Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Não raras vezes sou instado a responder a esta questão: "Por que nossa grande mídia tem tanta má vontade com o presidente Lula?" É tema recorrente nas mensagens que recebo nas perguntas de estudantes de faculdades de jornalismo e em almoço com colegas de profissão.
Sou levado a crer que a questão martela a têmpora de nove em cada grupo de 10 pessoas dedicadas a estudar o "fazer jornalístico" no Brasil. Mas até a pergunta comporta diversas variações de intensidade e inflexão. Algumas destas: "Por que a grande imprensa está sempre contra Lula?" E mais: "O que Lula fez para que nossa principal emissora de TV aberta, nossos principais jornais e nossas revistas semanais de maior tiragem lhe fizessem marcação cerrada, expressassem tamanha oposição ao seu governo?" E chega a ser risível esta outra formulação: "Por que será mais fácil nevar em Teresina que a grande mídia mostrar alguma consideração para com Lula?"
Reforçar o preconceito
O certo é que a questão é uma só e desperta a paixão de quem se habilita a respondê-la. A resposta não comporta muro nem esperança de que o muro se mova. Temos aqueles que são rápidos no gatilho verbal e resumem tudo a mero preconceito de classe, preconceito cultural, preconceito social, preconceito lingüístico, preconceito – enfim. Os que concordam com esta tese entendem que não há outra justificativa razoável. Acreditam que os barões da grande imprensa prezam seus ritos, tanto os escritos quanto os verbais; ritos que lhes asseguram ser sua atividade profissional o próprio Quarto Poder e se vêm com poder de influenciar para o bem ou para o mal as políticas de governo. Proclamam seu poder em conquistar corações e mentes tanto para beatificar quanto demonizar autoridades do primeiro escalão. Entendem que faz parte da esfera pública em que atuam a decisão para tratar a cobertura do governo em três modos: "banho maria", fogo brando ou crestado em altas labaredas. E, por fim, são useiros e vezeiros na arte de criar dificuldades imediatas para vender facilidades midiáticas. Há ainda aqueles que respondem à pergunta sobre a má vontade da grande imprensa para com o presidente com outra pergunta: “Não foi este governo que diminuiu o protagonismo da grande mídia?”
Destacam, então, que não faz muito tempo, coisa de menos de um decênio, era comum no Brasil que o presidente da República, em pessoa, levasse aos barões da mídia suas idéias e até mesmo detalhes do planejamento de políticas públicas de vulto que pretendia levar à realidade. Tudo feito com anterioridade regulamentar, antes de ser do conhecimento de seu primeiro escalão e muito antes de o assunto ser objeto de debate no Congresso Nacional. Mas, como manter as tradições, os ritos e o arraigado teor simbólico das relações mídia-governo se o governo passou a ser visto pelos tradicionais interlocutores midiáticos como não se estando à altura dos desafios postos à sua frente?
Aqueles que nutrem este tipo de preconceito em relação ao presidente desconhecem ou não concordam com a percepção que a experiência substitui o diploma formal. São pessoas que chegam mesmo a expressar concordância e respeito para com o conhecimento dos povos originários do Brasil. Um xamã, uma rezadeira, um manipulador de ervas medicinais pode ter um conhecimento mágico que transcende as leis da medicina.
Infelizmente, o presidente da República não pode se beneficiar destas clareiras do pensamento. E não importa se é líder nato, carismático, se destrincha o código de comunicação com as raízes do Brasil. Nada disso importa já que não reforça o preconceito. Simples assim.
O sorriso da aquiescência
Temos também aqueles que justificam essa má vontade do baronato devido às ações do governo para diluir a força da meia dúzia de atores políticos – os que se entendem porta-vozes da "grande imprensa" – e criar espaço para nova gama de atores, os "grandes" das mídias regionais e locais. Aqui, é indispensável citar dados da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom): em 2003, o governo Lula publicou anúncios em 182 municípios, atingindo 499 veículos (incluindo rádio, jornal e TV). Em 2004, esse número subiu para 757 municípios e 2.165 veículos. Em 2006, com 1.358 municípios e 4.451 veículos. Devido a um orçamento menor em 2007, os anúncios veiculados pela Secom caíram para 913 municípios em 3.434 veículos. Em 2008, o governo divulgou peças publicitárias em 5.297 veículos, sendo 2.597 rádios e 297 TVs, número muito superior aos 499 meios de comunicação que recebiam recursos para fins de promoção em 2003. Nesse período, o número de municípios atingidos pelos anúncios do Executivo federal cresceu de 182 para 1.149.
