferias, do restante do país, que só é lembrado com notícias ruins. Valorizar e integrar a divulgação regional é importante para o próprio avanço e ganho de credibilidade da mídia alternativa.
.
– Profissionalização, integração com a universidade e organização da mídia alternativa: as iniciativas amadoras e espontâneas são importantíssimas, mas temos que pensar em mecanismos que possam fazer a mídia alternativa ser viável economicamente sem perda de qualidade e sem passar a ter rabo preso com anunciantes ou com governos.
– Para isso, uma das propostas, que já falei anteriormente aqui no blog, é tentar conquistar junto ao Ministério da Cultura que a mídia alternativa seja considerada um patrimônio cultural imaterial do Brasil e da democracia brasileira, pois a atividade que exercemos, sem dúvida, tem total característica cultural, são milhares de internautas que diariamente executam hábitos similares e produzem conteúdo alternativo.
– Com esse reconhecimento, outros editais da área de cultura como um que já foi lançado ano passado serão mais frequentes, beneficiando a quem procurar se organizar em instituições privadas sem fins lucrativos, que podem ser premiadas por concursos com recursos públicos ou mesmo privados, com patrocínio de empresas que estarão apoiando a cultura e utilizando os benefícios das respectivas leis do setor. Essa é uma forma de injeção de recursos que organiza, por meio de instituições, a produção de mídia alternativa, sem prejudicar ou enviezar o conteúdo em benefício de quem patrocina ou apóia.
– Outro caminho é por meio da Ciência e Tecnologia, reconhecendo que produzimos inovação na comunicação. Recursos dos fundos setoriais de telecomunicações podem estabelecer parcerias entre as instituições privadas sem fins lucrativos que produzem mídia alternativa e as universidades, especialmente as faculdades de comunicação e outras faculdades de áreas sociais, visando a estruturação e programação inovadora, a produção de conteúdos alternativos em novas mídias, o enriquecimento da formação dos universitários e também a colaboração destes com a propagação do conteúdo alternativo.
– Que o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, ou outra instituição que tenha o reconhecimento e a credibilidade da mídia alternativa, crie mecanismos de agregação de valor e credibilidade de quem produz conteúdo alternativo. Isso é uma discussão extremamente complexa, parece a princípio tirar a liberdade, mas a questão da credibilidade é essencial em relação a informação, seria interessante que houvesse de alguma forma um reconhecimento de credibilidade de quem produz a mídia alternativa, através de um selo ou coisa parecida. Como disse, é polêmico, eu acho interessante existir, inclusive algum local comum em que existam comentários e recomendações sobre os conteúdos, certamente há diversas formas de se dar mais confiança ou se levar a sério quem publica uma notícia, ou ainda de se descobrir que o site que estamos lendo não é pra ser levado a sério, até porque às vezes é de humor escrachado mesmo. (os “estagiários” da grande mídia às vezes caem nessas pegadinhas, inclusive!)
– Numa mesma linha, seria interessante existir algo como uma Ouvidoria, ou algum lugar que fosse possível trocar idéias, tal como uma mediação de comunidades de Orkut, ou de fóruns. Ter um local em que algumas pessoas que possuem reconhecido respeito de toda a mídia alternativa pudessem receber colaborações, críticas, sugestões ou denúncias seria muito bom, além de ser mais um bom caminho para receber “material de qualidade” vindo da grande mídia, a maioria dos produtores de conteúdo sabem que o feedback dos leitores e comentaristas é tão importante quanto o próprio conteúdo que produzem, a dinâmica torna cada assunto abordado praticamente um tópico de discussão, um fórum, um debate aberto.
– Lutar para permitir que os blogs da mídia alternativa passem a ser permitidos em empresas, pois a maioria dos sistemas de bloqueio impedem esse acesso. Há como acessar via leitores de RSS, mas é precário. A mídia alternativa já é principal fonte de informação de considerável grupo de pessoas. O tema da certificação também ajuda nesse aspecto, até para definir quais seriam os blogs e outras ferramentas que poderiam ser agrupados dessa forma.
– Essa é pra galera do software livre, sugiro que se construa gadgets que possam com poucos cliques acessar o conteúdo da mídia alternativa, que seja algo facilmente multiplicável e instalável em qualquer computador, que uma pessoa leiga possa ter acesso a esse conteúdo sem grande dificuldade.
– Como já existem bons sites divulgando a mídia alternativa, ou a replicando, minha velha idéia da existência de um grande portal que fosse referência para todos, parece envelhecida mesmo, e esse gadget sugerido no tópico anterior parece atender suficientemente.
– No Twitter, que exista uma lista de usuários vinculados à produção de mídia alternativa, que esteja disponível para todos e que seja constantemente atualizada. E que claro, também realizemos uma rede social e uma lista de discussão, todos esses importantes mecanismos de pré-produção de conteúdos para a mídia alternativa.
– Que os futuros encontros de mídia alternativa sejam precedidos de encontros locais (quando o caso), estaduais, regionais e depois um nacional. A produção local e regional é um foco bastante importante da mídia alternativa e uma lacuna da mídia tradicional, que só preocupa-se com áreas nobres e esquece das periferias, do restante do país, que só é lembrado com notícias ruins. Valorizar e integrar a divulgação regional é importante para o próprio avanço e ganho de credibilidade da mídia alternativa.
.
Serra desesperado: "esqueceram de mim"
Reproduzo artigo hilário de Rodrigo Vianna, publicado no blog "Escrevinhador":
O cartaz acima é peça de campanha do candidato tucano a governador no Ceará. Foi o Brizola Neto quem sugeriu que a gente tentasse procurar o nome de Serra no cartaz.
Juro que não achei.
O Marcos Cals prefere apenas a parceria com Tasso Jereissati. Serra foi excomungado. No Ceará é assim: Serra ou o Cals.
Pior é que, mesmo escondendo Serra, o Cals deve ir pro vinagre. Cid Gomes (PSB) deve levar no primeiro turno. Com apoio de Lula e da Dilma.
Mais engraçada é a situação de Sergio Guerra. O presidente nacional do PSDB é candidato a deputado federal em Pernambuco. Mas não é que apareceu um carro com adesivo do tucano ao lado de adesivo do Eduardo Campos (PSB) e da Dilma! E o Serra? Sumiu…
O Sérgio Guerra disse que a culpa é de um petista! Sim, um vereador petista do interior pernambucano. Segundo o Sergio Guerra, o sujeito resolveu colar os adesivos assim. Fazer o que… A Folha de Pernambuco diz que o tucano ficou uma arara com o fato!
Será?
Até a campanha do Sergio Guerra abandonou o Serra?
Mas calma minha gente: o Serra ainda tem o DataFolha.
E a Danuza.
E o Madureira. Do Casseta!
.
Serra parece um filhote do Bush
Por Altamiro Borges
Nos últimos dias, o candidato José Serra consolidou a sua guinada direitista ao tratar quase com exclusividade das relações externas do Brasil. Temeroso de atacar as políticas internas altamente populares do governo Lula, o demotucano concentrou seu ódio contra a ação soberana e altiva do Itamaraty. Em vários eventos e coletivas à imprensa, ele reforçou a imagem do “vira-lata”, criada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, mostrando total servilismo diante do império estadunidense.
As suas bravatas foram alvo de ironias. “Serra é candidato a Uribe”, fustigou o deputado Brizola Neto, lembrando que o presidente narcoterrorista da Colômbia deixará o governo nesta semana e que já tem substituto a capacho dos EUA. Já o blogueiro Luis Carlos Azenha afirmou que José Serra é “candidato a porta-voz de Washington”. Concordo com ambos, mas optei pela descrição corrosiva apresentada pelo Comitê Bolivariano de São Paulo: “Serra é um filhote de Bush”.
Platéia de 497 ricaços
Num almoço-debate ocorrido na semana passada, o ensandecido José Serra até parecia o próprio George W. Bush, o ex-presidente genocida dos EUA, rosnando colérico contra o “eixo do mal”. Para uma platéia de 497 ricaços – seduzidos pelo Grupo de Líderes Empresariais, o sinistro Lide, que encabeçou as manifestações fascistóides do falido movimento “Cansei” –, o demotucano se apresentou sem qualquer fantasia ou maquiagem dos marqueteiros e escancarou seu servilismo.
Ele criticou a atual política externa por priorizar as relações Sul-Sul e, de forma indireta, indicou que, se eleito, retomará a trágica orientação de FHC do “alinhamento automático” com os EUA. “Negócios são negócios”. Apesar dos estudos que indicam que o Brasil reduziu o impacto da crise capitalista ao diminuir a dependência com o império do norte e diversificar suas relações externas, Serra afirmou na maior caradura que o país “não tem política de comércio exterior”.
Seguindo o roteiro da CIA
Para o demotucano, que já disse que o Mercosul é inútil, o governo Lula faz “filantropia” com os países vizinhos. Para delírio dos empresários egoístas, ele questionou a remuneração cobrada ao governo do Paraguai pela energia da hidrelétrica de Itaipu. Também atacou a relações cordiais do presidente Lula com o governo cubano. “É amigo de Cuba? Então usa essa amizade para libertar os presos cubanos”, afirmou, sendo efusivamente aplaudido pelos ricaços anticomunistas.
Seguindo o roteiro da CIA, José Serra esbravejou contra a Venezuela no conflito provocado pela Colômbia. “É inegável que o Brasil tem simpatia maior pelo Chávez. E é inegável que o Chávez abriga as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]”. Nada disse sobre o presidente narcoterrorista Álvaro Uribe, que já invadiu o Equador e transformou a Colômbia num campo de extermínio, recordista mundial no assassinato de sindicalistas e território de esquadrões da morte.
“Fim melancólico da carreira política”
George Bush, o genocida que mentiu ao mundo para justificar a invasão do Iraque, deve admirar o “filhote” brasileiro. Nos bastidores de Washington, ele deve fazer seu lobby afirmando: “Esse é o cara”. Para Marco Aurélio Garcia, assessor do governo Lula, é constrangedor “ver uma pessoa que teve um passado de esquerda como José Serra ter corrido tanto em direção à direita, aquela direita mais raivosa, mais atrasada. Parece-me um final melancólico da sua carreira política”.
Vale o alerta do Comitê Bolivariano de São Paulo: “Derrotar Serra e o seu grupo passou a ser um ato de patriotismo e de defesa da democracia... É evitar que o Brasil se torne subalterno à política externa dos EUA... É derrotar o que existe de mais retrógrado no Brasil e na América do Sul, expressão das forças golpistas, de ontem e de hoje, que tantos danos têm causado. É derrotar os herdeiros de todas as ditaduras militares, dos filhinhos de Pinochet, de Carmona, chefe golpista da Venezuela, e de tantos genocidas que destruíram milhares de vidas na América Latina”.
.
Nos últimos dias, o candidato José Serra consolidou a sua guinada direitista ao tratar quase com exclusividade das relações externas do Brasil. Temeroso de atacar as políticas internas altamente populares do governo Lula, o demotucano concentrou seu ódio contra a ação soberana e altiva do Itamaraty. Em vários eventos e coletivas à imprensa, ele reforçou a imagem do “vira-lata”, criada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, mostrando total servilismo diante do império estadunidense.
As suas bravatas foram alvo de ironias. “Serra é candidato a Uribe”, fustigou o deputado Brizola Neto, lembrando que o presidente narcoterrorista da Colômbia deixará o governo nesta semana e que já tem substituto a capacho dos EUA. Já o blogueiro Luis Carlos Azenha afirmou que José Serra é “candidato a porta-voz de Washington”. Concordo com ambos, mas optei pela descrição corrosiva apresentada pelo Comitê Bolivariano de São Paulo: “Serra é um filhote de Bush”.
Platéia de 497 ricaços
Num almoço-debate ocorrido na semana passada, o ensandecido José Serra até parecia o próprio George W. Bush, o ex-presidente genocida dos EUA, rosnando colérico contra o “eixo do mal”. Para uma platéia de 497 ricaços – seduzidos pelo Grupo de Líderes Empresariais, o sinistro Lide, que encabeçou as manifestações fascistóides do falido movimento “Cansei” –, o demotucano se apresentou sem qualquer fantasia ou maquiagem dos marqueteiros e escancarou seu servilismo.
Ele criticou a atual política externa por priorizar as relações Sul-Sul e, de forma indireta, indicou que, se eleito, retomará a trágica orientação de FHC do “alinhamento automático” com os EUA. “Negócios são negócios”. Apesar dos estudos que indicam que o Brasil reduziu o impacto da crise capitalista ao diminuir a dependência com o império do norte e diversificar suas relações externas, Serra afirmou na maior caradura que o país “não tem política de comércio exterior”.
Seguindo o roteiro da CIA
Para o demotucano, que já disse que o Mercosul é inútil, o governo Lula faz “filantropia” com os países vizinhos. Para delírio dos empresários egoístas, ele questionou a remuneração cobrada ao governo do Paraguai pela energia da hidrelétrica de Itaipu. Também atacou a relações cordiais do presidente Lula com o governo cubano. “É amigo de Cuba? Então usa essa amizade para libertar os presos cubanos”, afirmou, sendo efusivamente aplaudido pelos ricaços anticomunistas.
Seguindo o roteiro da CIA, José Serra esbravejou contra a Venezuela no conflito provocado pela Colômbia. “É inegável que o Brasil tem simpatia maior pelo Chávez. E é inegável que o Chávez abriga as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]”. Nada disse sobre o presidente narcoterrorista Álvaro Uribe, que já invadiu o Equador e transformou a Colômbia num campo de extermínio, recordista mundial no assassinato de sindicalistas e território de esquadrões da morte.
“Fim melancólico da carreira política”
George Bush, o genocida que mentiu ao mundo para justificar a invasão do Iraque, deve admirar o “filhote” brasileiro. Nos bastidores de Washington, ele deve fazer seu lobby afirmando: “Esse é o cara”. Para Marco Aurélio Garcia, assessor do governo Lula, é constrangedor “ver uma pessoa que teve um passado de esquerda como José Serra ter corrido tanto em direção à direita, aquela direita mais raivosa, mais atrasada. Parece-me um final melancólico da sua carreira política”.
Vale o alerta do Comitê Bolivariano de São Paulo: “Derrotar Serra e o seu grupo passou a ser um ato de patriotismo e de defesa da democracia... É evitar que o Brasil se torne subalterno à política externa dos EUA... É derrotar o que existe de mais retrógrado no Brasil e na América do Sul, expressão das forças golpistas, de ontem e de hoje, que tantos danos têm causado. É derrotar os herdeiros de todas as ditaduras militares, dos filhinhos de Pinochet, de Carmona, chefe golpista da Venezuela, e de tantos genocidas que destruíram milhares de vidas na América Latina”.
.
domingo, 1 de agosto de 2010
Um ano sem o diploma de jornalista
Reproduzo artigo de Pedro Pomar, publicado no blog Escrevinhador:
Faz um ano que o Supremo Tribunal Federal cassou a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. A decisão representou um dos pontos mais baixos da história da instituição que deveria ser, em tese, a mais preparada para ministrar a justiça em nosso país. O patronato, pela voz de seus representantes mais célebres — Organizações Globo, Editora Abril, Folha de S. Paulo, Estadão, Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) — aplaudiu.
