Por Marcelo Zero
Setores da nossa imprensa conservadora anunciaram, com pompa e circunstância, que Trump havia "aberto as portas da OTAN" para o Brasil.
Tal "generosidade", entretanto, é fruto exclusivo da ignorância de escribas que não entendem nada do assunto.
Mesmo se quisesse, Trump não poderia fazer o Brasil ingressar na OTAN.
Essa organização militar, criada pelo Tratado do Atlântico Norte, mais conhecido como Tratado de Washington, está aberta apenas (pasmem!) para países do Atlântico Norte, ou seja, EUA, Canadá e as nações da Europa.
Não se trata sequer da incorporação do Brasil como parceiro global ("partner across the globe") da OTAN, como já o são Afeganistão, Austrália, Colômbia, Iraque, Japão, República da Coreia, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão.
Trata-se apenas de declarar o Brasil um aliado importante extra-OTAN (Major non-NATO ally, MNNA).
Como o nome indica, aliados extra-Otan não fazem parte, direta ou indiretamente, como membros ou como parceiros, da OTAN. São parceiros apenas dos EUA.
Atualmente, fazem parte desse círculo, 17 países, incluídas "potências militares", tais como Afeganistão (que é também parceiro global da OTAN), Argentina, Egito, Filipinas, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Paquistão, Taiwan, Tailândia, Bahrein, Nova Zelândia, Austrália (também parceiro global), etc.
O último aliado a ser admitido nesse clube foi a poderosa Tunísia.
E que o Brasil ganha com essa condição de aliado extra-OTAN?
Nada, ou quase nada.
A Argentina é aliada extra-OTAN dos EUA desde 1998. Lá se vão mais de 20 anos. Ganhou o quê? Recebeu armamentos de ponta dos EUA? Teve acesso à tecnologia sensível? Aparelhou adequadamente suas forças, graças a essa condição? Recebeu apoio para sua reivindicação, em relação às Ilhas Malvinas? Claro que não.
Na realidade, tornar-se aliado extra-OTAN assegura apenas acesso mais facilitado para excedentes militares, o material obsoleto que os EUA vendem ou doam, em geral, para países de Terceiro Mundo.
Além disso, pode-se obter mais facilmente financiamento norte-americano para comprar equipamento... norte-americano.
Um grande negócio!
Os EUA só compartilham alguma coisa relevante (equipamentos ou informação) com aliados verdadeiramente estratégicos, dentro ou fora da OTAN, como Israel, Reino Unido, Coreia do Sul, Taiwan, Arábia Saudita, etc.
São países chave para a geoestratégia dos EUA.
O Brasil não é um deles.
A Argentina também achou, na época de Menem, o qual mantinha "relações carnais" com os EUA, que ganharia alguma coisa com essa aliança. Menem chegou até a escrever uma carta para Clinton implorando para que a Argentina entrasse na OTAN. Mandou 150 soldados ao Kosovo para demonstrar toda a sua subalternidade.
Acabou levando um pontapé da OTAN, a qual manifestou que, apesar do desejo neocolonial, a Argentina não fazia parte do Atlântico Norte, embora Menem quisesse modificar a geografia e a geopolítica da Argentina, e um puxão de orelhas do Brasil.
Com efeito, o Itamaraty emitiu uma dura nota sobre o assunto, em 1999, afirmando que a integração da Argentina à OTAN "teria consequências de natureza política e militar, que seriam analisadas em todos os seus aspectos".
Naquela época, o Itamaraty sabia o que fazia.
Sabia que uma aliança desse tipo, ainda mais sob o eventual guarda-chuva da OTAN, significava a inserção subalterna na geoestratégia dos EUA e a renúncia completa à soberania nacional e regional.
Naquele tempo, tanto a nossa diplomacia quanto nossos militares procuravam manter um espaço próprio para projetar os interesses do Brasil na região e no mundo de forma autônoma.
Espaço geopolítico próprio que foi consideravelmente alargado com a política externa ativa e altiva de Lula.
Hoje, não mais.
Está em andamento um colapso completo da nossa soberania.
Em política externa, tal implosão da soberania é evidente, até mesmo escandalosa.
Mas o processo também se desenvolve, de forma célere, na política de defesa, que complementa a política externa.
Além dessa aliança extra-OTAN com os EUA, que emula o erro de Menem em 1998, há a inserção das forças do Brasil no Comando Sul, que também implica óbvia subalternidade geoestratégica.
A recriação do Acordo de Alcântara, nos mesmos termos impositivos exigidos anteriormente pelos EUA, o convite para que os EUA participassem de exercício militares na Amazônia, ainda no governo Temer, a assinatura do Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e Desenvolvimento, ou MIEA (Master Information Exchange Agreement) com o gigante norte-americano, a venda Embraer à Boeing, etc., também denunciam uma nova postura de subalternidade, em relação ao Império.
Mas a Defesa Nacional vem sendo destruída não apenas em sua dimensão política e geoestratégica.
Tal destruição se processa, da mesma maneira, na dimensão econômica, em virtude do neoliberalismo impulsionado pelo capital financeiro.