São números estarrecedores para uns poucos e esclarecedores para a vasta maioria da população. Em qualquer atividade empresarial, o bem maior a ser protegido não fica no lado esquerdo do peito, e sim, no bolso. Para se ter uma visão de grandeza dos valores envolvidos, tenhamos em mente que para promover a imagem e as ações do governo nos quatro primeiros meses de 2010, já foram desembolsados R$ 240,7 milhões – 63% a mais do que no mesmo período de 2009. E mais: o orçamento total para a propaganda chega a R$ 700,4 milhões, 29,2% a mais do que no ano passado. Estão de fora dessa conta os valores gastos pelas estatais.
Números que falam por si, dando conta que o bolo (da publicidade oficial) começou, de fato, a ser fatiado de forma menos concentradora e mais transparente e os comensais, que em 2003 eram contados a poucas centenas, hoje já chegam aos milhares.
A gritaria é grande, a cara feia, amuada, toma lugar no rosto que antes mantinha monolítico sorriso de aquiescente aprovação e então novas bandeiras passam a ser agitadas aos ventos (e eventos) da ocasião. Porque uma coisa é democratizar o acesso aos veículos de comunicação e outra coisa é convidar mais gente para pegar sua fatia do bolo. Ainda assim, há que se franzir o cenho e partir para cima, não obstante os melhores pedaços do bolo se destinarem às mesmas bocas.
O que a mídia não viu
Explico. Em 2009, a quase totalidade dos milhões de reais investidos em publicidade pelo governo "autoritário e estatizante" de Lula foi destinada aos que integram o consórcio “grande imprensa”: 62% das verbas publicitárias do governo e das estatais foram para as emissoras de televisão, 12% para as rádios, 9% para os jornais, 8% para as revistas, 1,5% para a internet, 1,5% para outdoors e 6% para as outras mídias. Só a TV Globo ficou com quase 60% dos recursos da televisão. Os três principais jornais do país (Folha de S.Paulo, Estado de S. Paulo e O Globo) abocanharam o grosso dos recursos do setor.
Sempre existiu no Brasil uma mídia coberta com a capa da invisibilidade e outra mídia, conhecida como grande mídia, atenta representante das grandes redes de rádio e televisão, das maiores empresas publicadoras de jornais e revistas e dos grandes portais na internet. Esta mídia historicamente detinha 100% da interlocução com o governo. Mudou a forma como o mundo vê o Brasil. E mudou a forma como o Brasil se deixa ver pelo mundo. E foi para melhor. Hoje somos mais bem explicados pela imprensa internacional que pela nacional.
E não é só o Brasil que parece ter mudado de eixo. Time, Le Monde, El País, New York Times, Newsweek, Financial Times, Der Spiegel não passam 30 dias sem publicar extensa matéria laudatória (1) ao Brasil como potência do presente e do futuro imediato, (2) a Lula como maior líder político da atualidade ou dos últimos dez anos, (3) explicando a conjunção de fatores que faz o Brasil ser alvo da opinião pública mundial. E não precisa ser muito iluminado para entender que Le Monde, El País e Financial Times são alguns dos jornais deste mundo cujas opiniões contam. Goste-se ou não.
É irônico que o que não se faz em casa se faz fora de casa. Aqui, o governo Lula passaria em brancas nuvens ante o olhar embaçado de nossos grandes jornais e revistas e ante as lentes turvas de nosso telejornal de maior audiência, o Jornal Nacional. Historiadores no futuro terão trabalho para escrever o papel da grande imprensa brasileira no período 2003-2010. Pesquisar nos arquivos será frustrante porque o Brasil impresso mostrará ser visceralmente contraditado pelo Brasil real. Se uma vista d´olhos tiver como escopo a coleção de manchetes diárias dos grandes jornais e as capas das principais revistas semanais de informação, o pesquisador irá detectar que nunca existiu tão grande descompasso entre o que a mídia não viu (e noticiou) e o que a população viu (e vivenciou).