É verdade que não foi nem a primeira, nem a última vez que o STF atende aos anseios das oligarquias em detrimento da sociedade. Certamente não esqueceremos o recente perdão que concedeu aos crimes da ditadura militar e aos agentes públicos que os cometeram. Uma deliberação política, absolutamente odiosa, verdadeiro atentado contra a Humanidade.
No julgamento de 17/6/2009, os ministros do STF demonstraram profunda ignorância, aliada a uma certa dose de má fé, quando encamparam as alegações do patronato contra a exigência legal do curso superior de jornalismo como condição para o exercício da profissão de jornalista.
Os patrões, é bom destacar, não se limitaram a discursar contra o diploma, como sempre fizeram. O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) juntou-se ao procurador André Ramos, do Ministério Público Federal em São Paulo, autor da ação civil pública contra a União, e ambos impetraram recurso no STF contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3a região favorável ao diploma.
O principal “argumento” dos ministros, com base no arrazoado do procurador, é de que o diploma fere as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento e a liberdade do exercício profissional (previstas no artigo 5º da Constituição Federal).
É intrigante: no país que abriga um dos mais poderosos, modernos e concentrados sistemas de mídia do mundo, em que cerca de 90% da produção de bens culturais e simbólicos — inclusive os produtos jornalísticos — estão sob controle de uma dezena de grandes grupos empresariais (e um único deles, as Organizações Globo, responde sozinho por 70% do setor), o STF resolveu que é o diploma de jornalista que fere a liberdade de expressão…
Ora, quando falamos em “liberdade de expressão” vamos muito além do jornalismo. A produção e o consumo de informações jornalísticas são apenas parte da esfera da comunicação social. A expressão humana, ou seja, todo tipo de manifestações que caracterizam a comunicação social, é algo muito mais amplo do que a produção de informações de natureza jornalística. Há uma enorme variedade de manifestações de toda ordem (dialógicas, pedagógicas, artísticas, científicas), autônomas ou veiculadas pelos meios de comunicação, que não têm qualquer relação direta com o jornalismo.
Apartheid social
Por outro lado, o jornalismo também comporta uma enorme quantidade de manifestações de não jornalistas. Mesmo assim, este espaço deveria, sim, ser mais democrático, mais plural, mais aberto ao contraditório. Acontece que não é o diploma de jornalismo que faz da mídia comercial, hegemônica, um carrasco da liberdade de expressão, e sim o caráter oligárquico desses jornais, revistas e emissoras (de rádio e TV) sempre preocupados em perpetuar o apartheid social existente no Brasil.
São os proprietários da mídia comercial, e não os jornalistas enquanto categoria profissional, os principais responsáveis pela censura e pelo cerceamento da liberdade de expressão no Brasil. Será que a mídia melhorou após a cassação do diploma de jornalista? A liberdade de expressão afirmou-se no jornalismo brasileiro, livre que está do diabólico diploma? Não, definitivamente não!
Vejamos alguns fatos pós-17/6/2009:
1- A reforma editorial da Folha de S. Paulo incluiu o expurgo de alguns dos melhores colunistas do jornal, entre eles Paulo Nogueira Batista Jr., economista que é um tradicional crítico do neoliberalismo. Paulo Nogueira ficou sabendo do fim de sua coluna na véspera. “Liberdade de expressão” ou macartismo?
2- O editor da versão brasileira da National Geographic criticou, em seu blog pessoal, matéria da revista Veja que distorceu considerações de um antropólogo sobre comunidades indígenas. Ambas as publicações pertencem à Editora Abril. O jornalista da National Geographic foi imediatamente demitido. “Liberdade de expressão” ou truculência?
3- O reajuste de 7,7% nos benefícios do regime geral da Previdência Social, para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo, decidido pelo Congresso e sancionado por Lula, foi tratado por alguns veículos na base do deboche e da chacota, como mero expediente eleitoral, desconsiderando-se, assim, a luta travada durante anos a fio pelos aposentados e por alguns parlamentares contra o “fator previdenciário” e o arrocho que levou, historicamente, a enormes perdas nos valores recebidos. “Liberdade de expressão” ou dirigismo editorial?
O diploma, ou seja, o curso superior específico de jornalismo, não garante sozinho a qualidade do jornalismo praticado, mas é um dos fatores que contribuem para tanto. Inversamente, sua supressão tenderá a piorar as coisas. Incidentes como os descritos acima vão multiplicar-se num ambiente em que caberá aos patrões não só escolher quem trabalhará em suas empresas midiáticas, mas também “formar” a seu bel prazer os escolhidos, conforme os padrões mercantis, avessos à ética jornalística e ao compromisso com a sociedade.
.
Faz um ano que o Supremo Tribunal Federal cassou a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. A decisão representou um dos pontos mais baixos da história da instituição que deveria ser, em tese, a mais preparada para ministrar a justiça em nosso país. O patronato, pela voz de seus representantes mais célebres — Organizações Globo, Editora Abril, Folha de S. Paulo, Estadão, Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) — aplaudiu.
É verdade que não foi nem a primeira, nem a última vez que o STF atende aos anseios das oligarquias em detrimento da sociedade. Certamente não esqueceremos o recente perdão que concedeu aos crimes da ditadura militar e aos agentes públicos que os cometeram. Uma deliberação política, absolutamente odiosa, verdadeiro atentado contra a Humanidade.
No julgamento de 17/6/2009, os ministros do STF demonstraram profunda ignorância, aliada a uma certa dose de má fé, quando encamparam as alegações do patronato contra a exigência legal do curso superior de jornalismo como condição para o exercício da profissão de jornalista.
Os patrões, é bom destacar, não se limitaram a discursar contra o diploma, como sempre fizeram. O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) juntou-se ao procurador André Ramos, do Ministério Público Federal em São Paulo, autor da ação civil pública contra a União, e ambos impetraram recurso no STF contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3a região favorável ao diploma.
O principal “argumento” dos ministros, com base no arrazoado do procurador, é de que o diploma fere as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento e a liberdade do exercício profissional (previstas no artigo 5º da Constituição Federal).
É intrigante: no país que abriga um dos mais poderosos, modernos e concentrados sistemas de mídia do mundo, em que cerca de 90% da produção de bens culturais e simbólicos — inclusive os produtos jornalísticos — estão sob controle de uma dezena de grandes grupos empresariais (e um único deles, as Organizações Globo, responde sozinho por 70% do setor), o STF resolveu que é o diploma de jornalista que fere a liberdade de expressão…
Ora, quando falamos em “liberdade de expressão” vamos muito além do jornalismo. A produção e o consumo de informações jornalísticas são apenas parte da esfera da comunicação social. A expressão humana, ou seja, todo tipo de manifestações que caracterizam a comunicação social, é algo muito mais amplo do que a produção de informações de natureza jornalística. Há uma enorme variedade de manifestações de toda ordem (dialógicas, pedagógicas, artísticas, científicas), autônomas ou veiculadas pelos meios de comunicação, que não têm qualquer relação direta com o jornalismo.
Apartheid social
Por outro lado, o jornalismo também comporta uma enorme quantidade de manifestações de não jornalistas. Mesmo assim, este espaço deveria, sim, ser mais democrático, mais plural, mais aberto ao contraditório. Acontece que não é o diploma de jornalismo que faz da mídia comercial, hegemônica, um carrasco da liberdade de expressão, e sim o caráter oligárquico desses jornais, revistas e emissoras (de rádio e TV) sempre preocupados em perpetuar o apartheid social existente no Brasil.
São os proprietários da mídia comercial, e não os jornalistas enquanto categoria profissional, os principais responsáveis pela censura e pelo cerceamento da liberdade de expressão no Brasil. Será que a mídia melhorou após a cassação do diploma de jornalista? A liberdade de expressão afirmou-se no jornalismo brasileiro, livre que está do diabólico diploma? Não, definitivamente não!
Vejamos alguns fatos pós-17/6/2009:
1- A reforma editorial da Folha de S. Paulo incluiu o expurgo de alguns dos melhores colunistas do jornal, entre eles Paulo Nogueira Batista Jr., economista que é um tradicional crítico do neoliberalismo. Paulo Nogueira ficou sabendo do fim de sua coluna na véspera. “Liberdade de expressão” ou macartismo?
2- O editor da versão brasileira da National Geographic criticou, em seu blog pessoal, matéria da revista Veja que distorceu considerações de um antropólogo sobre comunidades indígenas. Ambas as publicações pertencem à Editora Abril. O jornalista da National Geographic foi imediatamente demitido. “Liberdade de expressão” ou truculência?
3- O reajuste de 7,7% nos benefícios do regime geral da Previdência Social, para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo, decidido pelo Congresso e sancionado por Lula, foi tratado por alguns veículos na base do deboche e da chacota, como mero expediente eleitoral, desconsiderando-se, assim, a luta travada durante anos a fio pelos aposentados e por alguns parlamentares contra o “fator previdenciário” e o arrocho que levou, historicamente, a enormes perdas nos valores recebidos. “Liberdade de expressão” ou dirigismo editorial?
O diploma, ou seja, o curso superior específico de jornalismo, não garante sozinho a qualidade do jornalismo praticado, mas é um dos fatores que contribuem para tanto. Inversamente, sua supressão tenderá a piorar as coisas. Incidentes como os descritos acima vão multiplicar-se num ambiente em que caberá aos patrões não só escolher quem trabalhará em suas empresas midiáticas, mas também “formar” a seu bel prazer os escolhidos, conforme os padrões mercantis, avessos à ética jornalística e ao compromisso com a sociedade.
.
O "efeito silenciador" da grande mídia
Reproduzo artigo de Venício Lima, publicado no sítio Carta Maior:
Desde a convocação da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), em abril de 2009, os grandes grupos de mídia e seus aliados decidiram intensificar a estratégia de oposição ao governo e aos partidos que lhe dão sustentação. Nessa estratégia – assumida pela presidente da ANJ e superintendente do grupo Folha – um dos pontos consiste em alardear publicamente que o país vive sob ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão [e, sem mais, a liberdade da imprensa] corre sério risco.
Além da satanização da própria Confecom, são exemplos recentes dessa estratégia, a violenta resistência ao PNDH3 e o carnaval feito em torno da primeira proposta de programa de governo entregue ao TSE pela candidata Dilma Roussef (vide, por exemplo, a capa, o editorial e a matéria interna da revista Veja, edição n. 2173).
A liberdade – o eterno tema de combate do liberalismo clássico – está na centro da “batalha das idéias” que se trava no dia-a-dia, através da grande mídia, e se transformou em poderoso instrumento de campanha eleitoral. Às vezes, parece até mesmo que voltamos, no Brasil, aos superados tempos da “guerra fria”.
O efeito silenciador
Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A ironia da liberdade de expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.
Fiss introduz o conceito de “efeito silenciador” quando discute que, ao contrário do que apregoam os liberais clássicos, o Estado não é um inimigo natural da liberdade. O Estado pode ser uma fonte de liberdade, por exemplo, quando promove “a robustez do debate público em circunstâncias nas quais poderes fora do Estado estão inibindo o discurso. Ele pode ter que alocar recursos públicos – distribuir megafones – para aqueles cujas vozes não seriam escutadas na praça pública de outra maneira. Ele pode até mesmo ter que silenciar as vozes de alguns para ouvir as vozes dos outros. Algumas vezes não há outra forma”.
Fiss usa como exemplo os discursos de incitação ao ódio, a pornografia e os gastos ilimitados nas campanhas eleitorais. As vítimas do ódio têm sua auto-estima destroçada; as mulheres se transformam em objetos sexuais e os “menos prósperos” ficam em desvantagem na arena política.
Em todos esses casos, “o efeito silenciador vem do próprio discurso”, isto é, “a agência que ameaça o discurso não é Estado”. Cabe, portanto, ao Estado promover e garantir o debate aberto e integral e assegurar “que o público ouça a todos que deveria”, ou ainda, garanta a democracia exigindo “que o discurso dos poderosos não soterre ou comprometa o discurso dos menos poderosos”.
Especificamente no caso da liberdade de expressão, existem situações em que o “remédio” liberal clássico de mais discurso, ao invés da regulação do Estado, simplesmente não funciona. Aqueles que supostamente poderiam responder ao discurso dominante não têm acesso às formas de fazê-lo.
Creio que o exemplo emblemático dessa última situação é o acesso ao debate público nas sociedades onde ele (ainda) é controlado pelos grandes grupos de mídia.
Censura disfarçada
A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.
Ao usar como estratégia de oposição política o bordão da ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão corre risco, os grandes grupos de mídia transformam a liberdade de expressão num fim em si mesmo. Ademais, escamoteiam a realidade de que, no Brasil, o debate público não só [ainda] é pautado pela grande mídia como uma imensa maioria da população a ele não tem acesso e é dele historicamente excluída.
Nossa imprensa tardia se desenvolveu nos marcos do de um “liberalismo antidemocrático” no qual as normas e procedimentos relativos a outorgas e renovações de concessões de radiodifusão são responsáveis pela concentração da propriedade nas mãos de tradicionais oligarquias políticas regionais e locais (nunca tivemos qualquer restrição efetiva à propriedade cruzada), e impedem a efetiva pluralidade e diversidade nos meios de comunicação.
A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia, na prática, funciona como uma censura disfarçada.
Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.
.
Desde a convocação da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), em abril de 2009, os grandes grupos de mídia e seus aliados decidiram intensificar a estratégia de oposição ao governo e aos partidos que lhe dão sustentação. Nessa estratégia – assumida pela presidente da ANJ e superintendente do grupo Folha – um dos pontos consiste em alardear publicamente que o país vive sob ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão [e, sem mais, a liberdade da imprensa] corre sério risco.
Além da satanização da própria Confecom, são exemplos recentes dessa estratégia, a violenta resistência ao PNDH3 e o carnaval feito em torno da primeira proposta de programa de governo entregue ao TSE pela candidata Dilma Roussef (vide, por exemplo, a capa, o editorial e a matéria interna da revista Veja, edição n. 2173).
A liberdade – o eterno tema de combate do liberalismo clássico – está na centro da “batalha das idéias” que se trava no dia-a-dia, através da grande mídia, e se transformou em poderoso instrumento de campanha eleitoral. Às vezes, parece até mesmo que voltamos, no Brasil, aos superados tempos da “guerra fria”.
O efeito silenciador
Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A ironia da liberdade de expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.
Fiss introduz o conceito de “efeito silenciador” quando discute que, ao contrário do que apregoam os liberais clássicos, o Estado não é um inimigo natural da liberdade. O Estado pode ser uma fonte de liberdade, por exemplo, quando promove “a robustez do debate público em circunstâncias nas quais poderes fora do Estado estão inibindo o discurso. Ele pode ter que alocar recursos públicos – distribuir megafones – para aqueles cujas vozes não seriam escutadas na praça pública de outra maneira. Ele pode até mesmo ter que silenciar as vozes de alguns para ouvir as vozes dos outros. Algumas vezes não há outra forma”.
Fiss usa como exemplo os discursos de incitação ao ódio, a pornografia e os gastos ilimitados nas campanhas eleitorais. As vítimas do ódio têm sua auto-estima destroçada; as mulheres se transformam em objetos sexuais e os “menos prósperos” ficam em desvantagem na arena política.
