Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:
Em 22 de setembro de 2016, o ex-ministro Guido Mantega viveu um pesadelo. Às 7 da manhã, ele acompanhava sua esposa, Eliane Berger, em internamento para cirurgia contra um câncer (ela faleceu 14 meses depois). Foi surpreendido por uma ordem de prisão preventiva, decretada pelo juiz Sérgio Moro. Voltou às pressas para casa, onde a Polícia Federal o aguardava desde às seis, acompanhada de uma multidão de repórteres. “Faz as malas, reúne as coisas”, disse o delegado que chefiava a operação. Horas depois, diante da repercussão negativa provocada pela brutalidade do ato, Moro revogou a prisão. Um único fato havia servido de pretexto para decretá-la. Preso alguns dias antes, o empresário Eike Batista dissera vagamente – sem jamais oficializar a declaração ou oferecer circunstâncias – que havia pago R$ 5 milhões a Mantega, para obter vantagens do governo federal.
O caso do ex-ministro é um entre dezenas. Entre 2015 e 2017, as chamadas “delações premiadas”, oficializadas ou não, dominaram o noticiário pobre do velho jornalismo brasileiro. Os vazamentos de informação eram permanentes. Interessados em notoriedade, procuradores e policiais antecipavam para jornalistas o suposto conteúdo das denúncias. Repórteres e editores aéticos divulgavam as informações com estardalhaço, sem a menor preocupação em apurar sua veracidade. O país acreditou estar vivendo uma “cruzada contra a corrupção”. Os alvos principais eram políticos da esquerda. Mas de repente, tudo mudou – exatamente no momento em que vieram à tona as delações da Odebrecht.
Faz exatamente um ano – foi em 30/1/2017 – que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, homologou as delações, tomadas e negociadas durante meses, de 77 executivos da maior empreiteira do Brasil. Eles revelaram o pagamento de propinas a centenas de políticos. Destes, 108, contra os quais há evidências mais graves, foram incluídos na chamada lista de Fachin – em referência ao ministro do STF encarregado, à época, de relatar a Operação Lava Jato. Retrato da promiscuidade das instituições brasileiras com o grande poder econômico, ela inclui personalidades do PT. Mas traz também outras figuras. Por exemplo, Michel Temer, que teria recebido 10 milhões de reais. José Serra, o “Vampiro” ou “Vizinho”, com R$ 36 milhões, em quatro campanhas distintas. Aécio Neves, o “Mineirinho” – um recordista, enquadrado em cinco inquéritos. Eliseu Padilha, o “Fodão”, principal articulador político do governo, hoje empenhado em liquidar a Previdência pública. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Inca, envolvido em corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Ao contrário das afirmações feitas por Eike Batista contra Mantega, aqui não há falas vagas, mas acusações circunstanciadas. Os 77 executivos detalharam o motivo da propina, as condições em que foi paga e em alguns casos as datas dos pagamentos e números das contas receptoras. Mas há exatamente um ano, paira silêncio quase completo na mídia. Sumiram as manchetes bombásticas. Desapareceram os trechos de documentos, destacados pelo Jornal Nacional para causar impacto.
Numa rara matéria a respeito, publicada sem destaque ontem, a Folha reconhece o pior. Não foi apenas a mídia que esqueceu a delação da Odebrecht. O STF, o Ministério Público e a Polícia Federal também parecem ter perdido a memória. Dos inquéritos abertos, 94% estão parados. Ninguém foi preso. Ninguém virou réu. Apenas um político foi denunciado pela Procuradoria Geral da República – o líder do governo no Senado, Romero Jucá. Mesmo assim, Jucá, o Caju da Odebrecht, não tem motivos para perder o sono. A investigação está travada, porque o STF não a libera. Indagado pelos autores da matéria a respeito, o Supremo sequer dignou-se a responder.
Há uma suspeita fundada sobre a razão de todo este corpo mole. Os crimes prescrevem. Veja o que ocorreu na quarta-feira passada, por exemplo. Lula foi condenado em Porto Alegre, pela TRF-4. No mesmo dia, em Brasília, a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF para arquivar um dos inquéritos em que o senador José Serra é acusado de receber R$ 20 milhões da JBF. O pretexto: Serra tem mais de 70 anos e por isso, a prescrição, que já é curta, ocorre na metade do tempo… Em São Paulo, estão igualmente prestes a prescrever as acusações contra Geraldo Alckmin e o próprio Serra, por recebimento de propina para favorecer a Odebrecht em obras como o Metrô e o Rodoanel.
Ou seja, se o STF, o Ministério Público Federal e a PF continuarem agindo como fazem há um ano, teremos em breve o seguinte cenário: Lula e alguns outros ficarão inelegíveis e poderão ser presos. Mas a Justiça brasileira permitirá que Temer, Serra, Aécio, Alckmin, Rodrigo Maia e centenas de outros políticos, denunciados pela Odebrecht, JBS e outras megaempresas fiquem livres, disputem as eleições e talvez ocupem o Palácio do Planalto.
A posição claramente partidária da Justiça brasileira é uma ameaça à democracia – mas também implica riscos aos próprios privilégios do Judiciário. Setores cada vez mais amplos da opinião pública estão se dando conta da farsa. No sábado, o filósofo Vladimir Safatle, um crítico notório do lulismo, escrevia: “a sanha anticorrupção vai até Lula e termina nele (…). Um país onde Lula é condenado e Temer é presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio”.
