Por Mário Magalhães, no site The Intercept-Brasil:
Quem sabe, sabe; conhece bem. Na quinta-feira, o jornalista Janio de Freitas advertiu: “Comparados os anos recentes de militares e do sistema judicial, não é na caserna que se encontram motivos maiores de temer pelo estado democrático de direito. Os avanços sobre poderes do Legislativo e do Executivo, os abusos de poder contrários aos direitos civis, ilegalidades variadas contra os direitos humanos – a transgressão da ordem institucional, portanto – estão reconhecidos nas práticas do Judiciário e da Procuradoria da República”.
Janio cantou a pedra: “Em tais condições, seria pouco mais do que corriqueiro o surgimento, nos dez dias que nos separam das eleições, de um petardo proveniente de juiz ou procurador para perturbar a disputa eleitoral, na hierarquia a que chegou”.
No dia seguinte à publicação da coluna, soube-se que o juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas pretendia, de acordo com apuração da Advocacia-Geral da União, mandar o Exército recolher urnas eletrônicas em sua circunscrição. O magistrado do Juizado Especial Federal Cível do município goiano de Formosa foi afastado pelo Conselho Nacional de Justiça. Rocha Cubas gravara com o deputado Eduardo Bolsonaro um vídeo duvidando da segurança das urnas.
Na manhã da mesma sexta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou a repórter Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, a entrevistar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cárcere de Curitiba. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, anunciou que não recorreria, “em respeito à liberdade de imprensa”. À noite, outro ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, revogou a permissão. E proibiu a divulgação de qualquer entrevista com Lula, “sob pena da configuração de crime de desobediência”.
Advogado do jornal, Luís Francisco Carvalho Filho reagiu: “A decisão do ministro Fux é o mais grave ato de censura desde o regime militar. É uma bofetada na democracia brasileira”. Quem pediu o veto, logo a censura, foi o partido Novo. Vergonha alheia, a agremiação engalana-se como liberal. O novo presidente do STF, Dias Toffoli, respaldou a censura prévia determinada por Fux.
Anteontem, Toffoli afirmou que se recusa a chamar o golpe de 1964 pelo devido nome. Para ele, é “movimento de 1964”. O general da reserva Aléssio Ribeiro Souto declarara ao repórter Leandro Prazeres que “os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados”. Não especificou se triturados ou na fogueira. O oficial colabora na formulação do programa presidencial de Jair Bolsonaro.
Moro em campo, na semana da eleição
Fux cogitou a anulação das eleições, na hipótese de as (mal) ditas fake news influenciarem o resultado. A Justiça Eleitoral poderia invalidar a escolha popular. Na semana passada, quem influenciou o pleito foi o Supremo, ao cancelar o título de 3,4 milhões de eleitores. A maioria é do Nordeste e, tudo leva a crer, pobre.
Perderam o direito de votar por não terem feito o recadastramento biométrico. Teriam de fato sido alertados sobre a obrigatoriedade do procedimento? Na região onde Lula nasceu, Fernando Haddad lidera com léguas de distância a intenção de voto, sobretudo nas famílias com menor renda. A exclusão de milhões de cidadãos imposta pelo STF tem potencial para definir a eleição.
O mais novo lance do Judiciário era previsível, em conteúdo e autoria. O jornalista Elio Gaspari assoprara, em 9 de setembro: “Pelo cheiro da brilhantina, muita gente espera que o texto da colaboração do ex-ministro Antonio Palocci venha a ser conhecido durante a campanha eleitoral. Será golpe baixo”. Na segunda-feira, a seis dias da votação, o juiz Sérgio Moro liberou o acesso a parte da “delação premiada” do antigo timoneiro da Fazenda. Os maiores alvos são Lula e Dilma Rousseff.
O despacho de Moro contradiz argumento dele próprio, que em agosto postergou de setembro para novembro um interrogatório de Lula. O juiz alegou que mudara a data “a fim de evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios, seja qual for a perspectiva”. Às vésperas do primeiro turno, ele interfere na campanha, com presumível “exploração eleitoral”. Qual é o seu critério?