Em todos esses casos, “o efeito silenciador vem do próprio discurso”, isto é, “a agência que ameaça o discurso não é Estado”. Cabe, portanto, ao Estado promover e garantir o debate aberto e integral e assegurar “que o público ouça a todos que deveria”, ou ainda, garanta a democracia exigindo “que o discurso dos poderosos não soterre ou comprometa o discurso dos menos poderosos”.
Especificamente no caso da liberdade de expressão, existem situações em que o “remédio” liberal clássico de mais discurso, ao invés da regulação do Estado, simplesmente não funciona. Aqueles que supostamente poderiam responder ao discurso dominante não têm acesso às formas de fazê-lo.
Creio que o exemplo emblemático dessa última situação é o acesso ao debate público nas sociedades onde ele (ainda) é controlado pelos grandes grupos de mídia.
Censura disfarçada
A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.
Ao usar como estratégia de oposição política o bordão da ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão corre risco, os grandes grupos de mídia transformam a liberdade de expressão num fim em si mesmo. Ademais, escamoteiam a realidade de que, no Brasil, o debate público não só [ainda] é pautado pela grande mídia como uma imensa maioria da população a ele não tem acesso e é dele historicamente excluída.
Nossa imprensa tardia se desenvolveu nos marcos do de um “liberalismo antidemocrático” no qual as normas e procedimentos relativos a outorgas e renovações de concessões de radiodifusão são responsáveis pela concentração da propriedade nas mãos de tradicionais oligarquias políticas regionais e locais (nunca tivemos qualquer restrição efetiva à propriedade cruzada), e impedem a efetiva pluralidade e diversidade nos meios de comunicação.
A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia, na prática, funciona como uma censura disfarçada.
Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.
.
TVT vai ao ar em 22 de agosto
Reproduzo artigo de Lia Segre, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:
Está marcada para 22 de agosto a estréia da TV dos Trabalhadores (TVT). A transmissão inaugural põe fim a uma espera de 23 anos, desde o primeiro pedido de concessão feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Será, também, um marco para a TV aberta brasileira. A TVT é a primeira emissora ligada a movimentos sociais a garantir seu espaço entre os canais abertos brasileiros.
Gestora da TV, a Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho é mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mas sua diretoria é também composta por outros grandes sindicatos da região. O peso da representação destas organizações e nem mesmo o fato de um ex-presidente do sindicato ter se tornado o presidente da República, entretanto, não foi suficiente para abreviar a longa espera pela concessão, nem diminuir as dificuldades para colocar a emissora no ar.
A outorga foi concedida em 2005 e reserva o canal 46 UHF em Mogi das Cruzes (SP). A programação será ainda transmitida pela TV a cabo, através da Rede NGT e de algumas emissoras comunitárias. Além disso, a TVT terá toda sua produção disponível na internet e funcionará totalmente integrada com essa mídia. “A ideia geral é abrir acesso à TV a quem nunca teve”, afirmou Valter Sanches, diretor da fundação, fazendo menção à concentração da mídia no país.
Segundo ele, o orçamento da TVT será de R$ 400 mil por mês – na sua opinião, um valor “espartano, muito pouco para TV”. Para poder pleitear o canal, a fundação precisou de um aporte financeiro de 12 milhões de reais. Com isso, tem condições de se sustentar por dois anos. Segundo Sanches, a categoria decidiu, em congresso, investir na causa. Assim, todo o dinheiro utilizado para comprovar a saúde financeira da fundação foi dado por ela, e “não necessariamente será gasto”.
Às vésperas do lançamento do canal, a diretoria da TVT se esforça para colocar a emissora no ar inclusive com o objetivo de atrair mais parceiros par ao projeto – como outras categorias, partidos, movimentos sociais.
Parcerias
Antes de conseguir a outorga, a TVT era um acervo de 4 mil fitas guardadas em um escritório em São Bernardo do Campo e que documentam momentos da história do país desde 1986, quando a produtora foi fundada. Mais recentemente, começaram a ser produzidos alguns programas, que podiam ser acessados pela internet.
A decisão de ampliar o alcance do projeto e transformar a TVT em um canal de TV foi determinação de congresso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “Há muito tempo a base decidiu entrar na disputa por uma concessão e ocupar espaço na luta pela democratização dos meios de comunicação”, comentou Sanches.
De início, a TVT terá uma hora e meia de produção própria por dia. A emissora produzirá um telejornal regional e programas semanais como Memória e Contexto (que utilizará o longo acervo audiovisual do sindicato), Boa Gente (entrevista com personagens que se dedicam ao coletivo), Coopera Brasil (sobre economia solidária) e o Click e Ligue, um programa que cobrirá as redes sociais e buscará disseminar o uso de novas e velhas tecnologias. O restante da grade de programação será preenchido por reportagens e documentários da TV Brasil e das TVs Câmara e Senado.
Internet
A TVT terá relação íntima com a internet. Todo material produzido estará disponível no portal da emissora, de modo que possa ser “envedado” automaticamente, ou seja, copiado livremente para outros sites, blogs, celular, redes sociais. Para esta finalidade, os conteúdos estarão disponíveis em formato grande e em pacotes de uma hora de programação. Já para a exibição online, os programas serão disponibilizados em partes menores, por exemplo, notícias separadas do telejornal.
Uma inovação são as possibilidades de comentários nas matérias e programas. O sistema aceitará comentários escritos, mas também comentários em vídeo, que podem ser gravados com webcam, e disponibilizados no site. A direção da TV estuda utilizar estes comentários também nas transmissões da emissora.
Outra aposta é nos blogs dos programas, que serão mantidos pelos repórteres, colunistas e colaboradores. Assim, informações que não entraram nas matérias de vídeo poderão ser detalhadas em texto. Além, disso, como tentativa de humanizar as matérias, os repórteres, cinegrafistas e outros profissionais que participam das coberturas serão entrevistados em algumas matérias, para darem um relato pessoal dos acontecimentos. A equipe da TVT será composta por 70 profissionais.
.
Está marcada para 22 de agosto a estréia da TV dos Trabalhadores (TVT). A transmissão inaugural põe fim a uma espera de 23 anos, desde o primeiro pedido de concessão feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Será, também, um marco para a TV aberta brasileira. A TVT é a primeira emissora ligada a movimentos sociais a garantir seu espaço entre os canais abertos brasileiros.
Gestora da TV, a Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho é mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mas sua diretoria é também composta por outros grandes sindicatos da região. O peso da representação destas organizações e nem mesmo o fato de um ex-presidente do sindicato ter se tornado o presidente da República, entretanto, não foi suficiente para abreviar a longa espera pela concessão, nem diminuir as dificuldades para colocar a emissora no ar.
A outorga foi concedida em 2005 e reserva o canal 46 UHF em Mogi das Cruzes (SP). A programação será ainda transmitida pela TV a cabo, através da Rede NGT e de algumas emissoras comunitárias. Além disso, a TVT terá toda sua produção disponível na internet e funcionará totalmente integrada com essa mídia. “A ideia geral é abrir acesso à TV a quem nunca teve”, afirmou Valter Sanches, diretor da fundação, fazendo menção à concentração da mídia no país.
Segundo ele, o orçamento da TVT será de R$ 400 mil por mês – na sua opinião, um valor “espartano, muito pouco para TV”. Para poder pleitear o canal, a fundação precisou de um aporte financeiro de 12 milhões de reais. Com isso, tem condições de se sustentar por dois anos. Segundo Sanches, a categoria decidiu, em congresso, investir na causa. Assim, todo o dinheiro utilizado para comprovar a saúde financeira da fundação foi dado por ela, e “não necessariamente será gasto”.
Às vésperas do lançamento do canal, a diretoria da TVT se esforça para colocar a emissora no ar inclusive com o objetivo de atrair mais parceiros par ao projeto – como outras categorias, partidos, movimentos sociais.
Parcerias
Antes de conseguir a outorga, a TVT era um acervo de 4 mil fitas guardadas em um escritório em São Bernardo do Campo e que documentam momentos da história do país desde 1986, quando a produtora foi fundada. Mais recentemente, começaram a ser produzidos alguns programas, que podiam ser acessados pela internet.
A decisão de ampliar o alcance do projeto e transformar a TVT em um canal de TV foi determinação de congresso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “Há muito tempo a base decidiu entrar na disputa por uma concessão e ocupar espaço na luta pela democratização dos meios de comunicação”, comentou Sanches.
De início, a TVT terá uma hora e meia de produção própria por dia. A emissora produzirá um telejornal regional e programas semanais como Memória e Contexto (que utilizará o longo acervo audiovisual do sindicato), Boa Gente (entrevista com personagens que se dedicam ao coletivo), Coopera Brasil (sobre economia solidária) e o Click e Ligue, um programa que cobrirá as redes sociais e buscará disseminar o uso de novas e velhas tecnologias. O restante da grade de programação será preenchido por reportagens e documentários da TV Brasil e das TVs Câmara e Senado.
Internet
A TVT terá relação íntima com a internet. Todo material produzido estará disponível no portal da emissora, de modo que possa ser “envedado” automaticamente, ou seja, copiado livremente para outros sites, blogs, celular, redes sociais. Para esta finalidade, os conteúdos estarão disponíveis em formato grande e em pacotes de uma hora de programação. Já para a exibição online, os programas serão disponibilizados em partes menores, por exemplo, notícias separadas do telejornal.
Uma inovação são as possibilidades de comentários nas matérias e programas. O sistema aceitará comentários escritos, mas também comentários em vídeo, que podem ser gravados com webcam, e disponibilizados no site. A direção da TV estuda utilizar estes comentários também nas transmissões da emissora.
Outra aposta é nos blogs dos programas, que serão mantidos pelos repórteres, colunistas e colaboradores. Assim, informações que não entraram nas matérias de vídeo poderão ser detalhadas em texto. Além, disso, como tentativa de humanizar as matérias, os repórteres, cinegrafistas e outros profissionais que participam das coberturas serão entrevistados em algumas matérias, para darem um relato pessoal dos acontecimentos. A equipe da TVT será composta por 70 profissionais.
.
Dez falsos motivos para não votar em Dilma
Reproduzo artigo de Jorge Furtado, publicado em seu blog:
Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.
Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia [1].
Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.
Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.
1- “Alternância no poder é bom”.
Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.
2- “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.
Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias.
O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo.
José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM [2], da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.
3- “Dilma não é simpática”.
Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.
4- “Dilma não tem experiência”.
Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.
5- “Dilma foi terrorista”.
Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.
6- “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.
Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.
7- “Serra vai moralizar a política”.
Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista – no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC – foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país.
Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.
8- “O PT apóia as Farc”.
Argumento falso. É fato que, no passado, as Farc ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?
9- “O PT censura a imprensa”.
Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.
10- “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.
Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.
NOTAS
1- Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.
- Geração de empregos:
FHC/Serra = 780 mil
Lula/Dilma = 12 milhões
- Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares
Lula/Dilma = 290 dólares
- Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões
Lula/Dilma = 27 milhões
- Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos
Lula/Dilma = 200 pontos
- Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00
Lula/Dilma = R$ 1,78
- Reservas cambiais:
FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos
Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.
- Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14%
Lula/Dilma = 34%
- Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20%
Lula/Dilma = aumento de 30%
- Taxa de juros:
FHC/Serra = 27%
Lula/Dilma = 10,75%
2- Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10: José Serra começou sua campanha dizendo: “Não aceito o raciocínio do nós contra eles”, e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.
.
Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.
Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia [1].
Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.
Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.
1- “Alternância no poder é bom”.
Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.
2- “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.
Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias.
O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo.
José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM [2], da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.
3- “Dilma não é simpática”.
Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.
4- “Dilma não tem experiência”.
Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.
5- “Dilma foi terrorista”.
Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.
6- “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.
Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.
7- “Serra vai moralizar a política”.
Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista – no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC – foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país.
Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.
8- “O PT apóia as Farc”.
Argumento falso. É fato que, no passado, as Farc ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?
9- “O PT censura a imprensa”.
Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.
10- “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.
Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.
NOTAS
1- Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.
- Geração de empregos:
FHC/Serra = 780 mil
Lula/Dilma = 12 milhões
- Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares
Lula/Dilma = 290 dólares
- Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões
Lula/Dilma = 27 milhões
- Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos
Lula/Dilma = 200 pontos
- Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00
Lula/Dilma = R$ 1,78
- Reservas cambiais:
FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos
Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.
- Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14%
Lula/Dilma = 34%
- Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20%
Lula/Dilma = aumento de 30%
- Taxa de juros:
FHC/Serra = 27%
Lula/Dilma = 10,75%
2- Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10: José Serra começou sua campanha dizendo: “Não aceito o raciocínio do nós contra eles”, e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.
.
Gilmar Mendes: Há juízes em São Paulo
Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog “Brasília, eu vi”:
Com o apoio dos setores mais conservadores e reacionários da mídia nativa, o ministro Gilmar Mendes reinou como uma espécie de déspota de toga sobre o Judiciário, a opiniãó pública e o bom senso, mesmo sendo protagonista de um dos momentos mais vexatórios da Justiça brasileira: a dupla libertação do banqueiro Daniel Dantas, graças a dois habeas corpus concedidos por Mendes, em menos de 48 horas. Dantas acabou condenado a 10 anos de prisão por ter subornado um delegado da Polícia Federal, em uma ação controlada pela Justiça, durante a Operação Satiagraha, justamente a razão do segundo pedido de prisão encaminhado pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6a Vara Criminal Federal de São Paulo.
Cercado de bajuladores e blindado pelo corporativismo do STF, Gilmar Mendes tornou-se uma celebridade de cera e, como tal, passou por um rápido processo de descolamento da realidade, certo de que logo seria um tirano amado e admirado por seus atos e palavras. O arquivamento da ação movida por ele contra o jornalista Paulo Henrique Amorim e mais três repórteres da revista IstoÉ revela, no entanto, que o tamanho do tombo é o tamanho da fantasia. Mendes terá que viver, cada vez mais, com a vergonha pública de ter usado a toga e as leis do país para beneficiar descaradamente um banqueiro condenado pela Justiça, ou como diz PHA, um passador de bola pego no ato de passar a bola. Pior, longe da presidência da Supremo, reduzido à insignificância da rotina de ministro, não lhe restará nem mesmo um mísero colunista de ocasião para lhe fazer a defesa, nem mesmo em nome dos velhos tempos.
“Justiça manda arquivar ação de Gilmar Mendes contra PHA”, do blog Conversa Afiada:
O Juiz Federal Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, da 4ª. Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, no dia 2 de julho de 2010, decidiu: “ARQUIVEM-SE” os autos de uma ação criminal que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes movia contra Paulo Henrique Amorim, Mino Pedrosa, Luiza Villaméa e Hugo Marques, da revista Istoé. O motivo foram informações relacionadas a desdobramentos da Operação Satiagraha e a decisão de Mendes da dar dois Habeas Corpus a Daniel Dantas em 48 horas.
O Juiz Chaves de Oliveira acolheu a manifestação da Procuradora da República Adriana Scordamaglia, que pediu o arquivamento da ação. Seguem-se trechos – brilhantes ! – da manifestação da Procuradora Scordamaglia:
“A Constituição fixa todos os critérios para assegurar a liberdade de imprensa, de informação e expressão. É que se mostra muito tênue a linha divisória entre calúnia, difamação e injuria e o direito de informar e se expressar”.
“O artigo 220 da Carta Magna determina que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão nenhuma restrição … o parágrafo 1º. do artigo 220 impõe limites à lei infra-constitucional, prescrevendo que não poderá conter dispositivo embaraçador da plena liberdade de informação jornalística”.
