domingo, 9 de setembro de 2018

Lula e a eficácia dos meios hegemônicos

Por Ezequiel Rivero, no site Carta Maior:

A intervenção do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, que se pronunciou em agosto a favor de que Lula exerça seus direitos políticos e seja candidato presidencial, não foi acatada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro, que decidiu aumentar ainda mais a ação e pressão da Justiça sobre o ex-presidente e suas possibilidades, agora remotas, de ser candidato.

Que papel tiveram os meios de comunicação, em particular a Rede Globo, na cobertura do processo que conduziu o ex-mandatário à prisão?

Nascida e fortalecida no calor da ditadura militar (1964-1985), a Globo – que se arrependeu de ter apoiado o regime ditatorial, mas somente em 2013 – é preponderante nos mercados da televisão aberta, rádios e imprensa gráfica. A imensa maquinária de produção e venda de ficções explica, em grande medida, seu domínio econômico, enquanto seus informativos (Hora Um, Jornal Hoje, Jornal da Globo, Jornal Nacional e o canal a cabo Globo News) são responsáveis por sua inquestionável influência política.

A prisão de Lula reavivou as críticas sobre a cobertura do fato e seu processo prévio. Para Olívia Bandeira, do coletivo Intervozes, os meios “atuaram de forma bastante uniforme”: primaram os argumentos a favor da condenação, os argumentos contrários foram marginalizados, se relativizou o carácter político do processo e assumiram um rol ativo na “criminalização e estigmatização” daqueles que apoiavam o ex-presidente. O analista João Brant, coordenador de comunicação do plano de governo de Lula, acrescenta que a cobertura “não é informativa”. Para este ativista do Partido dos Trabalhadores (PT), os meios tentam naturalizar um procedimento irregular e a narrativa “nunca foi capaz de explicar as inconsistências do processo”.

A cordialidade original entre Lula e a Globo não permitiu antever o desfecho atual. Um dia depois de vencer o segundo turno em 2002, Lula deu sua primeira entrevista como presidente eleito ao Jornal Nacional, o histórico e mais importante informativo da Globo. A relação ficou mais tensa em 2005, em meio ao escândalo chamado de “mensalão”, mesmo assim não chegou a se romper. Em 2010, a então candidata Dilma Rousseff afirmou que o único controle para os meios de comunicação deveria ser “o controle remoto”, mas tempos depois admitiu que era necessária uma regulação econômica para esse setor.

“Os meios são um tema evitado pela maioria das pessoas no Brasil, mas elas têm uma percepção mais crítica do que imaginamos”, analisa Renata Mielli, coordenadora do Foro Nacional pela Democratização das Comunicações. Esta ativista considera que, nos últimos anos, os meios assumiram o papel da direita política. Entretanto, ela explica que “a experiência das pessoas é mais forte que qualquer narrativa” que os meios possam elaborar. Por sua parte, Brant confia na capacidade dos espectadores e leitores para fazer avaliações críticas dos meios, embora reconheça que estes acabam tendo influência na percepção popular, e que “a ausência de diversidade informativa afeta negativamente a democracia brasileira”.

A Globo organiza o mercado de meios de comunicação no Brasil, ao cobrir cerca de 98,5% do território nacional, produzindo com uma qualidade técnica superior à dos demais canais de televisão. Ao longo das décadas, se transformou num hábito brasileiro, sendo sintonizada nos lares, bares e hospitais. Concentra 40% da audiência e, com respeito à sua posição política, é abertamente contrária ao ex-presidente Lula da Silva, o político mais popular do país, embora improvável candidato presidencial, e ironicamente o que lidera todas as pesquisas eleitorais, mesmo estando na prisão desde abril. A intenção de voto em Lula desafia a dinâmica da toda poderosa emissora, mas alerta também sobre o carácter mediado da política, em um contexto de alta concentração e baixa diversidade midiática.

Seu departamento de jornalismo torna a Globo influente em temas políticos, enquanto o entretenimento, com as novelas, permite a ela ampliar a audiência, a partir de uma agenda mais aberta e transgressora. “Em alguns momentos, parece haver duas emissoras diferentes numa só: a do jornalismo conservador e a do entretenimento progressista”, resume o professor Laurindo Leal Filho, da Universidade de São Paulo. Ficção e informação conformam uma sinergia potente que afiança a posição da empresa. Para este especialista “não há outro meio de comunicação que faça o contraponto das notícias divulgadas pela Globo”. As limitações dos meios com agendas alternativas para alcançar grandes audiências, e a presença marginal dos meios estatais e do terceiro setor, configuram um cenário que restringe a diversidade de vozes que circulam no espaço público. Mas claro, os meios são apenas uma peça (importante) entre muitas, dentro do mecanismo que influi nas condutas e possibilidades dos sujeitos políticos.

* Publicado originalmente no Página/12. Tradução de Victor Farinelli.

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