domingo, 12 de janeiro de 2020

O "pacote de bondades" na Argentina

Por Martín Fernández Lorenzo, no blog Socialista Morena:

10 de dezembro de 2019 foi um dia para não esquecer. Depois de quatro anos agonizantes e com um governo que não deu trégua à classe trabalhadora, ver a posse de Alberto Fernández foi emocionante, um alívio depois de tantos abusos. Milhões de argentinos/as assistiram quando o novo presidente chegou ao Congresso dirigindo seu próprio carro e cumprimentando as pessoas, como um cidadão qualquer.

Ao entrar no local, com uma imponente Cristina Kirchner ao lado (que quase causou uma fratura exposta no presidente que saía, Mauricio Macri, ao apertar sua mão), Fernández foi recebido pelo coro de deputados e senadores, com a presença das Mães e Avós da Plaza de Mayo, cantando o hino peronista. Nossa alma se encheu de esperança novamente. Como Estela de Carlotto, presidente das Avós da Plaza de Mayo, diria: “É o acontecimento mais maravilhoso de nossa história recente, o retorno de um governo que ama seu povo”.

No discurso de 80 minutos, o presidente abordou todas as questões. Do feminismo à educação, passando pelo retorno dos ministérios da Saúde e do Trabalho (entre outros que Macri havia eliminado), revisão da verba publicitária para a mídia hegemônica, combate às fake news… Fernández também foi implacável contra o sistema judicial, que tantos danos causou ao país nesses anos.

Mas seu foco principal foi a atenção aos mais pobres: o governo neoliberal de Macri deixou 40,8% argentinos na pobreza, com 59,5% das crianças e adolescentes menores de 17 anos pobres e 14,8% abaixo dela. Um país que produz alimentos para 400 milhões de pessoas, mas não pode alimentar os seus. Nisso, o presidente foi direto e claro sobre o futuro: “Os únicos privilegiados serão os que estão em situação de pobreza”. Alguns dias depois, Alberto, professor de direito criminal da UBA (Universidade de Buenos Aires) há 35 anos, foi aplicar uma prova a seus alunos na faculdade, como qualquer outro professor.

Embora chegar à posse dirigindo seu carro e continuar trabalhando na universidade tenha denunciado a enorme distância entre o novo e o ex-presidente, nascido em berço de ouro, foram as medidas tomadas por Alberto neste primeiro mês que estão lhe fazendo parecer, aos olhos dos argentinos, um presidente do povo que governa para o povo.

O jovem ministro da Economia, Martín Guzmán, de 37 anos, descrito como “brilhante” pelo Prêmio Nobel de 2001 Joseph Stiglitz, com quem trabalhou e a quem dedicou um artigo, deu uma guinada de 180 graus no navio. O governo anterior havia tomado um empréstimo do FMI de 57,1 bilhões de dólares, dos quais recebeu 44,867 milhões entre junho de 2018 e julho de 2019. Antes de deixar o governo, Macri pediu um desembolso final de 5.400 milhões, que o FMI, felizmente, negou. Guzmán foi categórico com o restante do empréstimo: “Não faz sentido pedir mais dinheiro”.

Desde que o novo governo assumiu, o risco-país caiu mais de 400 pontos e, no final do ano, as ações e os títulos argentinos subiram 22% e 14%, respectivamente, após a adoção da lei de “Solidariedade social e reativação produtiva”.

As medidas adotadas pela equipe econômica, trabalhista e de desenvolvimento até agora foram as seguintes:

1. AUH (Bolsa Familia): bônus de 2.000 pesos em dezembro.

2. Aposentados que recebem o mínimo (14.068 pesos): bônus de 5.000 pesos em dezembro e janeiro.

3. Congelamento das tarifas por 6 meses.

4. Fim da fórmula do cálculo da aposentadoria de Macri; em 180 dias será criada uma nova.
Desde que o novo governo assumiu, o risco-país caiu mais de 400 pontos e, no final do ano, as ações e os títulos argentinos subiram 22% e 14%, respectivamente

5. Congelamento das dívidas dos aposentados durante três meses e desconto de 12% no valor total quando voltarem a pagar.

6. Criação do Cartão-Alimentação de 4 mil pesos para gestantes a partir do terceiro mês e pais de apenas um filho; e outro de 6 mil pesos para quem tem mais de um filho. O programa começou com 2 milhões de pessoas e busca atingir 4 milhões.

7. Aumento nas retenções de exportação .

8. Imposto de 30% ao dólar turístico.

9. Controle dos preços de 310 produtos que fazem parte da cesta básica por meio do programa “Precios Cuidados”.

10. Tarifas de transporte congeladas na província de Buenos Aires por 120 dias

11. Convênio com laboratórios para redução de 8% no preço dos medicamentos em todo o país.

12. Aumento de salário do setor privado por decreto em 4000 pesos: 3000 em fevereiro e 1000 em março. Esta medida beneficiará 6.700.000 trabalhadores.

13. Na próxima semana será anunciado o aumento de salário para professores e trabalhadores estatais.

14. Entrou em ação a Lei Micaela, que prevê a capacitação obrigatória de todos os empregados/as do poder Executivo, Legislativo e Judiciário em todo o país sobre questões de gênero e violência contra as mulheres. O próprio presidente vai participar das capacitações.

15. O presidente lançou o projeto “Argentina Hace” (“Argentina Faz”), que pretende gerar 20 mil novos postos de trabalho no país, metade deles para mulheres.

O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, ex-ministro da Economia de Cristina Kirchner, tornou sem efeito o aumento de 25% nas contas de energia elétrica autorizadas pela governadora macrista anterior, Maria Eugenia Vidal, apelidada pelo povo de “La Hiena”.

Na Saúde, o novo ministro Ginés González García começou a liberar, graças à lei “Emergência em Saúde”, os 12 milhões de vacinas que estavam presas na alfândega. A Argentina teve o pior surto de sarampo desde o ano 2000. García afirmou várias vezes que o aborto é uma questão de saúde pública, por isso é mais que provável que no governo Fernández o aborto legal, seguro e gratuito, vire lei. O próprio presidente já disse que enviará ao Congresso um projeto neste sentido.

Em relação à Segurança, a nova ministra Sabina Frederic, antropóloga e professora, revogou o protocolo de uso de armas taser e armas de fogo autorizado pela irresponsável ex-ministra Patricia Bullrich, que permitia que a polícia disparasse sem emitir advertência, o que culminou em vários casos de violência policial.

O novo Ministro da Educação, Nicolás Trotta (que entrevistou Lula em setembro na prisão), apresentou, junto com o presidente, o Plano Nacional de Leitura, destinado a atingir 10 milhões de crianças e adolescentes nos níveis primário e secundário.

Na política externa, as credenciais da embaixadora designada como tal pelo presidente autoproclamado do país, Juan Guaidó, com a aprovação do governo macrista, foram retiradas. O golpe boliviano não foi reconhecido, como Macri havia solicitado antes de chamar a usurpadora Jeanine Añez de “presidenta eleita”. Evo Morales está asilado na Argentina.

Alberto Fernández disse que pretende ajudar a Venezuela e se declara contra a intervenção no país. E, em sua posse, convocou a deixar de lado as diferenças ideológicas com o Brasil de Bolsonaro, mas o brasileiro, assim como Lenín Moreno do Equador e Iván Duque, da Colômbia (que não compareceram à posse), parece ter diferenças insuperáveis ​​com o vizinho. Uma pena para a região.

Com Alberto na Casa Rosada e Cristina como vice e presidenta do Senado, tudo indica que a Argentina está se reerguendo.

Salud!

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