“Daí percebe-se o cuidado que se deve ter em separar aquilo que de fato é passível de responsabilização e aquilo que apenas se enquadra no direito de informação, expressão e jornalístico. Se assim não fosse, estaríamos retrocedendo à época da ditadura militar e teríamos de aceitar, ainda que de forma velada, o retorno da censura e blindagem de autoridades em relação ao trabalho jornalístico, privando os cidadãos de seu direito de livre acesso á informação.”
“Bem, tudo isso não passaria de mais uma celeuma jurídica, se não fosse por um motivo: o requerente, suposto ofendido, é um membro do Supremo Tribunal Federal que, não bastasse, votou favoravelmente à suspensão da Lei de Imprensa.”
“Tudo a patentear que Imprensa e Democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Uma a dizer para a outra, solene e agradecidamente, ‘eu sou quem sou para serdes vós quem sois’ (verso colhido em Vicente Carvalho, no bojo do poema ‘Soneto de Mudança’). Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão de liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja.”
“A democracia avulta como síntese dos fundamentos da nossa República Federativa (‘soberania’, ‘cidadania’, ‘dignidade da pessoa humana’, ‘valores sociais do trabalho’ e da ‘livre iniciativa e pluralismo político’) e dos objetivos fundamentais desse mesmo Estado Republicano Federativo (‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, ‘garantir o desenvolvimento nacional’, ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação’).”
“A democracia de que trata a Constituição de 88 é tanto indireta ou representativa … quanto direta ou participativa … além de se traduzir num modelo de organização estatal que se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência e ou visibilidade do poder. Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação … e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa. (Capitulo V, Titulo VIII).”
“Se a liberdade à informação for de relevante interesse social, o direito à vida privada deve ser afastado em detrimento do interesse publico-social dessa liberdade de informação plenamente definida e limitada.”
“No caso em tela o crime contra a honra estaria caracterizado caso houvesse, por parte do jornalistas, a intenção de denegrir a imagem do Supremo tribunal Federal, em especial do ministro Gilmar Mendes e de seus assessores (Vinte e oito assessores de Gilmar Mendes no STF assinam a ação – PHA), o que não restou comprovado … Não se vislumbrou a pratica de crimes contra a honra, mas apenas o exercício do direito de informação e expressão.”
“Os mesmos fatos ora apurados foram alvo de criticas não apenas pelos jornalistas aqui mencionados, mas por diversos outros, inclusive juristas renomados e autoridades públicas. E não faltaram reportagens questionando a atuação do ministro Gilmar Mendes, e a acrobacia feita para legitimar a competência do STF na análise do Habeas Corpus impetrado em favor do mencionado banqueiro (Daniel Dantas). Pergunta-se, então, se todos os críticos do governo deveriam ser processados e presos. A resposta, por óbvio, é não.”
.
Com o apoio dos setores mais conservadores e reacionários da mídia nativa, o ministro Gilmar Mendes reinou como uma espécie de déspota de toga sobre o Judiciário, a opiniãó pública e o bom senso, mesmo sendo protagonista de um dos momentos mais vexatórios da Justiça brasileira: a dupla libertação do banqueiro Daniel Dantas, graças a dois habeas corpus concedidos por Mendes, em menos de 48 horas. Dantas acabou condenado a 10 anos de prisão por ter subornado um delegado da Polícia Federal, em uma ação controlada pela Justiça, durante a Operação Satiagraha, justamente a razão do segundo pedido de prisão encaminhado pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6a Vara Criminal Federal de São Paulo.
Cercado de bajuladores e blindado pelo corporativismo do STF, Gilmar Mendes tornou-se uma celebridade de cera e, como tal, passou por um rápido processo de descolamento da realidade, certo de que logo seria um tirano amado e admirado por seus atos e palavras. O arquivamento da ação movida por ele contra o jornalista Paulo Henrique Amorim e mais três repórteres da revista IstoÉ revela, no entanto, que o tamanho do tombo é o tamanho da fantasia. Mendes terá que viver, cada vez mais, com a vergonha pública de ter usado a toga e as leis do país para beneficiar descaradamente um banqueiro condenado pela Justiça, ou como diz PHA, um passador de bola pego no ato de passar a bola. Pior, longe da presidência da Supremo, reduzido à insignificância da rotina de ministro, não lhe restará nem mesmo um mísero colunista de ocasião para lhe fazer a defesa, nem mesmo em nome dos velhos tempos.
“Justiça manda arquivar ação de Gilmar Mendes contra PHA”, do blog Conversa Afiada:
O Juiz Federal Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, da 4ª. Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, no dia 2 de julho de 2010, decidiu: “ARQUIVEM-SE” os autos de uma ação criminal que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes movia contra Paulo Henrique Amorim, Mino Pedrosa, Luiza Villaméa e Hugo Marques, da revista Istoé. O motivo foram informações relacionadas a desdobramentos da Operação Satiagraha e a decisão de Mendes da dar dois Habeas Corpus a Daniel Dantas em 48 horas.
O Juiz Chaves de Oliveira acolheu a manifestação da Procuradora da República Adriana Scordamaglia, que pediu o arquivamento da ação. Seguem-se trechos – brilhantes ! – da manifestação da Procuradora Scordamaglia:
“A Constituição fixa todos os critérios para assegurar a liberdade de imprensa, de informação e expressão. É que se mostra muito tênue a linha divisória entre calúnia, difamação e injuria e o direito de informar e se expressar”.
“O artigo 220 da Carta Magna determina que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão nenhuma restrição … o parágrafo 1º. do artigo 220 impõe limites à lei infra-constitucional, prescrevendo que não poderá conter dispositivo embaraçador da plena liberdade de informação jornalística”.
“Daí percebe-se o cuidado que se deve ter em separar aquilo que de fato é passível de responsabilização e aquilo que apenas se enquadra no direito de informação, expressão e jornalístico. Se assim não fosse, estaríamos retrocedendo à época da ditadura militar e teríamos de aceitar, ainda que de forma velada, o retorno da censura e blindagem de autoridades em relação ao trabalho jornalístico, privando os cidadãos de seu direito de livre acesso á informação.”
“Bem, tudo isso não passaria de mais uma celeuma jurídica, se não fosse por um motivo: o requerente, suposto ofendido, é um membro do Supremo Tribunal Federal que, não bastasse, votou favoravelmente à suspensão da Lei de Imprensa.”
“Tudo a patentear que Imprensa e Democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Uma a dizer para a outra, solene e agradecidamente, ‘eu sou quem sou para serdes vós quem sois’ (verso colhido em Vicente Carvalho, no bojo do poema ‘Soneto de Mudança’). Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão de liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja.”
“A democracia avulta como síntese dos fundamentos da nossa República Federativa (‘soberania’, ‘cidadania’, ‘dignidade da pessoa humana’, ‘valores sociais do trabalho’ e da ‘livre iniciativa e pluralismo político’) e dos objetivos fundamentais desse mesmo Estado Republicano Federativo (‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, ‘garantir o desenvolvimento nacional’, ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação’).”
“A democracia de que trata a Constituição de 88 é tanto indireta ou representativa … quanto direta ou participativa … além de se traduzir num modelo de organização estatal que se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência e ou visibilidade do poder. Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação … e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa. (Capitulo V, Titulo VIII).”
“Se a liberdade à informação for de relevante interesse social, o direito à vida privada deve ser afastado em detrimento do interesse publico-social dessa liberdade de informação plenamente definida e limitada.”
“No caso em tela o crime contra a honra estaria caracterizado caso houvesse, por parte do jornalistas, a intenção de denegrir a imagem do Supremo tribunal Federal, em especial do ministro Gilmar Mendes e de seus assessores (Vinte e oito assessores de Gilmar Mendes no STF assinam a ação – PHA), o que não restou comprovado … Não se vislumbrou a pratica de crimes contra a honra, mas apenas o exercício do direito de informação e expressão.”
“Os mesmos fatos ora apurados foram alvo de criticas não apenas pelos jornalistas aqui mencionados, mas por diversos outros, inclusive juristas renomados e autoridades públicas. E não faltaram reportagens questionando a atuação do ministro Gilmar Mendes, e a acrobacia feita para legitimar a competência do STF na análise do Habeas Corpus impetrado em favor do mencionado banqueiro (Daniel Dantas). Pergunta-se, então, se todos os críticos do governo deveriam ser processados e presos. A resposta, por óbvio, é não.”
.
O perigo de brincar com juros e câmbio
Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:
Há quase três anos e meio atrás, escrevi sobre o mesmo tema. Em 07 de fevereiro de 2007, o texto concluía assim:
“E esse é exatamente o nó atual da taxa de juros com a taxa de câmbio. A política monetária de juros elevados tem um segundo efeito negativo sobre a atividade econômica nacional. Ela provoca a sobrevalorização da taxa de câmbio, sob um regime em que a intervenção do Estado para administrá-la é vista com péssimos olhos. Assim, além de desestimular o consumo e a produção em geral, como já vimos, ela não estimula a busca da competitividade de setores exportadores de alta tecnologia e abre uma perigosa janela para a inundação de importações em setores que podem ser estratégicos para nosso parque industrial, principalmente em termos de política de geração de renda e oferta de emprego.
A busca de uma calibragem fina para esse movimento aparentemente contraditório no universo econômico passa pela redução da taxa de juros como instrumento de política monetária e pela introdução de mecanismos de controle e administração da taxa de câmbio, para evitar que as distorções acima descritas possam comprometer a qualidade do desenvolvimento que todos desejamos para o país”.
O intuito aqui não é de botar banca de especialista, para sair no final com o famoso “eu não avisei? ”... Inclusive porque uma série de outros analistas também vem alertando para esse risco. Muito pelo contrário, a intenção é chamar a atenção para a passividade com que essa questão vem sendo tratada pelo governo, em especial pelos responsáveis da área econômica, há muito tempo. É aquele já velho conhecido e sempiterno temor de adotar qualquer tipo de medida que possa ser considerada como prejudicial aos interesses da banca internacional e de seus representantes aqui dentro do país. Uma visão exclusivamente focada com as lentes do setor financeiro, em detrimento do lado real de nossa economia – ali onde são efetivamente gerados renda e empregos associados a atividades produtivas ou serviços importantes para a sociedade.
Recordemos algumas informações. Naquele longínquo dia do início do segundo mandato do presidente Lula, a taxa oficial de câmbio do real brasileiro em relação ao dólar norte-americano era de R$ 2,08 – e diversos analistas já apontavam para os riscos embutidos em tal cotação, considerada como estando sobrevalorizada à época. A taxa de juros Selic, tal como definida pelo Copom do Banco Central, estava na faixa de 13% anuais em fevereiro de 2007.
Passados quase 42 meses, a taxa de câmbio está hoje em R$ 1,76 e a taxa de juros da Selic, recentemente elevada, alcançou 10,75% ao ano. Cabem aqui algumas ponderações a respeito de tal quadro de conjuntura econômica.
Em primeiro lugar, permitam-me fazer um rápido exercício para termos uma noção mais aproximada do significado da atratividade que tais condições oferecem ao recurso financeiro especulativo circulante pelo mundo afora, em busca de porto mais seguro e de elevada rentabilidade. Para efeito de comparação, utilizemos o caso hipotético de um operador do mercado financeiro que tivesse um montante de US$ 1.000 para aplicar, lá naquele dia de fevereiro de 2007. A alternativa considerada mais conservadora de todo o mercado global, de menor risco, seria a compra dos títulos do governo norte-americano. Com as taxas oferecidas pelo mercado dos EUA, tal aplicação chegaria aos dias de hoje com valor aproximado de US$ 1.060 – apenas e tão somente a remuneração da taxa de juros do FED, o Banco Central daquele país. Uma rentabilidade de 6% ao longo de todo o período aqui considerado.
Peguemos, agora, outro caso: o de um jovem operador, com perfil um pouco mais arriscado e mais ligado nas operações financeiras oferecidas pelos governos dos países do Terceiro Mundo. Conhecedor das regras do mercado financeiro brasileiro e das garantias oferecidas pelo ex-presidente mundial do Bank of Boston à frente da condução da política monetária, ele teria optado por aplicar os mesmos US$ 1.000 em títulos do governo brasileiro. Reparem bem se que trata ainda de uma operação de baixo risco – nada de ações na Bolsa de Valores, derivativos, commodities futuras, hedge cambial ou otras cositas más, dentre as inúmeras operações conhecidas por quem domina a terminologia do financês. A rentabilidade dessas é impublicável...
Ao internalizar os dólares, convertendo-os pela taxa de câmbio, ele teria obtido R$ 2.080 em fevereiro de 2007. Com a remuneração oferecida pela SELIC ao longo dos anos, a rentabilidade mínima obtida teria sido de 45%. Ou seja, os R$ 2.080 teriam se elevado a R$ 3.016 no final de julho deste ano. Caso resolvesse recuperar os valores em dólares à taxa de câmbio atual de R$ 1,76 , o nosso jovem anunciaria – entre surpreso e orgulhoso - ao proprietário do recurso: “Sir, we’ve got US$ 1.713 !!!”. Milagre? Talvez a explicação tenha muito pouco a ver com alguma ajuda oferecida pela mãozinha divina. Mas o fato é que a operação rendeu mais de 70% - um retorno muito elevado, quando comparado aos 6% do exemplo anterior. Quem conhece um pouco do funcionamento do mercado financeiro, sabe o que isso significaria em termos de bônus na conta bancária do responsável de uma operação que rende 12 vezes mais do que a outra!
Com esse tipo de benesse de remuneração oferecida pelo governo brasileiro ao capital especulativo, o interesse declarado é promover um fluxo crescente de atração de recursos externos para fechar as nossas contas externas. Assim, sempre fico meio com pé atrás quando ouço as bravatas do tipo: “agora não somos mais devedores, e sim credores, do FMI!”. É claro é que foi importante a eliminação da dívida brasileira junto ao Fundo. Porém, o custo atual de rolar o nosso modelo com base no capital financeiro de curto prazo obtido junto ao mercado internacional é tão ou mais elevado do que antes.
O fato é que está cada vez mais apertado o nó entre a política de juros e a política de câmbio. O grande argumento utilizado pelos que não têm interesse em alterar o estado de coisas é a propalada “tranqüilidade” oferecida pelo nível de reservas internacionais acumuladas pelo Brasil. Realmente, os valores impressionam. Naquele fevereiro de 2007, o estoque dessa conta era de US$ 100 bilhões. Hoje elas estão no patamar de US$ 253 bilhões – um crescimento superior a 150%.
Porém, o comportamento exibido por outras variáveis deveria recomendar, aos formuladores de política econômica, muita cautela no tratamento da questão externa. O saldo anual da Balança Comercial lá em fevereiro de 2007 era um superávit de US$ 46 bi. Com a valorização da taxa de câmbio, as exportações foram desestimuladas e as importações ficaram incentivadas. O resultado foi uma redução do saldo comercial, que atinge hoje a marca superavitária de US$ 19 bi.
Por outro lado, as informações relativas às remessas para exterior também devem servir como sinal de alerta. Em 2007, o valor anual de divisas remetidas ao exterior por conta de pagamento de juros, lucros e similares era de US$ 65 bi. Agora, passado esse período todo aqui analisado, esses valores subiram para US$ 100 bi anuais. Um crescimento superior a 50%.
