Por Gilberto Maringoni
Os principais feitos do governo Temer em política externa não estão no esvaziamento da Unasul, na mitigação do Mercosul ou no papel acentuadamente irrelevante que o Brasil assume nos BRICS. Os pontos de destaque estão na desnacionalização da produção energética, através do desmonte da área de refino da Petrobrás e do fim do regime de partilha, e na desnacionalização da Embraer.
O impacto desses dois eventos se dará não apenas na indústria e na economia (a Petrobrás chegou a representar 14% do PIB e a Embraer é nossa principal exportadora de tecnologia). O baque maior está na sinalização de que desenvolvimento e projeto nacional saem de cena e que nosso destino é a periferia do mundo.
A venda da Embraer à Boeing representa um passo decisivo no desmonte produtivo/tecnológico do país. O negócio coloca em tela a sequência do processo de privatizações iniciado nos anos 1990, durante os governos tucanos. Assim como a Vale privatizada deixou de ser uma empresa de ponta em 27 áreas diferentes para se tornar uma mineradora, a Embraer pode virar apenas uma montadora de projetos vindos de fora.
A empresa apresenta pelo menos três jóias que a tornam atraente ao capital externo: a expertise na fabricação de jatos regionais, de caças turbohélices e - agora - de cargueiros aéreos.
A Boeing se interessa especialmente pelo primeiro filão, visando exibir um portfólio completo de aviões de passageiros. Absorvendo a empresa brasileira, ela disputará de igual para igual com a Airbus (consórcio alemão, britânico e francês) os mercados de jatos de longo e curto alcance, podendo obter ganhos de escala em todas as modalidades da aviação comercial.
O mercado mundial dessa modalidade é extremamente competitivo e concentrado em poucas empresas. Ele é dominado por quatro corporações, Boeing, Airbus, Bombardier (Canadá) e Embraer. As duas primeiras dividem cerca de 60% do mercado planetário, a Embraer é líder mundial em jatos de até 150 lugares, seguida pela Bombardier. O restante é disputado pelo consórcio entre as russas Irkut e Yakovlev (United Aircraft Corporation), pela Mitsubishi japonesa, pela Comac (Commercial Aircraft Corporation of China).
Embora a Irkut (1932) e a Yakovlev (1934) tenham longa tradição no setor, a fusão entre as duas data de 2004 e seu nicho de mercado ainda é restrito à Rússia e a alguns países do leste europeu. A chinesa foi fundada em 2008 e somente agora passa a disputar espaços além fronteiras. A Mitsubishi fabricou um dos caças-ícones da II Guerra Mundial (o A6M5 Zero), mas seu avião comercial, o Mitsubishi Regional Jet (MRJ) fez seu primeiro voo apenas em 2015.
Assim, a única possibilidade para a Boeing enfrentar a concorrência da Airbus é algum tipo de associação com a Embraer. Isso faz com que o poder de barganha dos acionistas da brasileira seja altíssimo.
É bem possível que a Embraer não seja viável no médio prazo, caso se mantenha como está, ou seja, disputando apenas os nichos de aviação comercial e militar (que fica fora da negociação), sem oferecer em sua carteira aeronaves maiores.
Há infinitas possibilidades de associação com a gigante estadunidense, além de sua venda pura e simples. Essa opção aliena um conhecimento acumulado ao longo de meio século, implica que dentro de alguns anos suas linhas de produção sejam transferidas para os EUA. Além disso, torna-se questão de tempo a quebra de dezenas de empresas nacionais de componentes aeronáuticos e o desaparecimento de milhares de postos de trabalho. As carreiras de engenharia aeronáutica e aeroespacial perderão muito de seu sentido , passando a atender empresas de aeronaves de pequeno porte. Ou seja, o abalo interno será pesado.
Por fim, um comentário lateral. A Boeing irá adquirir 80% da divisão de aviação comercial da Embraer por US$ 4,2 bilhões.
Para efeito de comparação, o desenvolvimento e fabricação do Embraer KC-390, o maior e melhor cargueiro militar aéreo do mundo, é resultado de uma soma de investimentos públicos (BNDES, PAC e FAB) que atingem US$ 3,9 bilhões. Seu mercado potencial alcança US$ 60 bilhões para a próxima década. Este setor faz também parte da negociação e mostra a magnitude das cifras do setor. Em 2016, a receita líquida da empresa foi de US$ 6,1 bilhões.
A venda da Embraer representa a alienação de um patrimônio e de investimentos públicos de décadas, a quebra de um setor industrial de ponta e a conformação de um projeto que implica empurrar cada vez mais o Brasil para a periferia. Não é à toa que conta com o apoio entusiasmado de Jair Bolsonaro e de alguns militares marcados por um patriotismo de fachada e um entreguismo de alma.
Embraer foi vítima de lawfare
Em 2016, empresas brasileiras como a Embraer sofreram atos de persecução do Departamento de Justiça norte-americano e acabaram por firmar acordos com aquele órgão estrangeiro, em sintonia com as autoridades locais. Tais acordos estabeleceram obrigações pecuniárias e de outras naturezas, tais como o monitoramento interno da companhia. Dois anos depois, foi anunciada uma operação da Embraer com a Boeing, uma estratégica empresa norte-americana. Difícil crer que apenas uma afinidade comercial tenha orientado esse resultado.
