Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:
A declaração tornou-se um marco, especialmente por ter sido pioneira em englobar ao mesmo tempo direitos civis e políticos e direitos sociais e econômicos. E porque foi firmada logo depois de o mundo viver fenômenos como o fascismo, o nazismo e duas guerras mundiais. Se havia a necessidade de nomear quais deveriam ser os direitos humanos era porque houvera e seguia a haver uma série de violações contra diferentes populações, parte delas praticadas pelo próprio Estado.
Seus 30 artigos têm como objetivo salvaguardar a dignidade para todos os seres humanos, independentemente de sua origem ou posição social e em todos os momentos e lugares. Asseguram, por exemplo, a liberdade ao nascimento, direito a julgamento justo e as liberdade de expressão e de manifestação política. E afirmam que a todo indivíduo deve ser garantido bem-estar e saúde, incluindo o direito à alimentação, assistência médica, educação e aposentadoria.
Entre idas e vindas, fracassamos em fazer dos seus princípios uma realidade. É duro admitir que, 70 anos depois, ainda seja profundamente necessário relembrar e defender o Artigo 5º da declaração: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
Em pleno 2018, a chapa vencedora das eleições presidenciais no Brasil orgulha-se de estampar como herói nacional um dos mais cruéis torturadores da ditadura. Integrantes do Exército são investigados por acusações como “madeiradas na nuca” e “chicotadas com fios elétricos” em jovens de favelas cariocas durante a intervenção federal ainda em curso no Rio de Janeiro.
Recentemente, José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino, dois militantes do MST na Paraíba, foram brutalmente assassinados. O primeiro havia perdido seu irmão, também ativista, por uma execução em 2009, e fazia parte de um programa de proteção a defensores dos direitos humanos. Práticas como tortura e execução sumária fizeram parte do período sombrio da ditadura. Infelizmente, seguiram mesmo com o fim dela ‒ sobretudo para os jovens negros das periferias ‒ e correm o sério risco de aumentar no próximo período.
Além disso, direitos básicos ainda são negados para milhões de brasileiros. O último relatório do IBGE é simplesmente vergonhoso. Em 2017, o número de cidadãos que passaram a viver com menos de 140 reais mensais aumentou em quase 2 milhões e o total abaixo da linha da extrema pobreza chegou a 15,2 milhões. Um terço são crianças e adolescentes com menos de 14 anos de idade.
A quantidade de gente com acesso “restrito” à educação chegou a 58 milhões. São crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos de idade que não frequentavam escola, de 15 anos ou mais analfabetas e de 16 anos ou mais que não possuíam Ensino Fundamental completo. Sem falar no drama urbano dos brasileiros. Quase 78 milhões não têm acesso a tratamento de esgoto. Outros 27 milhões vivem em moradia inadequada.
Na prática, ao compararmos a declaração da ONU com os dados coletados pelo IBGE ou ao andar por qualquer parte do País, vemos que grande parte dos artigos da declaração simplesmente não vale no Brasil. Mesmo no período com eleições livres, o modelo de desenvolvimento trilhado manteve o abismo entre uma parcela significativa da população e os direitos sociais.
Infelizmente, ainda ouvimos coisas como “direitos humanos é coisa de bandido” e “direitos humanos para humanos direitos”. Ao contrário desses berros surdos da ignorância nas redes sociais, quem é contra a tortura, o trabalho escravo e a favor da justiça e de políticas de segurança, saúde e educação concorda com a declaração da ONU. Setenta anos depois, ter de defender a existência de direitos humanos, em vez de debater como promovê-los, mostra o quanto o texto foi importante, mas insuficiente. Ainda falta muito para chegarmos lá.
Há sete décadas, em 10 de dezembro de 1948, quase 50 nações vinculadas à ONU assinavam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Brasil, então presidido pelo militar Eurico Gaspar Dutra, foi um dos signatários. Nenhum país ousou votar contra o texto.
A declaração tornou-se um marco, especialmente por ter sido pioneira em englobar ao mesmo tempo direitos civis e políticos e direitos sociais e econômicos. E porque foi firmada logo depois de o mundo viver fenômenos como o fascismo, o nazismo e duas guerras mundiais. Se havia a necessidade de nomear quais deveriam ser os direitos humanos era porque houvera e seguia a haver uma série de violações contra diferentes populações, parte delas praticadas pelo próprio Estado.
Seus 30 artigos têm como objetivo salvaguardar a dignidade para todos os seres humanos, independentemente de sua origem ou posição social e em todos os momentos e lugares. Asseguram, por exemplo, a liberdade ao nascimento, direito a julgamento justo e as liberdade de expressão e de manifestação política. E afirmam que a todo indivíduo deve ser garantido bem-estar e saúde, incluindo o direito à alimentação, assistência médica, educação e aposentadoria.
Entre idas e vindas, fracassamos em fazer dos seus princípios uma realidade. É duro admitir que, 70 anos depois, ainda seja profundamente necessário relembrar e defender o Artigo 5º da declaração: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
Em pleno 2018, a chapa vencedora das eleições presidenciais no Brasil orgulha-se de estampar como herói nacional um dos mais cruéis torturadores da ditadura. Integrantes do Exército são investigados por acusações como “madeiradas na nuca” e “chicotadas com fios elétricos” em jovens de favelas cariocas durante a intervenção federal ainda em curso no Rio de Janeiro.
Recentemente, José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino, dois militantes do MST na Paraíba, foram brutalmente assassinados. O primeiro havia perdido seu irmão, também ativista, por uma execução em 2009, e fazia parte de um programa de proteção a defensores dos direitos humanos. Práticas como tortura e execução sumária fizeram parte do período sombrio da ditadura. Infelizmente, seguiram mesmo com o fim dela ‒ sobretudo para os jovens negros das periferias ‒ e correm o sério risco de aumentar no próximo período.
Além disso, direitos básicos ainda são negados para milhões de brasileiros. O último relatório do IBGE é simplesmente vergonhoso. Em 2017, o número de cidadãos que passaram a viver com menos de 140 reais mensais aumentou em quase 2 milhões e o total abaixo da linha da extrema pobreza chegou a 15,2 milhões. Um terço são crianças e adolescentes com menos de 14 anos de idade.
A quantidade de gente com acesso “restrito” à educação chegou a 58 milhões. São crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos de idade que não frequentavam escola, de 15 anos ou mais analfabetas e de 16 anos ou mais que não possuíam Ensino Fundamental completo. Sem falar no drama urbano dos brasileiros. Quase 78 milhões não têm acesso a tratamento de esgoto. Outros 27 milhões vivem em moradia inadequada.
Na prática, ao compararmos a declaração da ONU com os dados coletados pelo IBGE ou ao andar por qualquer parte do País, vemos que grande parte dos artigos da declaração simplesmente não vale no Brasil. Mesmo no período com eleições livres, o modelo de desenvolvimento trilhado manteve o abismo entre uma parcela significativa da população e os direitos sociais.
Infelizmente, ainda ouvimos coisas como “direitos humanos é coisa de bandido” e “direitos humanos para humanos direitos”. Ao contrário desses berros surdos da ignorância nas redes sociais, quem é contra a tortura, o trabalho escravo e a favor da justiça e de políticas de segurança, saúde e educação concorda com a declaração da ONU. Setenta anos depois, ter de defender a existência de direitos humanos, em vez de debater como promovê-los, mostra o quanto o texto foi importante, mas insuficiente. Ainda falta muito para chegarmos lá.
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