Por isso se faz importante destravar essa verdadeira bomba de efeito retardado que está montada em nossa estratégia de condução da economia. Imagino que a investigação e a pesquisa a respeito desses anos todos de obstinação tresloucada em manter a pole position na corrida de países por juros mais altos vai render muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado. O Brasil não precisa fazer esse enorme sobre-esforço de alimentar a gulodice parasitária do capital financeiro especulativo para manter sua estabilidade macroeconômica interna e seu necessário desenvolvimento.
Ao manter os juros da Selic elevados, o Banco Central perpetua o ingresso desses recursos externos, que nada mais fazem senão inflar artificialmente os indicadores do “bom mocismo”. E como a massa desses valores continua a ingressar em nosso território sob o sacrossanto e imexível regime da assim chamada “liberdade cambial”, o real continua a se valorizar frente às outras moedas do mundo. E para evitar que outra praia se apresente mais atrativa do que a nossa e desvie a atração do capital que para cá se dirigiu, dá-lhe manutenção da taxa oficial de juros em patamares injustificadamente levados. Conclusão: é a clássica situação do cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ilude-se ao achar que está avançando, pois apenas corre em círculos sem sair do lugar.
Um dos maiores riscos da opção até aqui adotada é a conduta a ser adotada face a uma debandada de recursos externos. Por isso, a menção a brincar com fogo aqui no título. Apesar da dimensão do estoque de reservas internacionais, o chamado “efeito de manada” do capital especulativo não costuma perdoar os países que, até à véspera, os hospedavam de forma tão generosa. Uma das alternativas é reduzir a dependência desse tipo de risco, por meio de uma taxação do recurso externo de curto prazo. Tal medida tenderá a reduzir o ingresso dos mesmos e permitirá uma reversão da valorização cambial. E as razões para a definição da taxa de juros serão menos influenciadas pela atratividade do recurso externo, com folga para redução. E o alívio nas despesas orçamentárias - atualmente comprometidas com o pagamento de centenas de bilhões de reais com juros da dívida - propiciaria o direcionamento para gastos nas áreas do social e da infra-estrutura.
E já que eu iniciei este artigo com uma “auto-citação”, termino com outra do mesmo artigo de fevereiro de 2007:
“A prudência recomenda algum grau de intervenção da autoridade econômica na fixação de seu ‘preço’, a taxa de câmbio. Aliás, é exatamente o que faz a grande maioria dos países industrializados. Porém, um dos efeitos da sobrecarga ideológica do neoliberalismo em nossas praias foi a fé cega de que a solução de mercado é sempre a mais eficiente.”
.
Há quase três anos e meio atrás, escrevi sobre o mesmo tema. Em 07 de fevereiro de 2007, o texto concluía assim:
“E esse é exatamente o nó atual da taxa de juros com a taxa de câmbio. A política monetária de juros elevados tem um segundo efeito negativo sobre a atividade econômica nacional. Ela provoca a sobrevalorização da taxa de câmbio, sob um regime em que a intervenção do Estado para administrá-la é vista com péssimos olhos. Assim, além de desestimular o consumo e a produção em geral, como já vimos, ela não estimula a busca da competitividade de setores exportadores de alta tecnologia e abre uma perigosa janela para a inundação de importações em setores que podem ser estratégicos para nosso parque industrial, principalmente em termos de política de geração de renda e oferta de emprego.
A busca de uma calibragem fina para esse movimento aparentemente contraditório no universo econômico passa pela redução da taxa de juros como instrumento de política monetária e pela introdução de mecanismos de controle e administração da taxa de câmbio, para evitar que as distorções acima descritas possam comprometer a qualidade do desenvolvimento que todos desejamos para o país”.
O intuito aqui não é de botar banca de especialista, para sair no final com o famoso “eu não avisei? ”... Inclusive porque uma série de outros analistas também vem alertando para esse risco. Muito pelo contrário, a intenção é chamar a atenção para a passividade com que essa questão vem sendo tratada pelo governo, em especial pelos responsáveis da área econômica, há muito tempo. É aquele já velho conhecido e sempiterno temor de adotar qualquer tipo de medida que possa ser considerada como prejudicial aos interesses da banca internacional e de seus representantes aqui dentro do país. Uma visão exclusivamente focada com as lentes do setor financeiro, em detrimento do lado real de nossa economia – ali onde são efetivamente gerados renda e empregos associados a atividades produtivas ou serviços importantes para a sociedade.
Recordemos algumas informações. Naquele longínquo dia do início do segundo mandato do presidente Lula, a taxa oficial de câmbio do real brasileiro em relação ao dólar norte-americano era de R$ 2,08 – e diversos analistas já apontavam para os riscos embutidos em tal cotação, considerada como estando sobrevalorizada à época. A taxa de juros Selic, tal como definida pelo Copom do Banco Central, estava na faixa de 13% anuais em fevereiro de 2007.
Passados quase 42 meses, a taxa de câmbio está hoje em R$ 1,76 e a taxa de juros da Selic, recentemente elevada, alcançou 10,75% ao ano. Cabem aqui algumas ponderações a respeito de tal quadro de conjuntura econômica.
Em primeiro lugar, permitam-me fazer um rápido exercício para termos uma noção mais aproximada do significado da atratividade que tais condições oferecem ao recurso financeiro especulativo circulante pelo mundo afora, em busca de porto mais seguro e de elevada rentabilidade. Para efeito de comparação, utilizemos o caso hipotético de um operador do mercado financeiro que tivesse um montante de US$ 1.000 para aplicar, lá naquele dia de fevereiro de 2007. A alternativa considerada mais conservadora de todo o mercado global, de menor risco, seria a compra dos títulos do governo norte-americano. Com as taxas oferecidas pelo mercado dos EUA, tal aplicação chegaria aos dias de hoje com valor aproximado de US$ 1.060 – apenas e tão somente a remuneração da taxa de juros do FED, o Banco Central daquele país. Uma rentabilidade de 6% ao longo de todo o período aqui considerado.
Peguemos, agora, outro caso: o de um jovem operador, com perfil um pouco mais arriscado e mais ligado nas operações financeiras oferecidas pelos governos dos países do Terceiro Mundo. Conhecedor das regras do mercado financeiro brasileiro e das garantias oferecidas pelo ex-presidente mundial do Bank of Boston à frente da condução da política monetária, ele teria optado por aplicar os mesmos US$ 1.000 em títulos do governo brasileiro. Reparem bem se que trata ainda de uma operação de baixo risco – nada de ações na Bolsa de Valores, derivativos, commodities futuras, hedge cambial ou otras cositas más, dentre as inúmeras operações conhecidas por quem domina a terminologia do financês. A rentabilidade dessas é impublicável...
Ao internalizar os dólares, convertendo-os pela taxa de câmbio, ele teria obtido R$ 2.080 em fevereiro de 2007. Com a remuneração oferecida pela SELIC ao longo dos anos, a rentabilidade mínima obtida teria sido de 45%. Ou seja, os R$ 2.080 teriam se elevado a R$ 3.016 no final de julho deste ano. Caso resolvesse recuperar os valores em dólares à taxa de câmbio atual de R$ 1,76 , o nosso jovem anunciaria – entre surpreso e orgulhoso - ao proprietário do recurso: “Sir, we’ve got US$ 1.713 !!!”. Milagre? Talvez a explicação tenha muito pouco a ver com alguma ajuda oferecida pela mãozinha divina. Mas o fato é que a operação rendeu mais de 70% - um retorno muito elevado, quando comparado aos 6% do exemplo anterior. Quem conhece um pouco do funcionamento do mercado financeiro, sabe o que isso significaria em termos de bônus na conta bancária do responsável de uma operação que rende 12 vezes mais do que a outra!
Com esse tipo de benesse de remuneração oferecida pelo governo brasileiro ao capital especulativo, o interesse declarado é promover um fluxo crescente de atração de recursos externos para fechar as nossas contas externas. Assim, sempre fico meio com pé atrás quando ouço as bravatas do tipo: “agora não somos mais devedores, e sim credores, do FMI!”. É claro é que foi importante a eliminação da dívida brasileira junto ao Fundo. Porém, o custo atual de rolar o nosso modelo com base no capital financeiro de curto prazo obtido junto ao mercado internacional é tão ou mais elevado do que antes.
O fato é que está cada vez mais apertado o nó entre a política de juros e a política de câmbio. O grande argumento utilizado pelos que não têm interesse em alterar o estado de coisas é a propalada “tranqüilidade” oferecida pelo nível de reservas internacionais acumuladas pelo Brasil. Realmente, os valores impressionam. Naquele fevereiro de 2007, o estoque dessa conta era de US$ 100 bilhões. Hoje elas estão no patamar de US$ 253 bilhões – um crescimento superior a 150%.
Porém, o comportamento exibido por outras variáveis deveria recomendar, aos formuladores de política econômica, muita cautela no tratamento da questão externa. O saldo anual da Balança Comercial lá em fevereiro de 2007 era um superávit de US$ 46 bi. Com a valorização da taxa de câmbio, as exportações foram desestimuladas e as importações ficaram incentivadas. O resultado foi uma redução do saldo comercial, que atinge hoje a marca superavitária de US$ 19 bi.
Por outro lado, as informações relativas às remessas para exterior também devem servir como sinal de alerta. Em 2007, o valor anual de divisas remetidas ao exterior por conta de pagamento de juros, lucros e similares era de US$ 65 bi. Agora, passado esse período todo aqui analisado, esses valores subiram para US$ 100 bi anuais. Um crescimento superior a 50%.
Por isso se faz importante destravar essa verdadeira bomba de efeito retardado que está montada em nossa estratégia de condução da economia. Imagino que a investigação e a pesquisa a respeito desses anos todos de obstinação tresloucada em manter a pole position na corrida de países por juros mais altos vai render muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado. O Brasil não precisa fazer esse enorme sobre-esforço de alimentar a gulodice parasitária do capital financeiro especulativo para manter sua estabilidade macroeconômica interna e seu necessário desenvolvimento.
Ao manter os juros da Selic elevados, o Banco Central perpetua o ingresso desses recursos externos, que nada mais fazem senão inflar artificialmente os indicadores do “bom mocismo”. E como a massa desses valores continua a ingressar em nosso território sob o sacrossanto e imexível regime da assim chamada “liberdade cambial”, o real continua a se valorizar frente às outras moedas do mundo. E para evitar que outra praia se apresente mais atrativa do que a nossa e desvie a atração do capital que para cá se dirigiu, dá-lhe manutenção da taxa oficial de juros em patamares injustificadamente levados. Conclusão: é a clássica situação do cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ilude-se ao achar que está avançando, pois apenas corre em círculos sem sair do lugar.
Um dos maiores riscos da opção até aqui adotada é a conduta a ser adotada face a uma debandada de recursos externos. Por isso, a menção a brincar com fogo aqui no título. Apesar da dimensão do estoque de reservas internacionais, o chamado “efeito de manada” do capital especulativo não costuma perdoar os países que, até à véspera, os hospedavam de forma tão generosa. Uma das alternativas é reduzir a dependência desse tipo de risco, por meio de uma taxação do recurso externo de curto prazo. Tal medida tenderá a reduzir o ingresso dos mesmos e permitirá uma reversão da valorização cambial. E as razões para a definição da taxa de juros serão menos influenciadas pela atratividade do recurso externo, com folga para redução. E o alívio nas despesas orçamentárias - atualmente comprometidas com o pagamento de centenas de bilhões de reais com juros da dívida - propiciaria o direcionamento para gastos nas áreas do social e da infra-estrutura.
E já que eu iniciei este artigo com uma “auto-citação”, termino com outra do mesmo artigo de fevereiro de 2007:
“A prudência recomenda algum grau de intervenção da autoridade econômica na fixação de seu ‘preço’, a taxa de câmbio. Aliás, é exatamente o que faz a grande maioria dos países industrializados. Porém, um dos efeitos da sobrecarga ideológica do neoliberalismo em nossas praias foi a fé cega de que a solução de mercado é sempre a mais eficiente.”
.
sábado, 31 de julho de 2010
Agronegócio escraviza trabalhadores
Reproduzo excelente reportagem de Lúcia Rodrigues, publicado na revista Caros Amigos:
A impressão que se tem é a de que se está entrando no túnel do tempo e retornando alguns séculos no calendário gregoriano. Aos olhos dos mais desavisados, pode parecer estranho e até mesmo irreal que ainda hoje existam pessoas sendo submetidas à escravidão em nosso país. Mas infelizmente essa gravíssima violação aos direitos humanos é uma dura realidade no Brasil do século 21.
Milhares de pessoas ainda são submetidas a trabalho forçado e a condições degradantes no campo e na cidade. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2005, estimava em 25 mil o número de trabalhadores mantidos em condições análogas a de escravos no país. Destes, 80% atuavam na agricultura e 17%, na pecuária.
Os números do organismo internacional, no entanto, parecem estar subdimensionados se levarmos em conta o total de trabalhadores libertados pelos agentes do governo federal na gestão do presidente Lula. De 2003 a maio de 2010, foram retirados da condição de escravos 31.297 pessoas, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego.
A prática criminosa não está restrita apenas ao Brasil e se espalha pelos continentes. A OIT detectou no mesmo ano, que mais de 12 milhões de trabalhadores eram vítimas da sanha de latifundiários e empresários inescrupulosos pelo mundo.
O fenômeno da globalização nos anos 90 foi decisivo para abrir as fronteiras dos países ao capitalismo em escala mundial. As transações comerciais e financeiras disseminaram ainda mais a busca pelo lucro rápido e exponencial. A maneira encontrada por esses patrões, para reduzir o preço final de seus produtos, se deu pela drástica redução do custo-trabalho.
Os escravagistas do século 21 não prendem mais seus trabalhadores ao tronco e nem infligem chibatadas. A escravidão contemporânea tem suas particularidades, mas nem por isso esses patrões deixam de ser considerados escravocratas. O artigo 149 do Código Penal brasileiro é absolutamente claro na definição do que seja praticar escravidão nos dias de hoje.
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”, afirma o texto penal.
Apesar de soar extemporânea, a prática escravista está arraigada no cotidiano brasileiro mais do que se pode imaginar. “É uma mentalidade da elite econômica e política do país”, afirma o senador José Nery (PSOL-PA), que preside a Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil.
Segundo o senador, a bancada ruralista no Congresso Nacional impede há 15 anos a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para coibir a prática criminosa. Neste momento, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 438 em defesa da erradicação do trabalho escravo no país. A PEC 438 já foi aprovada em primeira e segunda votação no Senado e em primeira, na Câmara, e aguarda a ida ao plenário para a segunda votação. O dispositivo é necessário para que a matéria possa se transformar em lei.
O sucesso de sua aprovação ainda este ano está ameaçado. “Apresentamos 280 mil assinaturas ao presidente da Câmara dos Deputados (Michel Temer) e a todos os lideres partidários pedindo a urgência na votação da PEC. Mas as lideranças do governo estão criando várias dificuldades. Dizem que não querem discutir e votar matérias polêmicas no período pré-eleitoral. Ora é nossa obrigação aprovar toda e qualquer matéria que diga respeito à dignidade e ao bem-estar das pessoas. Não concordo com esse tipo de atitude que impede a legislação de avançar no combate ao trabalho escravo no Brasil”, ressalta Nery.