Uma história de vida
Se antes, nos anos 1990, a praxe era repercutir semanas a fio qualquer reverência prestada ao Brasil – e ao seu presidente – partindo de autoridade estrangeira – ou também por ser o Brasil tema de reportagem com viés positivo por seus congêneres midiáticos estrangeiros, hoje se tornou lugar comum deixar passar batido, fazer de conta que os aplausos são para o presidente de Trinidad e Tobago e a aprovação internacional ter como alvo a região onde antes ficava o Congo Belga e, sendo assim, nada mais previsível que passar ao largo, repercutir de forma melancólica e burocrática, em matérias claramente forçadas (o contrário de entusiasmadas). Repercussão feita apenas para cumprir tabela e tentar diminuir a distância abissal a separar nossa opinião pública (da população) da opinião publicada (dos donos dos grandes veículos de comunicação).
E a verdade começa a incomodar: desde 1889, ano em que foi a proclamada a República, até os dias que correm, nunca tivemos um presidente da República tão premiado, festejado, elogiado em fóruns internacionais como o atual presidente. Prêmios de organismos internacionais – como os do sistema Nações Unidas – parecem chegar em penca. O mesmo ocorre com aqueles que lhe são conferidos por entidades como o Fórum Econômico Mundial de Davos, o do governo espanhol, do Centro Woodrow Wilson etc. Mas, nada disso parece demover a grande imprensa de sua posição preconcebida, de fazer vista grossa para o fato que o presidente para chegar ao ponto em que se encontra – desfrutando de aprovação popular interna na oscilando entre 76% e 83% e contando amplo respaldo internacional, e não obstante colocar em jogo essa reputação em bolas divididas com o Irã – tem uma história de vida que, como bem assinalou recentemente editorial da revista americana Newsweek. Publicou a revista que "Lula percorreu um longo caminho do faminto Nordeste do Brasil para a sala da Assembleia-Geral das Nações Unidas, mas o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, conhece cada passo desse caminho".
Esforços pela paz mundial
Embora soe irônico quando colocado sob perspectiva histórica, não faz muitos anos que a imprensa entrava em êxtase ao noticiar que um presidente brasileiro seria agraciado com o título de doutor honoris causa concedido pela na Universidade de Coimbra. As fotos da solenidade acadêmica preencheriam páginas centrais, as manchetes trariam a marca do deliberado ufanismo como se estivessem noticiando ser um brasileiro o primeiro humano a pisar a superfície de Marte. O contraste é brutal e não dissimulado.
Quando o preconceito embota o juízo humano, a verdade se dilui com a celeridade do orvalho ante os primeiros raios do sol. É fato que nossa grande imprensa prefere se mirar mais no espelho da Universidade portuguesa que no espelho do mundo simbolizado por tão ilustres organismos multilaterais entesourados no sistema Nações Unidas, como a Unesco, o Unicef, a FAO, a ActionAid. A grande imprensa prefere investigar razões ocultas, e não lídimas, para a concessão dos prêmios. Trata-se de performance patética e atrapalhada pelos que detêm o poder real nos meios de comunicação. Porque, já nos ensinava Albert Einstein em meados dos anos 1940, é bem mais fácil rachar um átomo que quebrar um preconceito.
