Por Marcus Ianoni, no site Brasil Debate:
Em uma conjuntura de acirramento do conflito distributivo, de implementação de políticas de austeridade fiscal e no exato momento em que a propaganda governamental pró-reforma da previdência procura denunciar os privilégios em abstrato dos servidores públicos, emergem detalhes sobre regalias de alto custo ao erário, instituídas no Poder Judiciário e no Ministério Público, além das existentes no Legislativo e no Executivo.
São privilégios relacionados ao processo de produção da aberrante desigualdade que caracteriza a estrutura de estratificação social da sociedade brasileira, das mais injustas do mundo. No Brasil, a desigualdade é produzida e reproduzida não apenas no âmbito das relações de produção tecidas no setor privado, mas também nas relações sociais no interior do Estado, bem como na interação entre o poder público e a sociedade, caso, por exemplo, do sagrado rentismo atrelado à dívida pública, uma degradação de valores morais e costumes (corrupção) tão absurdamente legalizada quanto o auxílio-moradia e outras sinecuras. O foco aqui é o privilégio no âmbito do Estado, mas em uma perspectiva republicana, portanto, distinta da ideologia neoliberal, que defende o Estado mínimo.
Nas corporações jurídicas, as regalias legais, mas de legitimidade no mínimo altamente duvidosa, como é o caso do auxílio-moradia na União e nos estados, que ora veio à baila, beneficiam, principalmente, o alto escalão: juízes, desembargadores, procuradores e promotores. Mas o auxílio-moradia, R$ 4,3 mil mensais no caso dos juízes, também é concedido a alguns privilegiados no Executivo e no Legislativo. (Apenas um contraste: em novembro, o IBGE informou que o rendimento domiciliar médio real em 2016 foi de R$ 1.242.) Segundo dados recentes do Senado, a prebenda custou à União, nos três poderes, em 2017, R$ 817 milhões.
No caso da área da Justiça, os privilégios vão muito além do auxílio-moradia indiscriminado: 60 dias de férias (com 50% a mais), auxílio-mudança, auxílio-educação, auxílio-saúde, auxílio-alimentação, auxílio-transporte etc. E essa oligarquia ainda quer mais. A revista Isto é (nov. 2016) informou que a média salarial dos magistrados e procuradores do Judiciário, que então somavam 18.487 servidores, era de R$ 46 mil. Tal montante excedia bastante o teto constitucional de R$ 33.763. O gasto anual com vencimentos irregulares no Judiciário, contando apenas o valor que excede o teto, é de cerca de R$ 3 bilhões por ano.
Mesmo que haja variações nas regalias conforme a unidade federativa, como é possível que tanta imoralidade combine com o discurso moralizante de juízes e promotores, emerso no contexto da Lava Jato? Os paladinos da lei, Moro e Bretas, enrolaram-se para explicar seus auxílios-moradia, benesse que Dallagnol também usufrui.
Em outubro de 2017, a Força Tarefa da operação autoproclamada redentora declarou que já havia devolvido cerca de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Mas isso se deu com altos custos (alguns calculáveis outros nem tanto) em queda da atividade, desemprego e enfraquecimento da democracia e do Estado de Direito. Não é escandaloso que a coalizão do Judiciário e do MP, apresentada à nação, via grande mídia, como vanguarda da moralidade, custe, a cada ano, em penduricalhos, quase o mesmo que o montante tão celebradamente recuperado, ainda que não seja o valor definitivo, da corrupção praticada nos anos anteriores, quando, irregularidades à parte, o Brasil crescia e distribuía alguma renda? O combate à corrupção não parece ocultar a continuidade de sua legalização, no sentido amplo, sob a forma da oligarquização dos costumes e das leis, por aqueles que têm força para tanto?
Uma explicação plausível, embora não a única, para o ativismo jurídico dos últimos anos argumenta que ele seria exatamente um meio de justificar tais privilégios corporativos perante a baixa confiança dos cidadãos na Justiça. Tratei disso aqui em 20/12/2016 (bit.ly/2BZ8q1A ). Outro aspecto correlato é que tais profissionais têm lastro na classe média, que, embora tenha se levantado contra a corrupção, o faz de maneira tão seletiva quanto seus líderes institucionais.
Trago ainda à reflexão a hipótese de que as elites econômicas, embora defendam o Estado mínimo, parecem, no momento, muito mais preocupadas com a consolidação da atuação da Justiça no processo de mudança institucional conservadora em curso no país do que com as prebendas de seus aliados. Recentemente, por exemplo, Carmen Lúcia jantou com representantes das multinacionais, quando garantiu a eles que a matéria da prisão em Segunda Instância não seria colocada em pauta. A aliança entre Judiciário e MP se estende à sociedade civil endinheirada, também privilegiada.
Enfim, somos uma república, tal qual inscrito na República Federativa do Brasil? O Estado é a coisa pública ou a coisa dos poucos, as oligarquias? Os privilegiados estão restaurando a saudosa República Oligárquica de muitos de seus antepassados? A austeridade continuará a oprimir a maioria desfavorecida e a favorecer a minoria rica? Há avanços na igualdade sem controle do Estado, sem República Democrática? Não à toa, a desigualdade tem aumentado. (Agradeço o apoio de Felipe M. Quintas).