Os principais feitos do governo Temer em política externa não estão no esvaziamento da Unasul, na mitigação do Mercosul ou no papel acentuadamente irrelevante que o Brasil assume nos BRICS. Os pontos de destaque estão na desnacionalização da produção energética, através do desmonte da área de refino da Petrobrás e do fim do regime de partilha, e na desnacionalização da Embraer.
O impacto desses dois eventos se dará não apenas na indústria e na economia (a Petrobrás chegou a representar 14% do PIB e a Embraer é nossa principal exportadora de tecnologia). O baque maior está na sinalização de que desenvolvimento e projeto nacional saem de cena e que nosso destino é a periferia do mundo.
A venda da Embraer à Boeing representa um passo decisivo no desmonte produtivo/tecnológico do país. O negócio coloca em tela a sequência do processo de privatizações iniciado nos anos 1990, durante os governos tucanos. Assim como a Vale privatizada deixou de ser uma empresa de ponta em 27 áreas diferentes para se tornar uma mineradora, a Embraer pode virar apenas uma montadora de projetos vindos de fora.
A empresa apresenta pelo menos três jóias que a tornam atraente ao capital externo: a expertise na fabricação de jatos regionais, de caças turbohélices e - agora - de cargueiros aéreos.
A Boeing se interessa especialmente pelo primeiro filão, visando exibir um portfólio completo de aviões de passageiros. Absorvendo a empresa brasileira, ela disputará de igual para igual com a Airbus (consórcio alemão, britânico e francês) os mercados de jatos de longo e curto alcance, podendo obter ganhos de escala em todas as modalidades da aviação comercial.
O mercado mundial dessa modalidade é extremamente competitivo e concentrado em poucas empresas. Ele é dominado por quatro corporações, Boeing, Airbus, Bombardier (Canadá) e Embraer. As duas primeiras dividem cerca de 60% do mercado planetário, a Embraer é líder mundial em jatos de até 150 lugares, seguida pela Bombardier. O restante é disputado pelo consórcio entre as russas Irkut e Yakovlev (United Aircraft Corporation), pela Mitsubishi japonesa, pela Comac (Commercial Aircraft Corporation of China).
Embora a Irkut (1932) e a Yakovlev (1934) tenham longa tradição no setor, a fusão entre as duas data de 2004 e seu nicho de mercado ainda é restrito à Rússia e a alguns países do leste europeu. A chinesa foi fundada em 2008 e somente agora passa a disputar espaços além fronteiras. A Mitsubishi fabricou um dos caças-ícones da II Guerra Mundial (o A6M5 Zero), mas seu avião comercial, o Mitsubishi Regional Jet (MRJ) fez seu primeiro voo apenas em 2015.
Assim, a única possibilidade para a Boeing enfrentar a concorrência da Airbus é algum tipo de associação com a Embraer. Isso faz com que o poder de barganha dos acionistas da brasileira seja altíssimo.
É bem possível que a Embraer não seja viável no médio prazo, caso se mantenha como está, ou seja, disputando apenas os nichos de aviação comercial e militar (que fica fora da negociação), sem oferecer em sua carteira aeronaves maiores.
Há infinitas possibilidades de associação com a gigante estadunidense, além de sua venda pura e simples. Essa opção aliena um conhecimento acumulado ao longo de meio século, implica que dentro de alguns anos suas linhas de produção sejam transferidas para os EUA. Além disso, torna-se questão de tempo a quebra de dezenas de empresas nacionais de componentes aeronáuticos e o desaparecimento de milhares de postos de trabalho. As carreiras de engenharia aeronáutica e aeroespacial perderão muito de seu sentido , passando a atender empresas de aeronaves de pequeno porte. Ou seja, o abalo interno será pesado.
Por fim, um comentário lateral. A Boeing irá adquirir 80% da divisão de aviação comercial da Embraer por US$ 4,2 bilhões.
Para efeito de comparação, o desenvolvimento e fabricação do Embraer KC-390, o maior e melhor cargueiro militar aéreo do mundo, é resultado de uma soma de investimentos públicos (BNDES, PAC e FAB) que atingem US$ 3,9 bilhões. Seu mercado potencial alcança US$ 60 bilhões para a próxima década. Este setor faz também parte da negociação e mostra a magnitude das cifras do setor. Em 2016, a receita líquida da empresa foi de US$ 6,1 bilhões.
A venda da Embraer representa a alienação de um patrimônio e de investimentos públicos de décadas, a quebra de um setor industrial de ponta e a conformação de um projeto que implica empurrar cada vez mais o Brasil para a periferia. Não é à toa que conta com o apoio entusiasmado de Jair Bolsonaro e de alguns militares marcados por um patriotismo de fachada e um entreguismo de alma.
Embraer foi vítima de lawfare
Em 2016, empresas brasileiras como a Embraer sofreram atos de persecução do Departamento de Justiça norte-americano e acabaram por firmar acordos com aquele órgão estrangeiro, em sintonia com as autoridades locais. Tais acordos estabeleceram obrigações pecuniárias e de outras naturezas, tais como o monitoramento interno da companhia. Dois anos depois, foi anunciada uma operação da Embraer com a Boeing, uma estratégica empresa norte-americana. Difícil crer que apenas uma afinidade comercial tenha orientado esse resultado.
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