E, no entanto, é a mesma grande imprensa que faz força para entortar o que é direito. E há deliberado esforço nisso. A política externa de Lula é vista com olhos tomados por clara alucinação preconceituosa. Quando não, motivada por absoluta má-fé. Retiram-lhe os créditos por vocalizar os anseios dos países africanos e por ousar criar embaixadas em países em que o PIB é menor que o do estado do Piauí. A ação do Itamaraty só é legítima perante nossa grande imprensa se for destinada a manter o status quo: continuar sua função de habitual anonimato entre os países afluentes que integram o circuito Elizabeth Arden. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil se torna acéfalo, inoperante e fracassado se passa a flertar com o chamado circuito Madre Teresa de Calcutá, convenhamos, circuito infinitamente menos sedutor. Mas por onde trafega 2/3 da humanidade. Cassam os créditos do Itamaraty por haver conseguido protagonismo único no G-20. É quando a grande imprensa forma fileiras (de primeira a quinta colunas) com potências ocidentais, sempre desejosas por novas guerras – forma perversa e rápida de reequilibrar suas finanças, já que armas precisam tanto de guerras quanto guerras precisam de armas. E em seu desejo de empanar o brilho de nossas conquistas no contencioso nuclear envolvendo o Irã e o Ocidente vigora o vale-tudo: opta-se por menosprezar as ações do Brasil conseguindo, em menos de 19 meses, gerar ambiente propício à diplomacia no terreno minado entre o Irã e o Ocidente, terreno que começou a ficar minado ainda naquele período glacial que remonta a 1979, Chama atenção que o Brasil – que tanto se orgulha de sua história de pacifismo –, tantas vezes mencionado em curso de formação para a carreira de diplomata do sisudo Instituto Rio Branco, apareça aos olhos de sua grande mídia como disposto a refugar tão bem sucedidos esforços pela paz mundial.
O passado não se pode mudar
Chega a ser impensável para nossa grande imprensa que o retirante nordestino, praticante contumaz de crimes gramaticais, vítima de adjuntos adnominais e refém de uma cultura cínica e centrada na posse do canudo universitário, possa ser acumular êxitos em tantas frentes: aplicar políticas públicas bem sucedidas a ponto de levar 23 milhões de brasileiros da classe pobre para a classe média em menos de meia década; anunciar (por golpe de sorte, penso) a descoberta de imensos campos petrolíferos na camada do pré-sal; fazer eco ao legado de Getúlio Vargas trazendo à existência legal nada menos que uma CLS, ou seja, uma Consolidação das Leis Sociais; liquidar a histórica dívida do Brasil com o Fundo Monetário Internacional, passando o país de devedor a credor; chamar de marola (e depois provar que tinha razão) a crise de 2008, considerada a pior crise econômica internacional depois da Grande Depressão de 1929, mostrando ao mundo um país com fundamentos econômicos sólidos e com suas contas inteiramente sob controle e, mais que isto, administráveis.
Se no primeiro mandato constava da publicidade governamental blasonar "o orgulho de ser brasileiro", no segundo já estávamos em outra fase, o de sentir este orgulho. É quando o Brasil é escolhido pela Fifa para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014, e o Rio de Janeiro, desbancando Chicago, Madri, Tóquio e conquistando o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Fica evidente que se o Brasil tivesse que ser escolhido para ser anfitrião dos dois mais importantes eventos esportivos do planeta contando unicamente com o apoio de sua grande imprensa, com certeza a Copa de 2014 aconteceria nos Estados Unidos e as Olimpíadas de 2016 seriam ou na Espanha ou no Japão. E quem duvidar dessa singela afirmação basta gastar um par de horas pesquisando nos arquivos virtuais das revistas Veja e Época e dos jornais O Globo, Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo. Pesquisar arquivos de nossas TVs de canal aberto exigirá mais tempo, mas o resultado será o mesmo: ainda bem que quem representa a chamada grande mídia brasileira - aquela que se reúne no Instituto Millenium - não é quem representa o Brasil em fóruns internacionais. Uma coisa que não se pode mudar é o passado. E precisamos entender que a história do presente, antes de ser objeto de historiadores, é registrada nas redações de nossos principais veículos de comunicação.
Guardiões do culto acadêmico
A situação chega a ser tão absurda e tão "comprovada" a tal má vontade de nossa grande imprensa para com o governo Lula que a edição do carioca O Globo de 18/3/2010 chegou a publicar a seguinte declaração de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de S.Paulo: "A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."
Cabe ao leitor atento, ao internauta antenado e ao telespectador perspicaz perceber que muitas redações parecem trabalhar com as seguintes diretrizes: tratar de confiscar do presidente Lula todas as conquistas de seu governo; procurar dono para essas conquistas; ridicularizar seu discurso de apelo e compreensão fáceis; minimizar suas políticas públicas e, de quebra, enxovalhar sua política externa. Qualquer êxito que lhe seja imputado, antes de sua necessária divulgação, deve passar por rigoroso esquadrinhamento, cerrada investigação e busca incessante por motivações ocultas. A marca da maldade existe – precisa apenas ser encontrada. É nesse contexto que assume novo significado a famosa frase presidencial (revista piauí nº 28, janeiro/2009) dizendo que "o presidente Lula não lê jornal porque lhe dá azia". E, considerando que o dono da anunciada azia continua bafejado com índice recorde de aprovação popular... não seria razoável imaginar que seria apenas ele, o presidente, a sentir os efeitos indigestos da leitura dos jornais?