Ou seja, os farsantes podem estar dando um tiro no pé, porque as duas consequências políticas à vista são muito desfavoráveis a ele. A primeira, o próprio Safatle enuncia: se a conciliação, tão tentada por Lula, mostrou-se incapaz de sensibilizar as elites, talvez seja necessário um novo tipo de governos de esquerda – ao estilo jararaca, não mais paz e amor. Segunda consequência, mais específica. O Judiciário está se desmoralizando rapidamente. Muito em breve, precisará entrar na pauta nacional uma vasta reforma deste poder profundamente elitista, perdulário e conservador. Tanto partidarismo de Moro e do TRF-4 quanto o corpo mole na apuração das delações da Odebrecht podem se voltar contra aqueles que os praticam.
O caso do ex-ministro é um entre dezenas. Entre 2015 e 2017, as chamadas “delações premiadas”, oficializadas ou não, dominaram o noticiário pobre do velho jornalismo brasileiro. Os vazamentos de informação eram permanentes. Interessados em notoriedade, procuradores e policiais antecipavam para jornalistas o suposto conteúdo das denúncias. Repórteres e editores aéticos divulgavam as informações com estardalhaço, sem a menor preocupação em apurar sua veracidade. O país acreditou estar vivendo uma “cruzada contra a corrupção”. Os alvos principais eram políticos da esquerda. Mas de repente, tudo mudou – exatamente no momento em que vieram à tona as delações da Odebrecht.
Faz exatamente um ano – foi em 30/1/2017 – que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, homologou as delações, tomadas e negociadas durante meses, de 77 executivos da maior empreiteira do Brasil. Eles revelaram o pagamento de propinas a centenas de políticos. Destes, 108, contra os quais há evidências mais graves, foram incluídos na chamada lista de Fachin – em referência ao ministro do STF encarregado, à época, de relatar a Operação Lava Jato. Retrato da promiscuidade das instituições brasileiras com o grande poder econômico, ela inclui personalidades do PT. Mas traz também outras figuras. Por exemplo, Michel Temer, que teria recebido 10 milhões de reais. José Serra, o “Vampiro” ou “Vizinho”, com R$ 36 milhões, em quatro campanhas distintas. Aécio Neves, o “Mineirinho” – um recordista, enquadrado em cinco inquéritos. Eliseu Padilha, o “Fodão”, principal articulador político do governo, hoje empenhado em liquidar a Previdência pública. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Inca, envolvido em corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Ao contrário das afirmações feitas por Eike Batista contra Mantega, aqui não há falas vagas, mas acusações circunstanciadas. Os 77 executivos detalharam o motivo da propina, as condições em que foi paga e em alguns casos as datas dos pagamentos e números das contas receptoras. Mas há exatamente um ano, paira silêncio quase completo na mídia. Sumiram as manchetes bombásticas. Desapareceram os trechos de documentos, destacados pelo Jornal Nacional para causar impacto.
Numa rara matéria a respeito, publicada sem destaque ontem, a Folha reconhece o pior. Não foi apenas a mídia que esqueceu a delação da Odebrecht. O STF, o Ministério Público e a Polícia Federal também parecem ter perdido a memória. Dos inquéritos abertos, 94% estão parados. Ninguém foi preso. Ninguém virou réu. Apenas um político foi denunciado pela Procuradoria Geral da República – o líder do governo no Senado, Romero Jucá. Mesmo assim, Jucá, o Caju da Odebrecht, não tem motivos para perder o sono. A investigação está travada, porque o STF não a libera. Indagado pelos autores da matéria a respeito, o Supremo sequer dignou-se a responder.
Há uma suspeita fundada sobre a razão de todo este corpo mole. Os crimes prescrevem. Veja o que ocorreu na quarta-feira passada, por exemplo. Lula foi condenado em Porto Alegre, pela TRF-4. No mesmo dia, em Brasília, a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF para arquivar um dos inquéritos em que o senador José Serra é acusado de receber R$ 20 milhões da JBF. O pretexto: Serra tem mais de 70 anos e por isso, a prescrição, que já é curta, ocorre na metade do tempo… Em São Paulo, estão igualmente prestes a prescrever as acusações contra Geraldo Alckmin e o próprio Serra, por recebimento de propina para favorecer a Odebrecht em obras como o Metrô e o Rodoanel.
Ou seja, se o STF, o Ministério Público Federal e a PF continuarem agindo como fazem há um ano, teremos em breve o seguinte cenário: Lula e alguns outros ficarão inelegíveis e poderão ser presos. Mas a Justiça brasileira permitirá que Temer, Serra, Aécio, Alckmin, Rodrigo Maia e centenas de outros políticos, denunciados pela Odebrecht, JBS e outras megaempresas fiquem livres, disputem as eleições e talvez ocupem o Palácio do Planalto.
A posição claramente partidária da Justiça brasileira é uma ameaça à democracia – mas também implica riscos aos próprios privilégios do Judiciário. Setores cada vez mais amplos da opinião pública estão se dando conta da farsa. No sábado, o filósofo Vladimir Safatle, um crítico notório do lulismo, escrevia: “a sanha anticorrupção vai até Lula e termina nele (…). Um país onde Lula é condenado e Temer é presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio”.
Ou seja, os farsantes podem estar dando um tiro no pé, porque as duas consequências políticas à vista são muito desfavoráveis a ele. A primeira, o próprio Safatle enuncia: se a conciliação, tão tentada por Lula, mostrou-se incapaz de sensibilizar as elites, talvez seja necessário um novo tipo de governos de esquerda – ao estilo jararaca, não mais paz e amor. Segunda consequência, mais específica. O Judiciário está se desmoralizando rapidamente. Muito em breve, precisará entrar na pauta nacional uma vasta reforma deste poder profundamente elitista, perdulário e conservador. Tanto partidarismo de Moro e do TRF-4 quanto o corpo mole na apuração das delações da Odebrecht podem se voltar contra aqueles que os praticam.
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