Em uma conjuntura de acirramento do conflito distributivo, de implementação de políticas de austeridade fiscal e no exato momento em que a propaganda governamental pró-reforma da previdência procura denunciar os privilégios em abstrato dos servidores públicos, emergem detalhes sobre regalias de alto custo ao erário, instituídas no Poder Judiciário e no Ministério Público, além das existentes no Legislativo e no Executivo.
São privilégios relacionados ao processo de produção da aberrante desigualdade que caracteriza a estrutura de estratificação social da sociedade brasileira, das mais injustas do mundo. No Brasil, a desigualdade é produzida e reproduzida não apenas no âmbito das relações de produção tecidas no setor privado, mas também nas relações sociais no interior do Estado, bem como na interação entre o poder público e a sociedade, caso, por exemplo, do sagrado rentismo atrelado à dívida pública, uma degradação de valores morais e costumes (corrupção) tão absurdamente legalizada quanto o auxílio-moradia e outras sinecuras. O foco aqui é o privilégio no âmbito do Estado, mas em uma perspectiva republicana, portanto, distinta da ideologia neoliberal, que defende o Estado mínimo.
Nas corporações jurídicas, as regalias legais, mas de legitimidade no mínimo altamente duvidosa, como é o caso do auxílio-moradia na União e nos estados, que ora veio à baila, beneficiam, principalmente, o alto escalão: juízes, desembargadores, procuradores e promotores. Mas o auxílio-moradia, R$ 4,3 mil mensais no caso dos juízes, também é concedido a alguns privilegiados no Executivo e no Legislativo. (Apenas um contraste: em novembro, o IBGE informou que o rendimento domiciliar médio real em 2016 foi de R$ 1.242.) Segundo dados recentes do Senado, a prebenda custou à União, nos três poderes, em 2017, R$ 817 milhões.
No caso da área da Justiça, os privilégios vão muito além do auxílio-moradia indiscriminado: 60 dias de férias (com 50% a mais), auxílio-mudança, auxílio-educação, auxílio-saúde, auxílio-alimentação, auxílio-transporte etc. E essa oligarquia ainda quer mais. A revista Isto é (nov. 2016) informou que a média salarial dos magistrados e procuradores do Judiciário, que então somavam 18.487 servidores, era de R$ 46 mil. Tal montante excedia bastante o teto constitucional de R$ 33.763. O gasto anual com vencimentos irregulares no Judiciário, contando apenas o valor que excede o teto, é de cerca de R$ 3 bilhões por ano.
Mesmo que haja variações nas regalias conforme a unidade federativa, como é possível que tanta imoralidade combine com o discurso moralizante de juízes e promotores, emerso no contexto da Lava Jato? Os paladinos da lei, Moro e Bretas, enrolaram-se para explicar seus auxílios-moradia, benesse que Dallagnol também usufrui.
Em outubro de 2017, a Força Tarefa da operação autoproclamada redentora declarou que já havia devolvido cerca de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Mas isso se deu com altos custos (alguns calculáveis outros nem tanto) em queda da atividade, desemprego e enfraquecimento da democracia e do Estado de Direito. Não é escandaloso que a coalizão do Judiciário e do MP, apresentada à nação, via grande mídia, como vanguarda da moralidade, custe, a cada ano, em penduricalhos, quase o mesmo que o montante tão celebradamente recuperado, ainda que não seja o valor definitivo, da corrupção praticada nos anos anteriores, quando, irregularidades à parte, o Brasil crescia e distribuía alguma renda? O combate à corrupção não parece ocultar a continuidade de sua legalização, no sentido amplo, sob a forma da oligarquização dos costumes e das leis, por aqueles que têm força para tanto?
Uma explicação plausível, embora não a única, para o ativismo jurídico dos últimos anos argumenta que ele seria exatamente um meio de justificar tais privilégios corporativos perante a baixa confiança dos cidadãos na Justiça. Tratei disso aqui em 20/12/2016 (bit.ly/2BZ8q1A ). Outro aspecto correlato é que tais profissionais têm lastro na classe média, que, embora tenha se levantado contra a corrupção, o faz de maneira tão seletiva quanto seus líderes institucionais.
Trago ainda à reflexão a hipótese de que as elites econômicas, embora defendam o Estado mínimo, parecem, no momento, muito mais preocupadas com a consolidação da atuação da Justiça no processo de mudança institucional conservadora em curso no país do que com as prebendas de seus aliados. Recentemente, por exemplo, Carmen Lúcia jantou com representantes das multinacionais, quando garantiu a eles que a matéria da prisão em Segunda Instância não seria colocada em pauta. A aliança entre Judiciário e MP se estende à sociedade civil endinheirada, também privilegiada.
Enfim, somos uma república, tal qual inscrito na República Federativa do Brasil? O Estado é a coisa pública ou a coisa dos poucos, as oligarquias? Os privilegiados estão restaurando a saudosa República Oligárquica de muitos de seus antepassados? A austeridade continuará a oprimir a maioria desfavorecida e a favorecer a minoria rica? Há avanços na igualdade sem controle do Estado, sem República Democrática? Não à toa, a desigualdade tem aumentado. (Agradeço o apoio de Felipe M. Quintas).
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