O cheiro da brilhantina também foi sentido em São Paulo. Desde que se inscreveu na chapa presidencial, de início como vice, Haddad foi denunciado três vezes pelo MP estadual. A corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público quer saber se essa e outras acusações coincidiram com o calendário eleitoral por acaso ou não.
Elucidar crimes e punir criminosos é dever de juízes e promotores. Mas a simultaneidade das ações com datas-chave da folhinha política permite indagar se o que buscam é justiça. O procurador Carlos Fernando Santos Lima, figurão da Lava Jato insuspeito de veleidades petistas, dissera que Palocci não tinha provas. Por isso rechaçou o acordo com ele. A delação, celebrada com a Polícia Federal, municiou o petardo de Sérgio Moro.
Em caso de ser bem-sucedido no dia 28, Bolsonaro terá muitos sócios na vitória. A começar pelos que impediram o favoritíssimo Lula de concorrer.
Em caso de ser bem-sucedido no dia 28, Bolsonaro terá muitos sócios na vitória. A começar pelos que impediram o favoritíssimo Lula de concorrer.
Mulheres de esquerda ‘defecam nas ruas’?
No hospital, Bolsonaro avisou, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena: “Pelo que eu vejo nas ruas, não aceito o resultado das eleições diferente da minha eleição”. Reiterou seus termos ao falar à repórter Graziela Azevedo, no voo em que viajou no sábado de São Paulo para o Rio, depois de receber alta: “Eu vejo aí [nas pesquisas] um absurdo, o PT crescer. Não existe isso. O que eu sinto nas ruas, o que eu vejo em manifestações é o sinal claro de que o povo está do nosso lado. E, da forma como isso é demonstrado, não dá para a gente aceitar passivamente na fraude, na possível fraude, a eleição do outro lado”.
Em 2014, mal concluída a eleição, Aécio Neves e o PSDB insurgiram-se contra o placar eleitoral e empeçonharam o país. Quatro anos depois, o candidato do PSL nem esperou ligarem as urnas na tomada. No domingo, Carlos Bolsonaro reproduziu o cacoete golpista do pai: “A narrativa de fraude nas urnas vem sendo mostrada a cada dia”.
O vereador postara no Instagram uma foto com simulação de um homem sendo asfixiado com um saco plástico. No peito do torturado escreveram “#EleNão”, identificando-o como opositor de Bolsonaro. Sobre a imagem, colaram um título associado à homofobia: “Sobre pais [de homossexuais] que choram no chuveiro!”. O filho de Bolsonaro disse que não pretendia estimular a tortura.
A truculência e a violência se alastram. Na manifestação dominical a favor de seu pai, na avenida Paulista, Eduardo Bolsonaro bodejou em discurso: “As mulheres de direita são mais bonitas que as de esquerda”. “Elas não mostram os peitos e nem defecam nas ruas. As mulheres de direita têm mais higiene.” Um aguaceiro dispersou o ato.
Dias antes, uma das administradoras do grupo do Facebook “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, filiada ao PSOL, havia sido agredida por três homens armados quando chegava em casa, no bairro carioca da Ilha do Governador. Nem seu celular nem sua bolsa foram levados. Em Goiânia, um ginecologista se nega a atender paciente que não sufraguem o capitão. Um vídeo mostra uma funcionária de hospital transmitindo a informação.
A repórter Marina Dias sofreu um ataque virtual de bolsonaristas depois de revelar com o colega Rubens Valente um documento do Itamaraty contando que em 2011 uma ex-mulher de Jair Bolsonaro denunciara ter sido ameaçada de morte por ele. Além da Marina coautora da matéria, uma jornalista homônima foi alvo da sanha fascistoide –“Você vai ter o que merece”, intimidaram-na no Twitter.
Candidata a deputada federal pelo partido de Bolsonaro, a jornalista Joyce Hasselmann desferiu ataques em série contra a repórter Amanda Audi, do Intercept Brasil. Apoiadores de Hasselmann ameaçaram de morte a repórter. O bombardeio se originou de um post de Amanda relembrando o que mais tarde uma carta de solidariedade a ela descreveria como condenação, por um conselho paranaense de ética jornalística, da hoje candidata “por plágio em 65 reportagens, escritas por 42 profissionais diferentes”.