Nessa dimensão, a destruição vem se dando essencialmente pelos efeitos da política de austeridade fiscal e da terrível Emenda Constitucional nº 95, que congelou os investimentos públicos por longos 20 anos, algo inédito no mundo.
Devido a esses fatores, os grandes projetos estratégicos para a defesa do Brasil e o desenvolvimento nacional (Sisfron, submarino nuclear, caça Gripen, etc.) estão agora em grande perigo.
Nas simulações realizadas, os investimentos deverão sofrer contrações brutais, pois a despesas constitucionais obrigatórias, somadas ao aumento populacional, deverão aumentar substancialmente, nos próximos anos.
Segundo o documento oficial "Cenário de Defesa 2020-2039, "as demandas reprimidas, bem como a limitação orçamentária imposta pelo Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional nº 95), ampliarão a obsolescência e inviabilizarão a configuração das atuais Forças Armadas em padrões de potência militar de médio porte (como França, Reino Unido, Alemanha, por exemplo) ".
Desse modo, as próprias Forças Armadas preveem um cenário de desinvestimentos e obsolescência tecnológica, que deverá perdurar por décadas.
Na realidade, o cenário mais provável, com essas escolhas geopolíticas e com esses gargalos econômicos, é o de que o Brasil não consiga sequer se manter como potência militar de pequeno porte.
Se hoje não temos condições nem de enfrentar a Venezuela numa guerra convencional, dada à nossa inferioridade aérea, imaginem daqui a 10 anos, com esse congelamento, esses cortes sucessivos e essa submissão aos EUA.
Na última semana, Bolsonaro fez os militares engolirem um corte de 43%, nas despesas não-obrigatórias.
Entre o capital financeiro e os EUA, e a soberania e a defesa do Brasil, ele escolheu os primeiros.
E não parece ser uma escolha conjuntural, forçada pelas circunstâncias. Parece ser uma escolha estratégica de longo prazo. Parece que estamos "terceirizando" para os EUA a nossa soberania e a nossa defesa.
Bolsonaro optou por um Brasil colônia, que se submete econômica, política e estrategicamente aos EUA de Trump.
Menem achou que ia resolver todos os problemas da Argentina se submetendo aos EUA, ao capital financeiro e entrando para a OTAN. Deu no que deu.
Bolsonaro repete o mesmo erro trágico.
Porém, justiça seja feita, não me lembro de Menem batendo continência para a bandeira dos EUA.
O colapso, aqui, não é apenas da soberania, é também da vergonha.
Setores da nossa imprensa conservadora anunciaram, com pompa e circunstância, que Trump havia "aberto as portas da OTAN" para o Brasil.
Tal "generosidade", entretanto, é fruto exclusivo da ignorância de escribas que não entendem nada do assunto.
Mesmo se quisesse, Trump não poderia fazer o Brasil ingressar na OTAN.
Essa organização militar, criada pelo Tratado do Atlântico Norte, mais conhecido como Tratado de Washington, está aberta apenas (pasmem!) para países do Atlântico Norte, ou seja, EUA, Canadá e as nações da Europa.
Não se trata sequer da incorporação do Brasil como parceiro global ("partner across the globe") da OTAN, como já o são Afeganistão, Austrália, Colômbia, Iraque, Japão, República da Coreia, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão.
Trata-se apenas de declarar o Brasil um aliado importante extra-OTAN (Major non-NATO ally, MNNA).
Como o nome indica, aliados extra-Otan não fazem parte, direta ou indiretamente, como membros ou como parceiros, da OTAN. São parceiros apenas dos EUA.
Atualmente, fazem parte desse círculo, 17 países, incluídas "potências militares", tais como Afeganistão (que é também parceiro global da OTAN), Argentina, Egito, Filipinas, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Paquistão, Taiwan, Tailândia, Bahrein, Nova Zelândia, Austrália (também parceiro global), etc.
O último aliado a ser admitido nesse clube foi a poderosa Tunísia.
E que o Brasil ganha com essa condição de aliado extra-OTAN?
Nada, ou quase nada.
A Argentina é aliada extra-OTAN dos EUA desde 1998. Lá se vão mais de 20 anos. Ganhou o quê? Recebeu armamentos de ponta dos EUA? Teve acesso à tecnologia sensível? Aparelhou adequadamente suas forças, graças a essa condição? Recebeu apoio para sua reivindicação, em relação às Ilhas Malvinas? Claro que não.
Na realidade, tornar-se aliado extra-OTAN assegura apenas acesso mais facilitado para excedentes militares, o material obsoleto que os EUA vendem ou doam, em geral, para países de Terceiro Mundo.
Além disso, pode-se obter mais facilmente financiamento norte-americano para comprar equipamento... norte-americano.
Um grande negócio!
Os EUA só compartilham alguma coisa relevante (equipamentos ou informação) com aliados verdadeiramente estratégicos, dentro ou fora da OTAN, como Israel, Reino Unido, Coreia do Sul, Taiwan, Arábia Saudita, etc.