No momento em que todos – à exceção da grande mídia – demonstram incondicional aprovação ao governo Lula, é bom que os diversos atores venham à boca do palco despejar toda a verdade. Ao menos de vez em quando, dizer a verdade faz bem à mente e ao espírito. Ao dizer que ler jornais lhe causava azia, será que não estava por trás a mensagem de que ele preferia não se pautar pela agenda da grande mídia?
Não seria esta sua resposta simples, direta, fazendo o trajeto do coração ao fígado derivada dos muitos anos em que foi impiedosamente atacado, ridicularizado, menosprezado pelos guardiões do culto acadêmico?
Seres débeis e mesquinhos
Avancemos mais que pensar não enlouquece ninguém, isso já se comprovou. Os milhões de brasileiros que votaram nele em cinco eleições presidenciais (1989, 1994, 1998, 2002 e 2006) teriam assim procedido graças à sua trajetória intelectual? Ou, então, será que esses milhões que o acompanharam nas vezes em que não subiu a rampa do Planalto e nas duas em que adentraram com ele o Palácio não nutriam admiração por ser ele um operário que abraçou a vida política e a passou a viver para a política?
Teria o seu governo investido menos em educação superior do que qualquer outro governo republicano? E dentre seus antecessores na suprema magistratura (é assim que também se designa o presidente do Brasil), aqueles que possuíam vistosos títulos acadêmicos, reconhecimento intelectual conferido pela Sorbonne IV (Paris), carinho e franco apreço midiátivo, por acaso, fizeram governo melhor, saíram do governo para entrar (em vida) na História?
Como deve ser mensurado o mérito de um líder político? Por que critérios este deve ser avaliado: nos seus deslizes verbais ou nos seus resultados? Na sua atestada autosuficiência intelectual ou por sua prática política fundada no diálogo e na lídima negociação na esfera pública?
E, no vácuo criado pela interdição voluntária dos êxitos do governo, o que deve fazer a grande imprensa? Simples: embaralhar, criar confusão e impedir todo e qualquer debate sobre controle social da informação. Para tanto, nada mais previsível que se apresentem como defensores legítimos da liberdade de expressão, deixando ao governo a ação caluniosa de propor a volta da censura sempre que este se atreva a acenar com a regulamentação dos artigos 221 a 223, da Constituição Brasileira de 1988. Uma coisa é certa: não foram frutos de displicência nem distração dos representantes eleitos pelo povo brasileiro para participar Assembléia Nacional Constituinte. E do que tratam estes dispositivos constitucionais?
Tratam das restrições da liberdade de comunicar; da propriedade das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e televisiva; da concessão e permissão para tais serviços; e, ainda mais, tem o já demonizado artigo 224 da Carta Magna. Este prevê a instituição do Conselho de Comunicação Social. Portanto, agir conforme reza a Constituição, passa a ser encarado crime de lesa-pátria.
Atento leitor: chegará o momento em que não será mais necessário clamar por um jornalismo plural, responsável, sério, veraz, equânime, vacinado contra os males do preconceito e da hipocrisia moral que ganha terreno em nossas relações sociais. E não haverá de se dispensar mais esforço para derrubá-lo porque este tipo de jornalismo está com dias contados e sua queda, de tão podre, mostrará ser inevitável.
O leitor pode bem se comprazer na deleitosa tarefa de entender o jornalismo como espelho-mundo, dotado de visão e fala. Ao crítico da mídia compete um encargo mais melancólico. Cumpre-lhe descobrir a inevitável mistura de erro e corrupção por ele contraído numa longa associação com os poderosos da terra, em meio a uma raça de seres débeis e mesquinhos.