Partidários do capitão investiram contra a página “Judeus Contra Bolsonaro”. A perversidade se expressou em comentários como: “Estou sem gás para discutir com judeu”; “Judeus sempre se metendo onde não são chamados”; “Acho que vocês precisam de um espaço seguro” (abaixo, o nazista traduziu “espaço seguro” para o inglês “safe space”, com os esses grafados com a tipologia do emblema da SS, tropa de choque do III Reich).
No hospital, Bolsonaro avisou, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena: “Pelo que eu vejo nas ruas, não aceito o resultado das eleições diferente da minha eleição”. Reiterou seus termos ao falar à repórter Graziela Azevedo, no voo em que viajou no sábado de São Paulo para o Rio, depois de receber alta: “Eu vejo aí [nas pesquisas] um absurdo, o PT crescer. Não existe isso. O que eu sinto nas ruas, o que eu vejo em manifestações é o sinal claro de que o povo está do nosso lado. E, da forma como isso é demonstrado, não dá para a gente aceitar passivamente na fraude, na possível fraude, a eleição do outro lado”.
Em 2014, mal concluída a eleição, Aécio Neves e o PSDB insurgiram-se contra o placar eleitoral e empeçonharam o país. Quatro anos depois, o candidato do PSL nem esperou ligarem as urnas na tomada. No domingo, Carlos Bolsonaro reproduziu o cacoete golpista do pai: “A narrativa de fraude nas urnas vem sendo mostrada a cada dia”.
O vereador postara no Instagram uma foto com simulação de um homem sendo asfixiado com um saco plástico. No peito do torturado escreveram “#EleNão”, identificando-o como opositor de Bolsonaro. Sobre a imagem, colaram um título associado à homofobia: “Sobre pais [de homossexuais] que choram no chuveiro!”. O filho de Bolsonaro disse que não pretendia estimular a tortura.
A truculência e a violência se alastram. Na manifestação dominical a favor de seu pai, na avenida Paulista, Eduardo Bolsonaro bodejou em discurso: “As mulheres de direita são mais bonitas que as de esquerda”. “Elas não mostram os peitos e nem defecam nas ruas. As mulheres de direita têm mais higiene.” Um aguaceiro dispersou o ato.
Dias antes, uma das administradoras do grupo do Facebook “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, filiada ao PSOL, havia sido agredida por três homens armados quando chegava em casa, no bairro carioca da Ilha do Governador. Nem seu celular nem sua bolsa foram levados. Em Goiânia, um ginecologista se nega a atender paciente que não sufraguem o capitão. Um vídeo mostra uma funcionária de hospital transmitindo a informação.
A repórter Marina Dias sofreu um ataque virtual de bolsonaristas depois de revelar com o colega Rubens Valente um documento do Itamaraty contando que em 2011 uma ex-mulher de Jair Bolsonaro denunciara ter sido ameaçada de morte por ele. Além da Marina coautora da matéria, uma jornalista homônima foi alvo da sanha fascistoide –“Você vai ter o que merece”, intimidaram-na no Twitter.
Candidata a deputada federal pelo partido de Bolsonaro, a jornalista Joyce Hasselmann desferiu ataques em série contra a repórter Amanda Audi, do Intercept Brasil. Apoiadores de Hasselmann ameaçaram de morte a repórter. O bombardeio se originou de um post de Amanda relembrando o que mais tarde uma carta de solidariedade a ela descreveria como condenação, por um conselho paranaense de ética jornalística, da hoje candidata “por plágio em 65 reportagens, escritas por 42 profissionais diferentes”.
Partidários do capitão investiram contra a página “Judeus Contra Bolsonaro”. A perversidade se expressou em comentários como: “Estou sem gás para discutir com judeu”; “Judeus sempre se metendo onde não são chamados”; “Acho que vocês precisam de um espaço seguro” (abaixo, o nazista traduziu “espaço seguro” para o inglês “safe space”, com os esses grafados com a tipologia do emblema da SS, tropa de choque do III Reich).
#EleNão deveria inspirar um frentão
As mulheres se levantam em defesa da democracia e contra o fascismo. As manifestações de sábado contra Bolsonaro, convocadas pelas Dandaras, Marias Quitérias e Joanas Angélicas do século 21, mobilizaram multidões da Cinelândia ao largo da Batata. Do mercado público pelotense à praia de Iracema. Desfilaram pelas ruas cartazes, camisetas e bótons com caricaturas do rosto do capitão ornamentado com bigodinho à Hitler.
