Os mais recentes números econômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a indústria brasileira segue aquilo que o dramaturgo Nelson Rodrigues chamava de “arrancos triunfais de cachorro atropelado”. Depois de uma sequência de três meses de avanço lento, a produção voltou a cair. Recuperações eventuais fazem parte do processo natural de uma economia que há muito tempo se arrasta numa crise estrutural, mas são meros arrancos.
Esse é o ponto: a crise brasileira é estrutural. Ela se liga à crise global, mas há muito de causas internas. Houve uma mudança de paradigma com o fim do programa de governo eleito em 2014. E há, também, o descaso histórico com a industrialização do país, uma condição que decorre da forma como a estrutura social brasileira foi sedimentada. As mudanças que ocorreram, desde que a economia trocou a base escravista pelo capitalismo, foram arrancadas a fórceps.
O sucesso de uma nação é um fenômeno referente à forma como ela administra a sua economia. E os êxitos do Brasil na sua industrialização de porte médio se devem aos governos que investiram na soberania nacional. Para um país que sempre esteve subjugado, esses avanços têm significado estratégico. Quase na virada para o século XX, o Brasil ainda era monarquista e escravocrata, e já acumulava uma miscelânea de mazelas sociais.
A modernização industrial se deve aos governos que moldaram o Estado de acordo com os interesses nacionais para que ele impulsionasse a economia. Sem o desenvolvimentismo de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, o país agropastoril teria sobrevivido por muito mais tempo. Mesmo assim, pouco se avançou na formação de um mercado doméstico pujante. Prevaleceu o egoísmo e a inépcia da parcela majoritária da elite brasileira.
Isso ocorre porque o modelo de sociedade erigido após 388 anos de escravismo foi estruturado de modo a preservar o acúmulo e impedir a migração social. Como resultado, o país luta constantemente para defender a sua soberania. Com a restauração da ordem neoliberal, agora com conteúdo ainda mais neocolonial, essa batalha ganhou maior relevância.
Esse projeto de poder fez o Brasil assumir o papel de mero coadjuvante na divisão do trabalho em escala mundial, sujeito aos interesses dos que se acham na missão de guiar a economia do planeta. Com o governo brasileiro solidamente alinhado aos Estados Unidos, o que fragiliza o Estado nacional, o país fica à deriva. Para piorar, os capitais internacionais especulativos financiam o abandono da estratégia desenvolvimentista.
O modelo agroexportador não está a serviço de um projeto de desenvolvimento nacional. Sua excelência e importância para o país, fundamentais para um projeto soberano, se diluem no circuito da ciranda financeira internacional, com as divisas geradas consumidas pelo giro dos títulos públicos. Esse é o resultado da política externa umbilicalmente ligada ao Estado norte-americano, o que significa atar o país aos interesses dos monopólios empresariais por ele representado.
A questão nacional é uma condição de ausência inaceitável. E nela a política industrial e tecnológica ocupa lugar central. Veja-se o caso da China e, em menor escala, o do Vietnã. São nações que, apesar de exportar maciçamente, baseiam seu desenvolvimento na construção de um mercado interno forte. O Estado garante a soberania nacional e equaliza as oportunidades.
O Brasil precisa urgentemente retomar o caminho do desenvolvimento. Mas para isso é necessário dinamizar a vida política nacional, tirando o Estado do gueto em que ele foi metido ao cair nas mãos da extrema direita. Esses dados do IBGE são mais um indicativo de que, se a atual situação não for revertida, o país caminhará para crises ainda mais graves.
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