quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O dia em que recusei convite da Globo

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Recebo convite para a comemoração dos 80 anos de Woile Guimarães. Woile foi um dos grandes jornalistas da geração imediatamente anterior à minha. Passou pelo Jornal da Tarde, dirigiu depois a sucursal da TV Globo em São Paulo, onde se notabilizou pelo talento e pelo fino trato. E me vem à memória uma das decisões mais importantes que tomei em minha carreira.

Nos anos 80 fiquei conhecido pelo uso intensivo da matemática no jornalismo e pela introdução do chamado jornalismo de serviços na imprensa, criando o Seu Dinheiro, no Jornal da Tarde e, depois, o Dinheiro Vivo na Folha.

No início da década, o grande tema de preocupação das pessoas físicas eram os financiamentos habitacionais, devido ao descasamento entre reajuste de prestações e de salário.

Assim que apareceram os computadores pessoais, comprei um da Dismac, aprendi a programar em Basic e desenvolvi programas que simulavam financiamentos habitacionais e que eram armazenados em fitas K7. Me especializei também na matemática financeira, em um período em que, com inflação alta, era padrão do sistema financeiro ludibriar os clientes com as fórmulas de cálculo de juros.

Em fins de 1983 consegui derrubar o presidente do Banco Nacional da Habitação, depois de ter desmascarado uma alternativa apresentada para o reajuste, que penalizava os mutuários. Sempre utilizando a matemática, a HP12C e o sistema DOS. O tema, então, explodiu na mídia, a ponto da Folha gravar um comercial comigo, chamando para a cobertura do jornal.

Comecei a testar as primeiras experiências em televisão participando de um programa de entrevistas na Record, fazendo alguns comentários na TV Cultura até que fui convidado a ser comentarista da TV Abril pelo Luiz Fernando Mercadante. A Abril tinha alugado horário na TV Gazeta e produzia um conteúdo de gente grande.

Pouco tempo depois, Mercadante foi substituído por Narciso Kalili que me propôs conduzir um programa voltado para o mercado financeiro, o Cash. Convidei duas jovens repórteres para integrar a equipe, Mirian Leitão, até então especializada em diplomacia, e Salete Lemos.

O programa pegou.

Nesse ínterim, estourou o plano Cruzado. Para sua análise era fundamental o conhecimento matemático, já que todos os contratos foram convertidos do cruzeiro para o cruzado de acordo com fórmulas decididas pelos economistas.

Àquela altura, a coluna Dinheiro Vivo, da Folha, era republicada por 22 jornais, incluindo o Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.

Foi quando recebi um telefonema de Woile, me convidando para um almoço no Rio com a cúpula do jornalismo da emissora, incluindo a histórica Alice Maria, jornalista responsável pelo Jornal Nacional.

Pretendiam me dar um programa pela manhã, para tratar de orientação financeira para pessoas físicas.

No mesmo dia recebi um telefonema de cumprimento de Paulo Henrique Amorim, então editor de Economia e comentarista do Jornal Nacional. Já tinha trabalhado com Amorim na Veja. A lembrança do ambiente de redação em grande empresa, admito, não me entusiasmou.

O convite veio justo no momento em que terminava o contrato da Abril com a Gazeta. Ao mesmo tempo, o SBT fez um convite para abrigar o programa.

Estava nessa indecisão quando recebi um telefonema de Gilberto Dupas, presidente da Caixa Econômica Estadual. Me disse que havia sido procurado pelo Luiz Fernando Levy, dono da Gazeta Mercantil, pedindo patrocínio para o programa de entrevistas que o jornal tinha aos domingos à noite, na TV Bandeirantes.

Mas disse que preferia o Cash. Perguntou o que eu pensava fazer com o programa. Disse-lhe não ter a mínima ideia.

- O que você pensar em fazer, saiba que uma cota de patrocínio a Caixa garante.

As tratativas com a Globo iam céleres. Mesmo antes do dia do almoço veio o convite para transferir a coluna Dinheiro Vivo do JB para O Globo.

Aí pensei comigo sobre o que seria minha vida jornalística. Ficaria conhecido nacionalmente, instantaneamente. Explodiria o mercado de palestras. Todos os problemas financeiros estariam resolvidos e teria o melhor emprego jornalístico do país, na TV Globo. E depois?

Primeiro, teria muito mais restrições para emitir minha opinião pessoal – o que de mais precioso tem um jornalista. Depois, ficaria prisioneiro do bom emprego. Lá na frente, se quisesse experimentar outras experiências, ou se me indispusesse com a casa, como ficaria?

Liguei para Woile agradecendo o convite e não fui ao almoço. Foi a melhor decisão de minha vida, apesar do que ocorreu nos meses seguintes.

No final do ano aumentei minhas críticas ao Cruzado e o responsável pela publicidade do estado de São Paulo, Luiz Crisóstomo, recomendou a suspensão do patrocínio da Caixa. Dupas tinha saído da CEE. Recebi um telefonema de José Arbex, seu sucessor, me alertando para o veto, mas me dando dois meses para encontrar uma saida.

Denunciei o consultor geral da República Saulo Ramos e fui mandado embora da Folha. Quando me preparava para consolidar a coluna no JB, um artigo com denúncias a Ronald Levinsohn fechou as portas do jornal.

Fui salvo por um patrocínio do Adubos Copas, empresa de um amigo de José Sarney, senhor já de certa idade. Não entendi nada. Um dia, marquei um almoço com ele para entender. Me disse que gostava tanto do programa que instalara uma antena em sua fazenda, para não perdê-lo. Era uma explicação insuficiente.

Apenas recentemente soube da história completa . Ele era amigo de farra de Sarney, ao lado de Mathias Machline e outros. Quando Sarney se tornou presidente, revestiu-se da chamada liturgia do cargo. Ficou enjoado. De birra, o velho dono da Copas resolveu patrocinar o programa que mais criticava Sarney.

Foi a salvação.

Mesmo na fase mais dura, quando a economia parava com os surtos de inflação, e ficava sem saber se receberia no final do mês, nem assim me arrependi da decisão tomada. Consegui me safar a tempo da armadilha do bom emprego e preservar a carta de alforria do jornalista: o direito de ter sua opinião.

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