domingo, 12 de janeiro de 2020

Mais dos ricos, menos dos pobres

Por Frei Betto, no site Correio da Cidadania:

O Pla­nalto anuncia a Re­forma Tri­bu­tária. No Brasil, entre vá­rias dis­tor­ções, des­taca-se o fato de o governo tri­butar pe­sa­da­mente o con­sumo e a pro­dução, quando de­veria ar­re­cadar mais da renda. Vigora hoje o im­posto re­gres­sivo - quem é mais pobre e ganha menos paga, pro­por­ci­o­nal­mente, mais im­postos que os mais ricos.

A tri­bu­tação de­veria ser pro­gres­siva – co­brar mais im­postos sobre renda e pa­trimônio, e isentar quem ganha até R$ 4 mil. Assim, os 206 bi­li­o­ná­rios bra­si­leiros con­tri­bui­riam mais para fi­nan­ciar os serviços pú­blicos. Na tri­bu­tação re­gres­siva re­co­lhem-se mais re­cursos nos im­postos sobre con­sumo de bens (sabão, arroz, li­qui­di­fi­cador etc.) e ser­viços (luz, água, lan­cho­nete etc.). Os im­postos embutidos em bens e ser­viços são pagos por toda a po­pu­lação, sem dis­tinção de poder aqui­si­tivo. A fa­xi­neira e o ban­queiro pagam o mesmo por um quilo de ba­tatas.

Ocorre que o im­posto em­bu­tido no preço da ba­tata é pro­por­ci­o­nal­mente maior em re­lação à renda do pobre. Ora, como os mais po­bres con­somem par­cela maior de sua renda, assim acabam con­tri­buindo re­la­ti­va­mente mais para sa­ciar a vo­ra­ci­dade do Leão.

Por que o Brasil, ao con­trário de países de­sen­vol­vidos, adota o im­posto re­gres­sivo? Além de o governo estar sob o poder dos ricos, a tri­bu­tação sobre pro­dutos e ser­viços é mais fácil de ser arrecadada. Se hou­vesse im­posto pro­gres­sivo, isto é, tri­bu­tação sobre a renda de pes­soas fí­sicas, a arre­ca­dação seria bem maior. E a re­dução dos im­postos sobre bens e ser­viços viria ba­rateá-los e aquecer o mer­cado, in­clu­sive au­mentar a ge­ração de em­pregos. Essa tri­bu­tação in­di­reta, via pro­dutos e ser­viços, fa­vo­rece as de­so­ne­ra­ções fis­cais, que sempre be­ne­fi­ciam os mais ricos, como a in­dús­tria au­to­mo­bi­lís­tica.

Como su­gere o eco­no­mista Ro­drigo de Losso, é pre­ciso cor­rigir a base de cál­culo sobre a qual se aplicam a alí­quotas do im­posto de renda. Como os sa­lá­rios são cor­ri­gidos anu­al­mente, tendo em conta a in­flação do ano an­te­rior, a atual cor­reção pela in­flação faz com que pes­soas que es­tavam isentas passem a pagar im­posto, o que au­menta a ar­re­ca­dação, pois quando os sa­lá­rios são cor­ri­gidos isso não sig­ni­fica que os tra­ba­lha­dores pas­saram a ga­nhar mais em termos reais.

Também os di­vi­dendos (a parte do lucro da em­presa re­par­tida entre os aci­o­nistas) re­ce­bidos por pessoas fí­sicas de­ve­riam ser tri­bu­tados, o que po­deria au­mentar a ar­re­ca­dação em até R$ 60 bi­lhões. Apenas dois países não co­bram este tri­buto: Brasil e Estônia. Hoje, as isen­ções de di­vi­dendos beneficiam 2,1 mi­lhões de pes­soas, dentre elas as 20,9 mil mais ricas do Brasil (0,01% da po­pu­lação), que pagam de im­posto 1,56% de sua renda total, uma vez que boa par­cela dessa renda vem de dividendos e é isenta de im­posto.

Ao tri­butar di­vi­dendos, as em­presas se­riam es­ti­mu­ladas a re­parti-los menos com seus aci­o­nistas, e a fazer mais in­ves­ti­mentos e gerar mais em­pregos. Em suma, a re­forma tri­bu­tária pre­cisa re­duzir os impostos in­di­retos e au­mentar o im­posto de renda de pes­soas ju­rí­dicas.

Se­gundo o eco­no­mista Róber Itur­riet Avila, o Brasil já teve uma tri­bu­tação mais pro­gres­siva. Porém, desde a di­ta­dura as alí­quotas má­ximas de im­posto de renda, que no pas­sado che­garam a 65%, foram re­du­zidas até o pa­tamar atual de 27,5%. Na Ale­manha a alí­quota chega a 45%; e na Suécia, 56,7%.

Atu­al­mente, 51,3% dos im­postos re­co­lhidos nas três es­feras de go­verno (fe­deral, es­ta­dual e mu­ni­cipal) têm origem no con­sumo de bens e ser­viços; 25% na folha de sa­lário; 18,1% na renda; 3,9% na pro­pri­e­dade; e 1,7% em de­mais im­postos. Na Di­na­marca e nos EUA, por exemplo, me­tade da arrecadação vem de im­postos sobre a renda e lu­cros. No Peru, Chile e Colômbia tais tri­butos representam, res­pec­ti­va­mente, 39,9%, 35,8% e 33,5% da ar­re­ca­dação.

No Brasil, os im­postos sobre pa­trimônio com­põem apenas 3,9% da carga tri­bu­tária. No Reino Unido, 12,3%; na Colômbia, 10,6%; e na Ar­gen­tina, 9,2%. Os tri­butos que nosso país, quinto maior do mundo em ex­tensão, re­colhe sobre áreas ru­rais re­pre­sentam apenas 0,06% da ar­re­ca­dação. Nos EUA e Ca­nadá, 5%; no Chile, 4,5%; no Uru­guai, 6%.

A tri­bu­tação sobre he­ranças é também muito baixa no Brasil. Re­pre­senta apenas 0,2% da arrecadação, e a alí­quota varia por es­tado, mas a média é de 4%. No Reino Unido é de 40%; nos EUA, 29%; no Chile, 13%.

Até 2030 es­tima-se que a po­pu­lação bra­si­leira será 10% maior que hoje. Como os gastos pú­blicos estarão con­ge­lados e tendem a au­mentar os gastos pre­vi­den­ciá­rios, de­vido o en­ve­lhe­ci­mento da população, os de­mais ser­viços pú­blicos, como saúde e edu­cação, terão que ser re­du­zidos necessariamente.

O Brasil está entre os países com mai­ores de­si­gual­dades do mundo, por tri­butar pro­por­ci­o­nal­mente mais os po­bres e menos os ricos. Como os dados com­provam que a elite bra­si­leira paga menos impostos que a classe média e a po­pu­lação de baixa renda, é pre­ciso que haja muita pressão para que ocorram mu­danças em nosso sis­tema tri­bu­tário e ele se torne pro­gres­sivo.

1 comentários:

Anônimo disse...

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