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sábado, 5 de junho de 2010
O Estado de Israel é a origem do ódio
Reproduzo excelente resposta de Breno Altman, publicada no sítio Opera Mundi:
Li essa manhã um indignado artigo escrito pelo jornalista Sérgio Malbergier, intitulado “Ódio a Israel ameaça palestinos”. O autor aborda o repúdio internacional contra o ataque israelense à frota humanitária que se dirigia a Faixa de Gaza. “Como judeu, descendente de avós que perderam pais e irmãos no Holocausto nazista, é de embrulhar o estômago ver a guerra mundial contra Israel”, afirma o colunista da Folha.com.
Temos pontos em comum. Também sou judeu. Meus avós, como os dele, igualmente perderam irmãos e parentes na Europa ocupada pelo nazismo. Mas considero inaceitável e indigno que o Holocausto sirva de álibi para que o Estado de Israel comporte-se com o povo palestino com a mesma arrogância e a mesma crueldade que vitimaram os judeus.
Onde Malbergier consegue ver “guerra mundial contra Israel”? Protestos e moções são comparáveis aos tiros que receberam os passageiros das embarcações pacifistas? A tímida resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem alguma equivalência com o terrorismo de Estado que se manifesta nas atitudes do governo israelense?
O problema talvez não seja de estômago embrulhado, mas de vista embaçada. Quem sabe o dr. Greg House possa diagnosticar a cegueira que acomete meu patrício. Afinal, como deveriam reagir os homens e mulheres de bem a mais esse ataque covarde? Batendo palmas? Aceitando as mentiras de Netanyahu?
Mas Malbergier não se contenta em justificar os crimes sionistas com o escudo do Holocausto. Recorre à surrada fórmula do antissemitismo: “Não é possível distinguir o Estado judeu dos judeus. Odiando-se um, odeia-se os outros.”
Arvora-se o autor a falar em nome de todos os judeus? Não em meu nome. Tampouco no de incontáveis judeus que deram suas vidas pelas boas causas da humanidade e jamais aceitariam ver sua biografia misturada à defesa de um Estado comprometido até a medula com a opressão de outro povo.
Se Israel está se convertendo em uma nação pária, que Malbergier procure a responsabilidade por essa situação entre os malfeitos do sionismo, pois foi essa corrente que construiu o Estado de Israel à sua imagem e semelhança.
Governo após governo, desde 1948, o Estado de Israel viola resoluções internacionais e dedica-se a expandir suas fronteiras muito além da partilha da Palestina aprovada pelas Nações Unidas em 1947.
O primeiro dos atentados terroristas, realizado em abril de 1948, foi o massacre da aldeia de Deir Yassin, nas proximidades de Jerusalém, quando mais de duzentos palestinos desarmados foram trucidados por forças sionistas paramilitares. Dali por diante essa foi a marca do comportamento de sucessivas administrações israelenses.
Ao ódio colonizador do Estado sionista, os palestinos responderam com o ódio dos desvalidos. Muitos de seus atos são injustificáveis e condenáveis, pois o terror contra a população civil é crime contra a humanidade. Mas o ovo da serpente, onde tudo começou, está na recusa de Israel em aceitar o direito à independência e à soberania do povo palestino.
A escalada da violência só irá terminar quando esse direito estiver assegurado. O Estado de Israel atravessou décadas na ilegalidade porque sempre contou com a salvaguarda da Casa Branca para seus atos de pirataria. Apenas se sentará com seriedade na mesa de negociações se essa proteção acabar.
O temor de muitos judeus que defendem o Estado de Israel é que, dessa vez, seu país de reverência tenha ido além da conta. Diante do risco, ainda pequeno, de que a era da impunidade chegue ao fim, apontam seu dedo acusatório e ameaçador contra as vítimas.
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Li essa manhã um indignado artigo escrito pelo jornalista Sérgio Malbergier, intitulado “Ódio a Israel ameaça palestinos”. O autor aborda o repúdio internacional contra o ataque israelense à frota humanitária que se dirigia a Faixa de Gaza. “Como judeu, descendente de avós que perderam pais e irmãos no Holocausto nazista, é de embrulhar o estômago ver a guerra mundial contra Israel”, afirma o colunista da Folha.com.