O parlamentar quer pelo menos incluir a matéria na pauta de votação da Câmara logo após o término do segundo turno das eleições. “Estamos tentando arrancar do presidente da Câmara e dos líderes partidários esse compromisso.”
O secretário de políticas sociais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Expedito Solaney, é menos otimista que Nery. O sindicalista considera que a PEC só será votada na próxima legislatura. “Entre por na pauta e não aprovar é melhor jogar para a frente. É melhor recuar taticamente. O Congresso é muito conservador, a maioria é ruralista”, afirma.
Pelo texto da PEC 438, as propriedades rurais e urbanas que forem flagradas com trabalhadores escravos serão expropriadas para efeito de reforma agrária no campo e destinadas a programas sociais de moradia popular em áreas urbanas.
O arco de alianças eleitoral e da base de sustentação do governo, além de interesses econômicos dos parlamentares, impede que a matéria avance com celeridade em Brasília. Apesar de ninguém defender publicamente o trabalho escravo, na prática ele é tolerado.
O ex-presidente da Câmara, deputado Inocêncio de Oliveira (PR-PE), que teve propriedades flagradas por auditores fiscais do trabalho com a prática da escravidão, não sofreu nenhum tipo de punição até hoje. Oliveira chegou a ocupar algumas vezes o cargo de presidente da República durante o mandato de Itamar Franco.
Mais recentemente o senador João Ribeiro (PR-TO) também foi acusado de se utilizar de trabalho escravo dentro de sua propriedade. O Ministério do Trabalho e Emprego não divulga mais detalhes sobre o andamento do caso, apenas afirma que informações sobre pessoas físicas e jurídicas só podem ser divulgadas após o término do processo administrativo.
O Ministério também mantém uma lista com o nome de quem usa o trabalho escravo no País. A lista suja, como é conhecida a relação de escravagistas, é atualizada semestralmente e pode ser consultada em http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_suja.pdf
CPT X latifúndio
Para o bispo emérito de Goiás e membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduino, o trabalho escravo ainda não foi erradicado do Brasil porque mexe com os interesses dos aliados políticos do governo Lula. O mesmo argumento é utilizado para explicar a não realização da reforma agrária no país.
“Por que não há reforma agrária? Porque mexe na terra dos aliados do governo. É uma lógica fácil de entender. O trabalho escravo cresce com o agronegócio, que é a menina dos olhos da política governamental. Apesar de ter apresentado um plano de erradicação para o trabalho escravo, o governo continua elogiando os usineiros, chamando-os de heróis. A concentração do capital em poucas mãos com o apoio governamental está criando uma desigualdade social brutal. O Brasil é o segundo país do mundo em concentração de terra, em latifúndio. Só perde para o Paraguai”, critica o religioso.
Dom Tomás cita o caso da Cosan, holding do setor sucroalcooleiro, que utiliza trabalho escravo em suas usinas, para demonstrar a falta de compromisso do agronegócio com a dignidade humana. A Cosan é a maior empresa produtora de áçucar e álcool do mundo. É proprietária das marcas do açúcar União e Da Barra. Em dezembro de 2008, a companhia também passou a controlar a operação de ativos da distribuição de combustíveis da Esso e assumiu o controle da produção e distribuição dos lubrificantes Mobil. Além dos setores de alimentos e combustíveis, a Cosan também atua na área de produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana de açúcar.
O exemplo de pujança que a empresa tenta demonstrar mascara uma realidade nada agradável. A Cosan engrossa a lista suja de empresas que utilizam o trabalho escravo em suas unidades, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A companhia ingressou no ranking escravista no final do ano passado. Seus advogados se apressaram e obtiveram liminar na Justiça para retirá-la da lista suja. O Ministério tenta agora cassar a liminar expedida, para inseri-la novamente na lista dos escravagistas.
Ícone do desrespeito às normas mais elementares da dignidade humana, a Cosan é responsável, em parceria com a ExxonMobil, pelo patrocínio do principal prêmio do jornalismo brasileiro: o Prêmio Esso. A empresa que pratica escravidão em suas propriedades também tem em seu Conselho de Administração um ex-ministro da Fazenda. Mailson da Nóbrega integra seu conselho administrativo desde dezembro de 2007.
Capital paulista abriga escravidão
Se engana quem pensa que o trabalho escravo é uma característica apenas dos rincões mais afastados das áreas urbanas. Apesar de um maior número de trabalhadores escravizados se encontrarem na zona rural, a prática criminosa se propaga também na principal cidade do país.
A indústria da confecção desponta como a principal área de absorção da mão de obra escrava na cidade. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil calcula que a demanda por roupa cresce 3% ao ano. Mas assim como no campo, não há estatísticas oficiais que projetem com segurança o número de pessoas nessas condições, embora se saiba que não são poucas.
A quase totalidade desses trabalhadores vem de regiões empobrecidas da Bolívia e do Paraguai, castigadas no passado recente por décadas de ditadura feroz. “Todos os dias chegam ao Brasil de três a cinco ônibus lotados de pessoas para trabalharem nessas oficinas”, afirma a Defensora Pública Federal, Daniela Muscari Scacchetti.
A precariedade das condições de vida em seus países de origem e a falta de instrução escolar as torna presas fáceis nas mãos de capitalistas escravagistas. Apesar de os atravessadores serem as figuras mais visíveis aos olhos do trabalhador são os grandes magazines os responsáveis pela prática criminosa.
A rede de lojas Marisa, por exemplo, já levou 49 autos de infração dos auditores fiscais do trabalho e foi autuada em R$ 600 mil. “Mas a gente acredita que a imensa maioria da produção têxtil paulista, o que costuma ser comercializado por C&A, Renner, Riachuelo, Pernambucanas, griffes como a Collins, é resultado de mão de obra escrava de trabalhadores sulamericanos”, conta o chefe da Seção da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional de São Paulo, Renato Bignami.
Além de jornadas extenuantes de trabalho, precarização das condições de trabalho e do cerceamento à liberdade, com ameaças a vida do trabalhador e de seus familiares no país de origem, o valor pago ao trabalhador é irrisório. Para fazer uma camiseta, recebe em torno de R$ 0,40 a R$ 0,50. Um casaco mais elaborado que leva até três horas para ficar pronto pode render no máximo R$ 1,50. A mesma peça é vendida na loja de departamento por R$ 300.
.
A impressão que se tem é a de que se está entrando no túnel do tempo e retornando alguns séculos no calendário gregoriano. Aos olhos dos mais desavisados, pode parecer estranho e até mesmo irreal que ainda hoje existam pessoas sendo submetidas à escravidão em nosso país. Mas infelizmente essa gravíssima violação aos direitos humanos é uma dura realidade no Brasil do século 21.
Milhares de pessoas ainda são submetidas a trabalho forçado e a condições degradantes no campo e na cidade. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2005, estimava em 25 mil o número de trabalhadores mantidos em condições análogas a de escravos no país. Destes, 80% atuavam na agricultura e 17%, na pecuária.
Os números do organismo internacional, no entanto, parecem estar subdimensionados se levarmos em conta o total de trabalhadores libertados pelos agentes do governo federal na gestão do presidente Lula. De 2003 a maio de 2010, foram retirados da condição de escravos 31.297 pessoas, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego.
A prática criminosa não está restrita apenas ao Brasil e se espalha pelos continentes. A OIT detectou no mesmo ano, que mais de 12 milhões de trabalhadores eram vítimas da sanha de latifundiários e empresários inescrupulosos pelo mundo.
O fenômeno da globalização nos anos 90 foi decisivo para abrir as fronteiras dos países ao capitalismo em escala mundial. As transações comerciais e financeiras disseminaram ainda mais a busca pelo lucro rápido e exponencial. A maneira encontrada por esses patrões, para reduzir o preço final de seus produtos, se deu pela drástica redução do custo-trabalho.
Os escravagistas do século 21 não prendem mais seus trabalhadores ao tronco e nem infligem chibatadas. A escravidão contemporânea tem suas particularidades, mas nem por isso esses patrões deixam de ser considerados escravocratas. O artigo 149 do Código Penal brasileiro é absolutamente claro na definição do que seja praticar escravidão nos dias de hoje.
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”, afirma o texto penal.
Apesar de soar extemporânea, a prática escravista está arraigada no cotidiano brasileiro mais do que se pode imaginar. “É uma mentalidade da elite econômica e política do país”, afirma o senador José Nery (PSOL-PA), que preside a Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil.
Segundo o senador, a bancada ruralista no Congresso Nacional impede há 15 anos a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para coibir a prática criminosa. Neste momento, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 438 em defesa da erradicação do trabalho escravo no país. A PEC 438 já foi aprovada em primeira e segunda votação no Senado e em primeira, na Câmara, e aguarda a ida ao plenário para a segunda votação. O dispositivo é necessário para que a matéria possa se transformar em lei.
O sucesso de sua aprovação ainda este ano está ameaçado. “Apresentamos 280 mil assinaturas ao presidente da Câmara dos Deputados (Michel Temer) e a todos os lideres partidários pedindo a urgência na votação da PEC. Mas as lideranças do governo estão criando várias dificuldades. Dizem que não querem discutir e votar matérias polêmicas no período pré-eleitoral. Ora é nossa obrigação aprovar toda e qualquer matéria que diga respeito à dignidade e ao bem-estar das pessoas. Não concordo com esse tipo de atitude que impede a legislação de avançar no combate ao trabalho escravo no Brasil”, ressalta Nery.
O parlamentar quer pelo menos incluir a matéria na pauta de votação da Câmara logo após o término do segundo turno das eleições. “Estamos tentando arrancar do presidente da Câmara e dos líderes partidários esse compromisso.”
O secretário de políticas sociais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Expedito Solaney, é menos otimista que Nery. O sindicalista considera que a PEC só será votada na próxima legislatura. “Entre por na pauta e não aprovar é melhor jogar para a frente. É melhor recuar taticamente. O Congresso é muito conservador, a maioria é ruralista”, afirma.
Pelo texto da PEC 438, as propriedades rurais e urbanas que forem flagradas com trabalhadores escravos serão expropriadas para efeito de reforma agrária no campo e destinadas a programas sociais de moradia popular em áreas urbanas.
O arco de alianças eleitoral e da base de sustentação do governo, além de interesses econômicos dos parlamentares, impede que a matéria avance com celeridade em Brasília. Apesar de ninguém defender publicamente o trabalho escravo, na prática ele é tolerado.
O ex-presidente da Câmara, deputado Inocêncio de Oliveira (PR-PE), que teve propriedades flagradas por auditores fiscais do trabalho com a prática da escravidão, não sofreu nenhum tipo de punição até hoje. Oliveira chegou a ocupar algumas vezes o cargo de presidente da República durante o mandato de Itamar Franco.
Mais recentemente o senador João Ribeiro (PR-TO) também foi acusado de se utilizar de trabalho escravo dentro de sua propriedade. O Ministério do Trabalho e Emprego não divulga mais detalhes sobre o andamento do caso, apenas afirma que informações sobre pessoas físicas e jurídicas só podem ser divulgadas após o término do processo administrativo.
O Ministério também mantém uma lista com o nome de quem usa o trabalho escravo no País. A lista suja, como é conhecida a relação de escravagistas, é atualizada semestralmente e pode ser consultada em http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_suja.pdf
CPT X latifúndio
Para o bispo emérito de Goiás e membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduino, o trabalho escravo ainda não foi erradicado do Brasil porque mexe com os interesses dos aliados políticos do governo Lula. O mesmo argumento é utilizado para explicar a não realização da reforma agrária no país.
“Por que não há reforma agrária? Porque mexe na terra dos aliados do governo. É uma lógica fácil de entender. O trabalho escravo cresce com o agronegócio, que é a menina dos olhos da política governamental. Apesar de ter apresentado um plano de erradicação para o trabalho escravo, o governo continua elogiando os usineiros, chamando-os de heróis. A concentração do capital em poucas mãos com o apoio governamental está criando uma desigualdade social brutal. O Brasil é o segundo país do mundo em concentração de terra, em latifúndio. Só perde para o Paraguai”, critica o religioso.
Dom Tomás cita o caso da Cosan, holding do setor sucroalcooleiro, que utiliza trabalho escravo em suas usinas, para demonstrar a falta de compromisso do agronegócio com a dignidade humana. A Cosan é a maior empresa produtora de áçucar e álcool do mundo. É proprietária das marcas do açúcar União e Da Barra. Em dezembro de 2008, a companhia também passou a controlar a operação de ativos da distribuição de combustíveis da Esso e assumiu o controle da produção e distribuição dos lubrificantes Mobil. Além dos setores de alimentos e combustíveis, a Cosan também atua na área de produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana de açúcar.
O exemplo de pujança que a empresa tenta demonstrar mascara uma realidade nada agradável. A Cosan engrossa a lista suja de empresas que utilizam o trabalho escravo em suas unidades, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A companhia ingressou no ranking escravista no final do ano passado. Seus advogados se apressaram e obtiveram liminar na Justiça para retirá-la da lista suja. O Ministério tenta agora cassar a liminar expedida, para inseri-la novamente na lista dos escravagistas.
Ícone do desrespeito às normas mais elementares da dignidade humana, a Cosan é responsável, em parceria com a ExxonMobil, pelo patrocínio do principal prêmio do jornalismo brasileiro: o Prêmio Esso. A empresa que pratica escravidão em suas propriedades também tem em seu Conselho de Administração um ex-ministro da Fazenda. Mailson da Nóbrega integra seu conselho administrativo desde dezembro de 2007.
Capital paulista abriga escravidão
Se engana quem pensa que o trabalho escravo é uma característica apenas dos rincões mais afastados das áreas urbanas. Apesar de um maior número de trabalhadores escravizados se encontrarem na zona rural, a prática criminosa se propaga também na principal cidade do país.
A indústria da confecção desponta como a principal área de absorção da mão de obra escrava na cidade. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil calcula que a demanda por roupa cresce 3% ao ano. Mas assim como no campo, não há estatísticas oficiais que projetem com segurança o número de pessoas nessas condições, embora se saiba que não são poucas.
A quase totalidade desses trabalhadores vem de regiões empobrecidas da Bolívia e do Paraguai, castigadas no passado recente por décadas de ditadura feroz. “Todos os dias chegam ao Brasil de três a cinco ônibus lotados de pessoas para trabalharem nessas oficinas”, afirma a Defensora Pública Federal, Daniela Muscari Scacchetti.
A precariedade das condições de vida em seus países de origem e a falta de instrução escolar as torna presas fáceis nas mãos de capitalistas escravagistas. Apesar de os atravessadores serem as figuras mais visíveis aos olhos do trabalhador são os grandes magazines os responsáveis pela prática criminosa.
A rede de lojas Marisa, por exemplo, já levou 49 autos de infração dos auditores fiscais do trabalho e foi autuada em R$ 600 mil. “Mas a gente acredita que a imensa maioria da produção têxtil paulista, o que costuma ser comercializado por C&A, Renner, Riachuelo, Pernambucanas, griffes como a Collins, é resultado de mão de obra escrava de trabalhadores sulamericanos”, conta o chefe da Seção da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional de São Paulo, Renato Bignami.