São países chave para a geoestratégia dos EUA.
O Brasil não é um deles.
A Argentina também achou, na época de Menem, o qual mantinha "relações carnais" com os EUA, que ganharia alguma coisa com essa aliança. Menem chegou até a escrever uma carta para Clinton implorando para que a Argentina entrasse na OTAN. Mandou 150 soldados ao Kosovo para demonstrar toda a sua subalternidade.
Acabou levando um pontapé da OTAN, a qual manifestou que, apesar do desejo neocolonial, a Argentina não fazia parte do Atlântico Norte, embora Menem quisesse modificar a geografia e a geopolítica da Argentina, e um puxão de orelhas do Brasil.
Com efeito, o Itamaraty emitiu uma dura nota sobre o assunto, em 1999, afirmando que a integração da Argentina à OTAN "teria consequências de natureza política e militar, que seriam analisadas em todos os seus aspectos".
Naquela época, o Itamaraty sabia o que fazia.
Sabia que uma aliança desse tipo, ainda mais sob o eventual guarda-chuva da OTAN, significava a inserção subalterna na geoestratégia dos EUA e a renúncia completa à soberania nacional e regional.
Naquele tempo, tanto a nossa diplomacia quanto nossos militares procuravam manter um espaço próprio para projetar os interesses do Brasil na região e no mundo de forma autônoma.
Espaço geopolítico próprio que foi consideravelmente alargado com a política externa ativa e altiva de Lula.
Hoje, não mais.
Está em andamento um colapso completo da nossa soberania.
Em política externa, tal implosão da soberania é evidente, até mesmo escandalosa.
Mas o processo também se desenvolve, de forma célere, na política de defesa, que complementa a política externa.
Além dessa aliança extra-OTAN com os EUA, que emula o erro de Menem em 1998, há a inserção das forças do Brasil no Comando Sul, que também implica óbvia subalternidade geoestratégica.
A recriação do Acordo de Alcântara, nos mesmos termos impositivos exigidos anteriormente pelos EUA, o convite para que os EUA participassem de exercício militares na Amazônia, ainda no governo Temer, a assinatura do Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e Desenvolvimento, ou MIEA (Master Information Exchange Agreement) com o gigante norte-americano, a venda Embraer à Boeing, etc., também denunciam uma nova postura de subalternidade, em relação ao Império.
Mas a Defesa Nacional vem sendo destruída não apenas em sua dimensão política e geoestratégica.
Tal destruição se processa, da mesma maneira, na dimensão econômica, em virtude do neoliberalismo impulsionado pelo capital financeiro.
Nessa dimensão, a destruição vem se dando essencialmente pelos efeitos da política de austeridade fiscal e da terrível Emenda Constitucional nº 95, que congelou os investimentos públicos por longos 20 anos, algo inédito no mundo.
Devido a esses fatores, os grandes projetos estratégicos para a defesa do Brasil e o desenvolvimento nacional (Sisfron, submarino nuclear, caça Gripen, etc.) estão agora em grande perigo.
Nas simulações realizadas, os investimentos deverão sofrer contrações brutais, pois a despesas constitucionais obrigatórias, somadas ao aumento populacional, deverão aumentar substancialmente, nos próximos anos.
Segundo o documento oficial "Cenário de Defesa 2020-2039, "as demandas reprimidas, bem como a limitação orçamentária imposta pelo Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional nº 95), ampliarão a obsolescência e inviabilizarão a configuração das atuais Forças Armadas em padrões de potência militar de médio porte (como França, Reino Unido, Alemanha, por exemplo) ".
Desse modo, as próprias Forças Armadas preveem um cenário de desinvestimentos e obsolescência tecnológica, que deverá perdurar por décadas.
Na realidade, o cenário mais provável, com essas escolhas geopolíticas e com esses gargalos econômicos, é o de que o Brasil não consiga sequer se manter como potência militar de pequeno porte.
Se hoje não temos condições nem de enfrentar a Venezuela numa guerra convencional, dada à nossa inferioridade aérea, imaginem daqui a 10 anos, com esse congelamento, esses cortes sucessivos e essa submissão aos EUA.
Na última semana, Bolsonaro fez os militares engolirem um corte de 43%, nas despesas não-obrigatórias.
Entre o capital financeiro e os EUA, e a soberania e a defesa do Brasil, ele escolheu os primeiros.
E não parece ser uma escolha conjuntural, forçada pelas circunstâncias. Parece ser uma escolha estratégica de longo prazo. Parece que estamos "terceirizando" para os EUA a nossa soberania e a nossa defesa.
Bolsonaro optou por um Brasil colônia, que se submete econômica, política e estrategicamente aos EUA de Trump.
Menem achou que ia resolver todos os problemas da Argentina se submetendo aos EUA, ao capital financeiro e entrando para a OTAN. Deu no que deu.
Bolsonaro repete o mesmo erro trágico.
Porém, justiça seja feita, não me lembro de Menem batendo continência para a bandeira dos EUA.
O colapso, aqui, não é apenas da soberania, é também da vergonha.
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