Temos pontos em comum. Também sou judeu. Meus avós, como os dele, igualmente perderam irmãos e parentes na Europa ocupada pelo nazismo. Mas considero inaceitável e indigno que o Holocausto sirva de álibi para que o Estado de Israel comporte-se com o povo palestino com a mesma arrogância e a mesma crueldade que vitimaram os judeus.
Onde Malbergier consegue ver “guerra mundial contra Israel”? Protestos e moções são comparáveis aos tiros que receberam os passageiros das embarcações pacifistas? A tímida resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem alguma equivalência com o terrorismo de Estado que se manifesta nas atitudes do governo israelense?
O problema talvez não seja de estômago embrulhado, mas de vista embaçada. Quem sabe o dr. Greg House possa diagnosticar a cegueira que acomete meu patrício. Afinal, como deveriam reagir os homens e mulheres de bem a mais esse ataque covarde? Batendo palmas? Aceitando as mentiras de Netanyahu?
Mas Malbergier não se contenta em justificar os crimes sionistas com o escudo do Holocausto. Recorre à surrada fórmula do antissemitismo: “Não é possível distinguir o Estado judeu dos judeus. Odiando-se um, odeia-se os outros.”
Arvora-se o autor a falar em nome de todos os judeus? Não em meu nome. Tampouco no de incontáveis judeus que deram suas vidas pelas boas causas da humanidade e jamais aceitariam ver sua biografia misturada à defesa de um Estado comprometido até a medula com a opressão de outro povo.
Se Israel está se convertendo em uma nação pária, que Malbergier procure a responsabilidade por essa situação entre os malfeitos do sionismo, pois foi essa corrente que construiu o Estado de Israel à sua imagem e semelhança.
Governo após governo, desde 1948, o Estado de Israel viola resoluções internacionais e dedica-se a expandir suas fronteiras muito além da partilha da Palestina aprovada pelas Nações Unidas em 1947.
O primeiro dos atentados terroristas, realizado em abril de 1948, foi o massacre da aldeia de Deir Yassin, nas proximidades de Jerusalém, quando mais de duzentos palestinos desarmados foram trucidados por forças sionistas paramilitares. Dali por diante essa foi a marca do comportamento de sucessivas administrações israelenses.
Ao ódio colonizador do Estado sionista, os palestinos responderam com o ódio dos desvalidos. Muitos de seus atos são injustificáveis e condenáveis, pois o terror contra a população civil é crime contra a humanidade. Mas o ovo da serpente, onde tudo começou, está na recusa de Israel em aceitar o direito à independência e à soberania do povo palestino.
A escalada da violência só irá terminar quando esse direito estiver assegurado. O Estado de Israel atravessou décadas na ilegalidade porque sempre contou com a salvaguarda da Casa Branca para seus atos de pirataria. Apenas se sentará com seriedade na mesa de negociações se essa proteção acabar.
O temor de muitos judeus que defendem o Estado de Israel é que, dessa vez, seu país de reverência tenha ido além da conta. Diante do risco, ainda pequeno, de que a era da impunidade chegue ao fim, apontam seu dedo acusatório e ameaçador contra as vítimas.
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sexta-feira, 4 de junho de 2010
Eliane Cantanhêde e o “enterro dos demos”
A jornalista Eliane Cantanhêde, a mesma que extrapolou em vibração numa festança dos tucanos (veja vídeo), agora parece preocupada com o destino dos demos. Em recente coluna na Folha, ela prognosticou: “Eventual vitória de Dilma vai resultar no enterro do DEM”. O seu raciocínio é revelador. “O que está em risco é a sobrevivência da oposição, pelo menos da oposição tal como a configurada nestas eleições”. Ao final do artigo, a colunista dá suas diretrizes: “O DEM, agora, só tem uma alternativa: a vitória ou a vitória de José Serra. Do contrário, vira coisa do passado.
O tom fúnebre é correto. A perspectiva é tão sombria que DEM, PPS e PSDB já discutem a fusão para criar um novo partido, “mais competitivo”. Como ela aponta, “o DEM foi criado como PFL em 1985 no rastro da dissidência do PDS (partido da ditadura, originário da Arena)... A evolução do quadro político após a ditadura não acolheu as siglas ‘de direita’, espectro do PFL e agora do DEM. Assim, seus principais líderes não tiveram condições de concorrer à Presidência da República, a não ser em 1989, e transformaram o partido em linha auxiliar do PSDB”.