Além de jornadas extenuantes de trabalho, precarização das condições de trabalho e do cerceamento à liberdade, com ameaças a vida do trabalhador e de seus familiares no país de origem, o valor pago ao trabalhador é irrisório. Para fazer uma camiseta, recebe em torno de R$ 0,40 a R$ 0,50. Um casaco mais elaborado que leva até três horas para ficar pronto pode render no máximo R$ 1,50. A mesma peça é vendida na loja de departamento por R$ 300.
.
CPMI absolse MST e derrota ruralistas
Reproduzo artigo de Frei Betto, publicado no jornal Correio Braziliense:
O MST jamais desviou dinheiro público para realizar ocupações de terra – eis a conclusão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), integrada por deputados federais e senadores, instaurada para apurar se havia fundamento nas acusações, orquestradas pelos senhores do latifúndio, de que os movimentos comprometidos com a reforma agrária se apoderaram de recursos oficiais.
Em oito meses, foram convocadas 13 audiências públicas. As contas de dezenas de cooperativas de agricultores e associações de apoio à reforma agrária foram exaustivamente vasculhadas. Nada foi apurado. Segundo o relator, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), “foi uma CPMI desnecessária”.
Não tão desnecessária assim, pois provou, oficialmente, que as denúncias da bancada ruralista no Congresso são infundadas. E constatou-se que entidades e movimentos voltados à reforma fundiária desenvolvem sério trabalho de aperfeiçoamento da agricultura familiar e qualificação técnica dos agricultores.
O que os denunciantes buscavam era reaquecer a velha política - descartada pelo governo Lula - de criminalizar os movimentos sociais brasileiros. Esse tipo de terrorismo tupiniquim a história de nosso país conhece bem: Monteiro Lobato foi preso por propagar que havia petróleo no Brasil (o que prejudicou os interesses norte-americanos); foram chamados de comunistas os que defendiam a criação da Petrobras; e, de terroristas, os que lutavam contra a ditadura e pela redemocratização do país.
A comissão parlamentar significou, para quem insistiu em instaurá-la, um tiro saído pela culatra. Ficou claro para deputados e senadores bem intencionados que é preciso votar, o quanto antes, o projeto de lei que prevê a desapropriação de propriedades rurais que utilizam trabalho escravo em suas terras. E resolver, o quanto antes, a questão dos índices de produtividade da terra.
A investigação trouxe à luz não a suposta bandidagem do MST e congêneres, como acusavam os senhores do latifúndio, e sim a importância desses movimentos no atendimento à população sem terra. Eles cuidam da organização de acampamentos e assentamentos e, assim, evitam a migração que reforça, nas cidades, o cinturão de favelas e o contingente de famílias e pessoas desamparadas, sujeitas ao trabalho informal, ao alcoolismo, às drogas, à criminalidade.
Segundo Jilmar Tatto, os inimigos da reforma agrária “fizeram toda uma carga, um discurso muito raivoso, colocaram dúvidas em relação ao desvio de recursos públicos e perceberam que a montanha tinha parido um rato. Porque não havia desvio nenhum. As entidades e o governo abriram todas as suas contas. Foram transparentes e, em nenhum momento, conseguiu-se identificar um centavo de desvio de recurso público. Foram desmoralizados (os denunciantes), e resolveram se ausentar dos trabalhos da CPMI.... Foi um trabalho produtivo, no sentido de deixar claro que não houve desvio de recurso público para fazer ocupação de terras no Brasil. O que houve foi a oposição fazendo uma carga muito grande contra o governo e o MST”.
Os parlamentares sensíveis à questão social no Brasil se convenceram, graças ao trabalho da comissão, de que é preciso aumentar os recursos para a agricultura familiar; garantir que a legislação trabalhista seja aplicada na zona rural; e incentivar sempre mais os plantios alternativos e os alimentos orgânicos, sobre cuja qualidade nutricional não paira a desconfiança que pesa sobre os transgênicos. E, sobretudo, intensificar a reforma agrária no país, desapropriando, como exige a Constituição, as terras improdutivas.
Dados recentes mostram que, no Brasil, se ocupam 3 milhões de hectares com a lavoura de arroz e 4,3 milhões com feijão. Segundo o geógrafo Ricardo Alvarez, se compararmos com os 851 milhões de hectares que formam este colosso chamado Brasil veremos que as cifras são raquíticas. Apenas 0,85% do território nacional está ocupado com o cereal e a leguminosa. Um aumento de apenas 20% na área plantada significaria passar de 7,3 para 8,7 milhões de hectares, com forte impacto na alimentação do povo brasileiro.
Para Alvarez, o aumento da produção levaria à queda de preços, ruim para o produtor, bom para os consumidores. Caberia, então, ao governo implantar uma política de ampliação da produção de alimentos, garantir preços mínimos, forçar a ocupação da terra, combater o latifúndio, gerar empregos no campo e atacar a fome. Ação muito mais eficiente, graças aos 20% de acréscimo na área plantada, do que o assistencialismo alimentar.
O latifúndio ocupa, hoje, mais de 20 milhões de hectares com soja. No início dos anos 1990, o número beirava os 11,5 milhões. A cana-de-açúcar foi de 4,2 para 6,5 milhões de hectares no mesmo período. Arroz e feijão sofreram redução da área plantada. Hoje o brasileiro consome mais massas do que a tradicional combinação de arroz e feijão, de grande valor nutritivo.
Alvarez conclui: “Não faltam terras no Brasil, faltam políticas de distribuição delas. Não faltam empregos, falta vontade de enfrentar a terra improdutiva. Não falta comida, falta direcionar a produção para atender as necessidades básicas de nossa população”.
.
O MST jamais desviou dinheiro público para realizar ocupações de terra – eis a conclusão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), integrada por deputados federais e senadores, instaurada para apurar se havia fundamento nas acusações, orquestradas pelos senhores do latifúndio, de que os movimentos comprometidos com a reforma agrária se apoderaram de recursos oficiais.
Em oito meses, foram convocadas 13 audiências públicas. As contas de dezenas de cooperativas de agricultores e associações de apoio à reforma agrária foram exaustivamente vasculhadas. Nada foi apurado. Segundo o relator, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), “foi uma CPMI desnecessária”.
Não tão desnecessária assim, pois provou, oficialmente, que as denúncias da bancada ruralista no Congresso são infundadas. E constatou-se que entidades e movimentos voltados à reforma fundiária desenvolvem sério trabalho de aperfeiçoamento da agricultura familiar e qualificação técnica dos agricultores.
O que os denunciantes buscavam era reaquecer a velha política - descartada pelo governo Lula - de criminalizar os movimentos sociais brasileiros. Esse tipo de terrorismo tupiniquim a história de nosso país conhece bem: Monteiro Lobato foi preso por propagar que havia petróleo no Brasil (o que prejudicou os interesses norte-americanos); foram chamados de comunistas os que defendiam a criação da Petrobras; e, de terroristas, os que lutavam contra a ditadura e pela redemocratização do país.
A comissão parlamentar significou, para quem insistiu em instaurá-la, um tiro saído pela culatra. Ficou claro para deputados e senadores bem intencionados que é preciso votar, o quanto antes, o projeto de lei que prevê a desapropriação de propriedades rurais que utilizam trabalho escravo em suas terras. E resolver, o quanto antes, a questão dos índices de produtividade da terra.
A investigação trouxe à luz não a suposta bandidagem do MST e congêneres, como acusavam os senhores do latifúndio, e sim a importância desses movimentos no atendimento à população sem terra. Eles cuidam da organização de acampamentos e assentamentos e, assim, evitam a migração que reforça, nas cidades, o cinturão de favelas e o contingente de famílias e pessoas desamparadas, sujeitas ao trabalho informal, ao alcoolismo, às drogas, à criminalidade.
Segundo Jilmar Tatto, os inimigos da reforma agrária “fizeram toda uma carga, um discurso muito raivoso, colocaram dúvidas em relação ao desvio de recursos públicos e perceberam que a montanha tinha parido um rato. Porque não havia desvio nenhum. As entidades e o governo abriram todas as suas contas. Foram transparentes e, em nenhum momento, conseguiu-se identificar um centavo de desvio de recurso público. Foram desmoralizados (os denunciantes), e resolveram se ausentar dos trabalhos da CPMI.... Foi um trabalho produtivo, no sentido de deixar claro que não houve desvio de recurso público para fazer ocupação de terras no Brasil. O que houve foi a oposição fazendo uma carga muito grande contra o governo e o MST”.
Os parlamentares sensíveis à questão social no Brasil se convenceram, graças ao trabalho da comissão, de que é preciso aumentar os recursos para a agricultura familiar; garantir que a legislação trabalhista seja aplicada na zona rural; e incentivar sempre mais os plantios alternativos e os alimentos orgânicos, sobre cuja qualidade nutricional não paira a desconfiança que pesa sobre os transgênicos. E, sobretudo, intensificar a reforma agrária no país, desapropriando, como exige a Constituição, as terras improdutivas.
Dados recentes mostram que, no Brasil, se ocupam 3 milhões de hectares com a lavoura de arroz e 4,3 milhões com feijão. Segundo o geógrafo Ricardo Alvarez, se compararmos com os 851 milhões de hectares que formam este colosso chamado Brasil veremos que as cifras são raquíticas. Apenas 0,85% do território nacional está ocupado com o cereal e a leguminosa. Um aumento de apenas 20% na área plantada significaria passar de 7,3 para 8,7 milhões de hectares, com forte impacto na alimentação do povo brasileiro.
Para Alvarez, o aumento da produção levaria à queda de preços, ruim para o produtor, bom para os consumidores. Caberia, então, ao governo implantar uma política de ampliação da produção de alimentos, garantir preços mínimos, forçar a ocupação da terra, combater o latifúndio, gerar empregos no campo e atacar a fome. Ação muito mais eficiente, graças aos 20% de acréscimo na área plantada, do que o assistencialismo alimentar.
O latifúndio ocupa, hoje, mais de 20 milhões de hectares com soja. No início dos anos 1990, o número beirava os 11,5 milhões. A cana-de-açúcar foi de 4,2 para 6,5 milhões de hectares no mesmo período. Arroz e feijão sofreram redução da área plantada. Hoje o brasileiro consome mais massas do que a tradicional combinação de arroz e feijão, de grande valor nutritivo.
Alvarez conclui: “Não faltam terras no Brasil, faltam políticas de distribuição delas. Não faltam empregos, falta vontade de enfrentar a terra improdutiva. Não falta comida, falta direcionar a produção para atender as necessidades básicas de nossa população”.
.
A intempestiva lógica de Uribe
Reproduzo artigo de Gilberto Maringoni, publicado no sítio Carta Maior:
A ruidosa ofensiva desencadeada pelo presidente colombiano Álvaro Uribe contra a Venezuela, a poucos dias do final de seu mandato, pode ser debitada a pelo menos dois fatores que se completam.
O primeiro e mais evidente diz respeito ao papel crescente que a Colômbia vem desempenhando na geopolítica regional como o de fiel representante dos interesses dos Estados Unidos. Para isso, o país tem de se contrapor de maneira firme aos governos progressistas na região.
Como não seria produtivo estabelecer uma oposição em bloco a Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai, Uribe elegeu seu alvo: Venezuela. O vizinho seria responsável por apoiar e abrigar em seu território destacamentos das Farc. As provas para sustentar tal acusação, apresentadas em reunião da OEA, são no mínimo discutíveis. Fotos de pessoas uniformizadas no meio do mato não dizem muita coisa.
Acordo militar
As relações entre os dois países conheceram altos e baixos nos últimos anos, mas se deterioraram acentuadamente a partir de julho de 2009, quando o presidente colombiano anunciou publicamente o fechamento do acordo de cooperação militar com os Estados Unidos. O ponto principal do entendimento, como se sabe, prevê a instalação de sete bases militares no país, sob a justificativa de que elas possibilitarão “uma oportunidade única para operações de espectro completo em uma sub região crítica de nosso hemisfério, onde segurança e estabilidade estão permanentemente ameaçadas pelo narcotráfico, patrocinando insurgências terroristas, governos anti-Estados Unidos, pobreza endêmica e desastres naturais recorrentes”. A frase foi tirada do Programa de construção militar , divulgado em outubro do ano passado.
O líder venezuelano Hugo Chávez percebeu que a ameaça se dirigia especialmente contra seu país e bateu duro no tratado. O presidente Lula, ainda em agosto, contatou Barak Obama, pedindo explicações sobre o acordo. Uribe se isolou entre os países da Unasul, apesar da reunião de chanceleres, realizada nesta quinta, 29 de julho, em Quito, não ter deliberado sobre a questão das disputas entre Colômbia e Venezuela.
Por isso, é vital para a Colômbia levar suas pendências internacionais para outro fórum, a OEA, onde o peso dos Estados Unidos é determinante.
Disputas domésticas
Mas houve também motivações internas para a investida de Uribe, justamente nos dias em que o presidente eleito Juan Manuel dos Santos, em um giro pela Europa, anunciava a vontade de distensionar as relações com o país vizinho.
Quais as razões de Uribe para torpedear qualquer tentativa de aproximação? Santos representaria, de fato, outra linha a ser seguida pela política externa da Colômbia?
Parece pouco provável. O novo mandatário não apenas segue a mesma linha de aproximação com os EUA e de militarização crescente das disputas políticas, como era um dos membros do núcleo duro do governo Uribe, no qual desempenhou a função de Ministro da Defesa.
Onde estariam as diferenças entre ambos, se é que existem?
Apesar de toda a proximidade entre ambos, Santos não era o candidato preferido de Álvaro Uribe na disputa presidencial. O candidato dos sonhos de Uribe era Uribe, que não pode entrar na disputa porque a Suprema Corte vetou seu projeto de tentar uma segunda reeleição. Sem um nome viável, Uribe teve de aceitar a postulação de seu Ministro da Defesa, que não teve dificuldades em obter uma vitória eleitoral relativamente tranqüila, nas águas da popularidade do presidente da República. Uribe desfruta de altos índices de aceitação no fim de seu mandato, especialmente entre uma população cansada por décadas de violência institucionalizada.
A aliança militar com os EUA foi alicerçada numa forte propaganda, baseada em duas premissas. A primeira era de que as Farc não seriam um grupo guerrilheiro, mas uma organização terrorista, nos moldes da Al Qaeda. A segunda, decorrente da anterior, era a de que numa situação dessas não haveria negociação possível. A solução seria um enfrentamento militar. Com isso, não apenas as forças de segurança do Estado se viram com mãos livres para agir, como os grupos paramilitares de direita contaram com a vista grossa oficial para cometerem qualquer tipo de crime.
Santos foi um dos formuladores dessa política. Sua diferença com Uribe é de outra ordem.
Duas oligarquias
Figura secundária da cena política colombiana até oito anos atrás, o atual presidente era um líder regional, governador de Antioquia, um dos 32 Departamentos do país, e membro da oligarquia local. Foi um firme opositor da política de negociação com a guerrilha, levada a cabo pelo ex-presidente Andrés Pastrana (1996-2002). Com este mote construiu a campanha que o levaria a vitória em 2002.