É chute a projeção do total de participantes (não houve cálculo com metodologia científica). Com certeza, a soma foi de várias Passeatas dos 100 Mil, protesto que em 1968 desafiou a ditadura. Cinquenta anos atrás, a comissão indicada na passeata para negociar com o governo reunia cinco homens e uma mulher, representante das mães. Agora, as mulheres organizam e comandam o movimento.
Foi disparado o ato mais pujante da campanha eleitoral – talvez, numa só jornada, de todas as campanhas eleitorais da história nacional. Nem por isso as emissoras de TV o noticiaram com intensidade. No dia seguinte, não mereceu manchete dos jornais mais influentes. Depois culpam a internet pela decadência do jornalismo impresso.
Para prevalecer, as Mulheres Unidas Contra Bolsonaro terão de jogar o segundo turno. O capitão estará nele, prenunciam as pesquisas, contra o oponente petista. O 29 de setembro agrupou eleitoras e eleitores de candidatos diversos. Sem um frentão ecumênico em modelo semelhante, será maior o risco de o extremista da direita triunfar. O #EleNão é a melhor inspiração para derrotar Bolsonaro.
Lula recusou apoios em 1989
O capitão chega à reta final da campanha do primeiro turno amealhando votos que a princípio só receberia no segundo. Vitaminou-se no fim de semana com a adesão do bispo Edir Macedo, chefe da Igreja Universal do Reino de Deus, que abandonou Geraldo Alckmin. Bolsonaro modula a pregação, dizendo não ter falado o que falou: promete aceitar o veredicto das urnas, mesmo em caso de revés, porém não cumprimentaria Haddad.
Para vencê-lo, recomenda-se aprender com o passado. Lula errou ao repelir apoios na rodada final da eleição de 1989; perdeu para Fernando Collor. A divisão suicida entre sociais-democratas e comunistas na Alemanha de 1933 favoreceu a ascensão do nazismo.
Em contraste, a Frente Ampla juntou no Brasil adversários que por décadas haviam guerreado em trincheiras opostas. Durou de 1966 a 1968, quando a ditadura a baniu. Seus líderes foram os ex-presidentes João Goulart, deposto em 1964, e Juscelino Kubitschek, que endossou o marechal Castello Branco e em seguida foi cassado; e o ex-governador Carlos Lacerda, arauto mais barulhento do golpe que em pouco tempo se mudou para a oposição.
Uma Frente Ampla em 2018 deveria acolher tanto quem combateu o golpe de Estado de 2016 quanto quem chancelou a derrubada de Dilma, não julgando-a um golpe. Seu candidato, quase com certeza Fernando Haddad, abriria mão de algumas propostas que estreitassem a frente única – por exemplo, uma nova Constituinte. O mínimo, e quase máximo, denominador comum seria a defesa da democracia e o repúdio ao autoritarismo passadista. O candidato é de esquerda moderada; a frente seria mais moderada ainda.
Seriam inegociáveis, para não desnaturar a candidatura, bandeiras nucleares de proteção dos trabalhadores, como manutenção do 13º salário. Bem como a revogação da reforma trabalhista e da “lei do teto”, que asfixia os recursos para educação, saúde e desenvolvimento social. Esse terreno é próspero para desgastar o bolsonarismo.
Quem teria lugar na Frente Ampla? Quem quisesse, sobretudo Ciro Gomes, Marina Silva, Guilherme Boulos. Todavia, a adesão de candidatos eliminados em 7 de outubro não constituiria obstáculo à participação na grande aliança contra Bolsonaro (haverá quem se escore na vigarice política de igualar Haddad e o deputado). No limite, a Frente Ampla se forjaria nas ruas e nas urnas.
A necessidade de um frentão não sectário decorre também do poderio de Bolsonaro, que rompeu os limites eleitorais da ultradireita no país. Dispensar a Frente Ampla equivaleria a subestimar o estrago que o capitão pode provocar à democracia. E facilitaria a aventura dele rumo ao Planalto.
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