A tragédia dos sobrenomes famosos
Sua descrição do declínio dos demos dá vontade de chorar... de rir! “Jorge Bornhausen (SC), presidente do PFL na maior parte da vida do partido, encerrou a carreira política; Marco Maciel (PE) teve seus oito anos de glória como vice de Fernando Henrique Cardoso (PSDB); o baiano Antonio Carlos Magalhães, que sempre andou em faixa própria, muitas vezes na contramão dos caciques, morreu em 2007. A segunda geração, no DEM, demonstra inexperiência política e falta de instrumentos para disputar a linha de frente, seja a Presidência, sejam os governos estaduais”.
“O presidente é Rodrigo Maia (filho de César Maia, ex-prefeito do Rio). O ex-líder na Câmara era ACM Neto (neto do cacique baiano). O atual é Paulo Bornhausen (filho do ex-presidente do PFL). Os sobrenomes ficaram, mas a força política murchou... As maiores esperanças eram José Roberto Arruda, governador do DF, e Gilberto Kassab. Arruda saiu da política para a cadeia na crise do mensalão do DEM. Kassab foi um bom candidato, mas é um prefeito sob críticas”.
Diabo reclama do apelido
De fato, a situação dos demos é lamentável. Até o diabo já andou chiando do apelido e informou que não os aceita no inferno. Oriundo do ex-Partido da Frente Liberal, criado em 1985, os atuais demos viveram sua fase áurea no reinado neoliberal de Collor de Mello e FHC. Em 1990, o PFL elegeu sete governadores. Em 1994, o cacique Marco Maciel virou vice de FHC e, pouco depois, ACM assumiu a presidência do Senado. Nas eleições de 2002, o banqueiro Jorge Bornhausen, convencido do êxito de José Serra, chegou a afirmar que iria “acabar com raça das esquerdas”.
A vitória de Lula, porém, deu início a um novo ciclo político no país. Após eleger 105 deputados em 1996, o ex-PFL viu derreter a sua bancada federal para 84 no pleito de 2002. Nas eleições de 2006, o partido encolheu mais ainda, elegendo 65 deputados. Ao longo do segundo mandato de Lula, ainda foi golpeado com defecções, ficando com 56 deputados. Diante do rápido declínio, a oligarquia conservadora foi forçada a rifar o nome de “liberal” e a se travestir de “democratas” – uma aberração para quem apoiou o golpe militar e se locupletou durante a sanguinária ditadura.
A sangria nas eleições de 2010
A mudança de nome, em 2007, não estancou a sangria. Nas eleições municipais de 2008, o DEM perdeu quase 40% dos seus prefeitos, ficando com cerca de 500 prefeituras. Só venceu na capital paulista devido ao apoio do governador José Serra, que traiu descaradamente o candidato tucano, Geraldo Alckmin. Já o único governador do partido, José Roberto Arruda, paparicado para ser o “vice-careca” de José Serra, foi preso por corrupção. Para eleição deste ano, o DEM deverá ter candidato próprio em apenas quatro Estados. Em outros sete, ele nem concorrerá ao Senado.
A queda da sua bancada de deputados já é dita como inevitável. “Será um resultado excelente se eles conseguirem eleger 40 deputados neste ano”, afirma Luciano Dias, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos. “A bancada do PFL em 2006 dependia de resultados bons na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Já não foram muito bem. Desta vez, como o escândalo no Distrito Federal – perdeu todo o comando no único lugar onde venceu – repetir aquele resultado será difícil”.
Nas pesquisas divulgadas até agora, o DEM só aparece na liderança para o governo estadual no Rio Grande do Norte e disputa, com poucas chances, em Tocantins e Santa Catarina. “Mas os adversários vão cair de pau com a história de Brasília, dizer que o partido não sabe governar e isso trará efeitos negativos que manterão a queda”, prevê David Fleischer, da UnB. Nos quatro maiores colégios eleitorais do país, o DEM só deve ter candidato na Bahia, mas também com chances reduzidas, já que Jaques Wagner (PT) é favorito para vencer no primeiro turno.
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