Juan Manuel dos Santos, por sua vez, é originário de uma linhagem tradicional da burguesia. Seu tio-avô, Eduardo Santos, presidiu o país entre 1938 e 1942. A família é dona do mais importante jornal colombiano, El Tiempo, fundado em 1911 e recentemente vendido ao grupo espanhol Planeta. Por fim, seu primo, Francisco Santos é vicepresidente de Álvaro Uribe. Ou seja, o novo presidente não é uma sombra de seu antecessor, mas membro destacado das classes dominantes locais. Para estas, Uribe cumpriu um bom papel, mas seria apenas um novo rico emergente.
Sabendo do jogo e com receio de sair definitivamente de cena num momento em que a elite tradicional reassume o centro do palco, Uribe resolveu imprimir sua marca para continuar presente na disputa política local. Com todo o beneplácito do Império e da grande imprensa do continente.
Uma nota final
Todo o espalhafatoso jogo de cena relatado acima vem bem a calhar a outra figura da direita continental. Pode não haver articulação direta, mas José Serra e seu folclórico candidato a vice pegaram no ar a pauta lançada por Álvaro Uribe. Agora tentam envenenar a campanha presidencial brasileira com a risível acusação de que o Partido dos Trabalhadores estaria “envolvido com as Farc e com o narcotráfico”. Por sorte, o terrorismo eleitoral não pega mais por aqui, apesar de toda a insistência da imprensa brasileira.
.
A ruidosa ofensiva desencadeada pelo presidente colombiano Álvaro Uribe contra a Venezuela, a poucos dias do final de seu mandato, pode ser debitada a pelo menos dois fatores que se completam.
O primeiro e mais evidente diz respeito ao papel crescente que a Colômbia vem desempenhando na geopolítica regional como o de fiel representante dos interesses dos Estados Unidos. Para isso, o país tem de se contrapor de maneira firme aos governos progressistas na região.
Como não seria produtivo estabelecer uma oposição em bloco a Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai, Uribe elegeu seu alvo: Venezuela. O vizinho seria responsável por apoiar e abrigar em seu território destacamentos das Farc. As provas para sustentar tal acusação, apresentadas em reunião da OEA, são no mínimo discutíveis. Fotos de pessoas uniformizadas no meio do mato não dizem muita coisa.
Acordo militar
As relações entre os dois países conheceram altos e baixos nos últimos anos, mas se deterioraram acentuadamente a partir de julho de 2009, quando o presidente colombiano anunciou publicamente o fechamento do acordo de cooperação militar com os Estados Unidos. O ponto principal do entendimento, como se sabe, prevê a instalação de sete bases militares no país, sob a justificativa de que elas possibilitarão “uma oportunidade única para operações de espectro completo em uma sub região crítica de nosso hemisfério, onde segurança e estabilidade estão permanentemente ameaçadas pelo narcotráfico, patrocinando insurgências terroristas, governos anti-Estados Unidos, pobreza endêmica e desastres naturais recorrentes”. A frase foi tirada do Programa de construção militar , divulgado em outubro do ano passado.
O líder venezuelano Hugo Chávez percebeu que a ameaça se dirigia especialmente contra seu país e bateu duro no tratado. O presidente Lula, ainda em agosto, contatou Barak Obama, pedindo explicações sobre o acordo. Uribe se isolou entre os países da Unasul, apesar da reunião de chanceleres, realizada nesta quinta, 29 de julho, em Quito, não ter deliberado sobre a questão das disputas entre Colômbia e Venezuela.
Por isso, é vital para a Colômbia levar suas pendências internacionais para outro fórum, a OEA, onde o peso dos Estados Unidos é determinante.
Disputas domésticas
Mas houve também motivações internas para a investida de Uribe, justamente nos dias em que o presidente eleito Juan Manuel dos Santos, em um giro pela Europa, anunciava a vontade de distensionar as relações com o país vizinho.
Quais as razões de Uribe para torpedear qualquer tentativa de aproximação? Santos representaria, de fato, outra linha a ser seguida pela política externa da Colômbia?
Parece pouco provável. O novo mandatário não apenas segue a mesma linha de aproximação com os EUA e de militarização crescente das disputas políticas, como era um dos membros do núcleo duro do governo Uribe, no qual desempenhou a função de Ministro da Defesa.
Onde estariam as diferenças entre ambos, se é que existem?
Apesar de toda a proximidade entre ambos, Santos não era o candidato preferido de Álvaro Uribe na disputa presidencial. O candidato dos sonhos de Uribe era Uribe, que não pode entrar na disputa porque a Suprema Corte vetou seu projeto de tentar uma segunda reeleição. Sem um nome viável, Uribe teve de aceitar a postulação de seu Ministro da Defesa, que não teve dificuldades em obter uma vitória eleitoral relativamente tranqüila, nas águas da popularidade do presidente da República. Uribe desfruta de altos índices de aceitação no fim de seu mandato, especialmente entre uma população cansada por décadas de violência institucionalizada.
A aliança militar com os EUA foi alicerçada numa forte propaganda, baseada em duas premissas. A primeira era de que as Farc não seriam um grupo guerrilheiro, mas uma organização terrorista, nos moldes da Al Qaeda. A segunda, decorrente da anterior, era a de que numa situação dessas não haveria negociação possível. A solução seria um enfrentamento militar. Com isso, não apenas as forças de segurança do Estado se viram com mãos livres para agir, como os grupos paramilitares de direita contaram com a vista grossa oficial para cometerem qualquer tipo de crime.
Santos foi um dos formuladores dessa política. Sua diferença com Uribe é de outra ordem.
Duas oligarquias
Figura secundária da cena política colombiana até oito anos atrás, o atual presidente era um líder regional, governador de Antioquia, um dos 32 Departamentos do país, e membro da oligarquia local. Foi um firme opositor da política de negociação com a guerrilha, levada a cabo pelo ex-presidente Andrés Pastrana (1996-2002). Com este mote construiu a campanha que o levaria a vitória em 2002.
Juan Manuel dos Santos, por sua vez, é originário de uma linhagem tradicional da burguesia. Seu tio-avô, Eduardo Santos, presidiu o país entre 1938 e 1942. A família é dona do mais importante jornal colombiano, El Tiempo, fundado em 1911 e recentemente vendido ao grupo espanhol Planeta. Por fim, seu primo, Francisco Santos é vicepresidente de Álvaro Uribe. Ou seja, o novo presidente não é uma sombra de seu antecessor, mas membro destacado das classes dominantes locais. Para estas, Uribe cumpriu um bom papel, mas seria apenas um novo rico emergente.
Sabendo do jogo e com receio de sair definitivamente de cena num momento em que a elite tradicional reassume o centro do palco, Uribe resolveu imprimir sua marca para continuar presente na disputa política local. Com todo o beneplácito do Império e da grande imprensa do continente.
Uma nota final
Todo o espalhafatoso jogo de cena relatado acima vem bem a calhar a outra figura da direita continental. Pode não haver articulação direta, mas José Serra e seu folclórico candidato a vice pegaram no ar a pauta lançada por Álvaro Uribe. Agora tentam envenenar a campanha presidencial brasileira com a risível acusação de que o Partido dos Trabalhadores estaria “envolvido com as Farc e com o narcotráfico”. Por sorte, o terrorismo eleitoral não pega mais por aqui, apesar de toda a insistência da imprensa brasileira.
.
Farc alimentam discurso de Uribe
Reproduzo polêmico artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:
A oposição conservadora volta a brandir o espectro da guerrilha colombiana contra o PT e sua candidata presidencial. A tentativa, recorrente, é transformar em fardo eleitoral eventuais relações da esquerda brasileira com a insurgência no país vizinho. O palavrório acabou amplificado pelo ex-governador José Serra, na paralela dos ataques furibundos de Álvaro Uribe contra a Venezuela de Chávez.
Afinal, o discurso contra as Farc aparece, nos mais distintos cenários, como peça de resistência dos grupos de direita, em seu propósito de atribuir à esquerda uma lógica antidemocrática. Ainda que esse recurso propagandístico reflita décadas de orquestrada desinformação, não é possível silêncio sobre a organização armada ter-se convertido em cúmplice objetiva do uribismo e seus sócios continentais.
A estratégia do presidente colombiano apoia-se em pretexto indispensável: a existência de grupo violento, supostamente vinculado ao narcotráfico, só poderia ser combatida pelo recrudescimento da violência de Estado. Esse motivo, turbinado pela mistificação, também serve na costura de consenso para a quebra de soberania implícita no Plano Colômbia e na implantação de bases militares norte-americanas.
Não há novidade na conduta. A história das ditaduras revela em abundância a utilização dessa pegada. Só foi possível às forças de esquerda sair de tal armadilha, entretanto, quando deram vida a projetos capazes de conquistar apoio popular e apresentar viabilidade como alternativa de poder. As Farc estão longe de encarnar essa perspectiva. Tratam-se, atualmente, de agrupamento condenado ao isolamento político e ao declínio militar.
Também a FLN vietnamita e o cubano M26, para ficarmos em dois exemplos notórios, foram tratados, em seu tempo, como as mais abomináveis quadrilhas de terroristas e bandoleiros. A diferença central é que possuíam força propulsora: expressavam amplamente a vontade social de seus países. A guerrilha colombiana, estrategicamente derrotada, gira sobre si mesma e suas necessidades de sobrevivência.
As Farc, fundadas em 1964, não inventaram a violência. Representaram, ao nascer, resposta legítima dos movimentos camponeses contra a feroz repressão oligárquica, que associava os interesses latifundiários e as primeiras operações dos monopólios da cocaína. Durante décadas enfrentaram a aliança entre o Estado e grupos paramilitares financiados pelo narcotráfico. A organização insurgente, nesse período, tornou-se protagonista da vida política.
O colapso da União Soviética ao final dos anos 80, no entanto, criou um novo equilíbrio de forças, desfavorável às formações guerrilheiras. A maioria delas – como a Frente Farabundo Marti, em El Salvador, e mesmo outros grupos colombianos – se decidiu por abandonar armas e se converter em partidos políticos. As Farc seguiram pela via militar até exaurirem energias políticas e conexões populares.
Com razões de sobra, os chefes da guerrilha alegam desconfiança na disposição da direita colombiana em buscar acordo de paz e reinserção. Na principal tentativa realizada, em 1985, milhares de combatentes desarmados, inscritos na União Patriótica, foram massacrados pelos paramilitares. Mas o fato é que, com ou sem desconfiança, não parecem restar opções às Farc além de uma saída negociada ou a agonia final.
Sua insistência na orientação beligerante, no entanto, revela-se útil à política de Álvaro Uribe. A guerrilha, mesmo desidratada, serve como espantalho contra o desenvolvimento de qualquer solução mais progressista. Além da serventia na frente interna, a especulação sobre os vínculos da esquerda de outros países com o grupo rebelde constitui importante plataforma para a intervenção política e bélica dos Estados Unidos no continente.
Apenas as próprias Farc podem mudar essa situação de forma positiva à esquerda, adotando um compromisso inequívoco com a pacificação e aceitando salva-guardas que hoje podem ser oferecidas pelos governos democráticos da região. A libertação incondicional de reféns, a declaração unilateral de cessar-fogo e a solicitação de mediação internacional para a paz talvez fossem um bom começo.
Passos dessa natureza poderiam, de toda forma, romper a coluna vertebral do discurso uribista e neutralizar uma das principais variáveis da política de Washington para recuperar o espaço perdido na América do Sul.
.
A oposição conservadora volta a brandir o espectro da guerrilha colombiana contra o PT e sua candidata presidencial. A tentativa, recorrente, é transformar em fardo eleitoral eventuais relações da esquerda brasileira com a insurgência no país vizinho. O palavrório acabou amplificado pelo ex-governador José Serra, na paralela dos ataques furibundos de Álvaro Uribe contra a Venezuela de Chávez.
Afinal, o discurso contra as Farc aparece, nos mais distintos cenários, como peça de resistência dos grupos de direita, em seu propósito de atribuir à esquerda uma lógica antidemocrática. Ainda que esse recurso propagandístico reflita décadas de orquestrada desinformação, não é possível silêncio sobre a organização armada ter-se convertido em cúmplice objetiva do uribismo e seus sócios continentais.
A estratégia do presidente colombiano apoia-se em pretexto indispensável: a existência de grupo violento, supostamente vinculado ao narcotráfico, só poderia ser combatida pelo recrudescimento da violência de Estado. Esse motivo, turbinado pela mistificação, também serve na costura de consenso para a quebra de soberania implícita no Plano Colômbia e na implantação de bases militares norte-americanas.
Não há novidade na conduta. A história das ditaduras revela em abundância a utilização dessa pegada. Só foi possível às forças de esquerda sair de tal armadilha, entretanto, quando deram vida a projetos capazes de conquistar apoio popular e apresentar viabilidade como alternativa de poder. As Farc estão longe de encarnar essa perspectiva. Tratam-se, atualmente, de agrupamento condenado ao isolamento político e ao declínio militar.
Também a FLN vietnamita e o cubano M26, para ficarmos em dois exemplos notórios, foram tratados, em seu tempo, como as mais abomináveis quadrilhas de terroristas e bandoleiros. A diferença central é que possuíam força propulsora: expressavam amplamente a vontade social de seus países. A guerrilha colombiana, estrategicamente derrotada, gira sobre si mesma e suas necessidades de sobrevivência.
As Farc, fundadas em 1964, não inventaram a violência. Representaram, ao nascer, resposta legítima dos movimentos camponeses contra a feroz repressão oligárquica, que associava os interesses latifundiários e as primeiras operações dos monopólios da cocaína. Durante décadas enfrentaram a aliança entre o Estado e grupos paramilitares financiados pelo narcotráfico. A organização insurgente, nesse período, tornou-se protagonista da vida política.
O colapso da União Soviética ao final dos anos 80, no entanto, criou um novo equilíbrio de forças, desfavorável às formações guerrilheiras. A maioria delas – como a Frente Farabundo Marti, em El Salvador, e mesmo outros grupos colombianos – se decidiu por abandonar armas e se converter em partidos políticos. As Farc seguiram pela via militar até exaurirem energias políticas e conexões populares.
Com razões de sobra, os chefes da guerrilha alegam desconfiança na disposição da direita colombiana em buscar acordo de paz e reinserção. Na principal tentativa realizada, em 1985, milhares de combatentes desarmados, inscritos na União Patriótica, foram massacrados pelos paramilitares. Mas o fato é que, com ou sem desconfiança, não parecem restar opções às Farc além de uma saída negociada ou a agonia final.
Sua insistência na orientação beligerante, no entanto, revela-se útil à política de Álvaro Uribe. A guerrilha, mesmo desidratada, serve como espantalho contra o desenvolvimento de qualquer solução mais progressista. Além da serventia na frente interna, a especulação sobre os vínculos da esquerda de outros países com o grupo rebelde constitui importante plataforma para a intervenção política e bélica dos Estados Unidos no continente.
Apenas as próprias Farc podem mudar essa situação de forma positiva à esquerda, adotando um compromisso inequívoco com a pacificação e aceitando salva-guardas que hoje podem ser oferecidas pelos governos democráticos da região. A libertação incondicional de reféns, a declaração unilateral de cessar-fogo e a solicitação de mediação internacional para a paz talvez fossem um bom começo.
Passos dessa natureza poderiam, de toda forma, romper a coluna vertebral do discurso uribista e neutralizar uma das principais variáveis da política de Washington para recuperar o espaço perdido na América do Sul.
.
Assinar:
Postagens (Atom)