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A semana que transcorreu entre 8 e 14 da janeiro tornou-se um símbolo da tensão que cresce na Alemanha.
Dois grandes movimentos marcaram estes dias.
O primeiro foi uma greve clássica, no sistema ferroviário, cuja espinha dorsal é a Deutsche Bahn (DB), uma empresa estatal que além dos trajetos de longa distância opera linhas regionais e parte do metrô da capital, Berlim (o sistema chamado de S-Bahn, onde o “S” significa “Schnell” - rápido).
Os grevistas - maquinistas dos trens de passageiros e de carga - reivindicam melhores salários e uma redução do tempo de trabalho de 38 para 35 horas semanais.
A DB tentou obter uma declaração de ilegalidade da greve junto a um tribunal de Frankfurt, sem sucesso. É a terceira greve temporária dos maquinistas desde novembro. A estimativa da própria empresa é de que desta vez a greve afetou 80% da circulação de trens no país. Coincidindo com uma forte onda de frio neste começo de ano, que mergulhou todo o país em temperaturas negativas por dias inteiros, a greve implicou uma redução notável na capacidade de locomoção dos usuários, afetando outros serviços.
Tempos atrás o governo alemão tentou privatizar a DB, sem sucesso, por falta de comprador interessado. Porém, para preparar a empresa para a venda, adotou uma série de medidas restritivas, “enxugando” pessoal e investimento. O resultado foi uma queda na eficiência das ferrovias alemãs, que deixaram de ter o perfil exemplar de pontualidade e qualidade de que desfrutavam no passado. As idas e vindas da Covid-19 e suas variantes a partir do começo de 2020 só agravou a situação, reduzindo por vezes o pessoal disponível.
O outro grande movimento da semana foi o de agricultores, que ocuparam as estradas e as ruas de cidades com seus tratores, bloqueando-as, em protesto contra os cortes nos subsídios por parte do governo, particularmente no que se refere ao financiamento do óleo diesel para o consumo dos veículos.
Neste caso, o que se observa é uma tentativa por parte de partidos conservadores, incluindo o radical Alternative für Deutschland (AfD), de extrema-direita, para capitalizar politicamente o movimento dos agricultores. Segundo as mais recentes pesquisas de intenção de voto, o AfD já se tornou a segunda força política na Alemanha, atrás apenas da conservadora União Democrata Cristã (CDU) e superando de longe todos os partidos que compõem a atual coligação do governo, o Partido Social Democrata (SPD) do chanceler Olaf Scholz, os Verdes e o liberal FDP. Por sua vez, a esquerda está em crise, com a dissolução da Linke e a formação de um novo partido, BSW, liderado pela deputada Sahra Wagenknecht, que emprestou suas iniciais para a sua sigla.
A situação desta semana mostrou a tensa encruzilhada em que se encontra a Alemanha, premida por uma inflação desestabilizadora que atinge sobretudo setores como agricultura, alimentação, energia e serviços, cujos preços vêm aumentando significativamente mais do que a média anual genérica que fica em torno de 10%. No setor da energia, por exemplo, duramente atingido pela ruptura do fornecimento do gás russo, devido à política de confronto com Moscou por causa da guerra na Ucrânia, a taxa de inflação superou os 40% anuais.
A crise subsequente reanimou o movimento sindical alemão, nos últimos anos amortecido por estratégias mais colaborativas com o capital, apesar dos duros cortes nos investimentos sociais e nos salários provocados pelas políticas de austeridade fiscal que imperam em quase toda a Europa, frequentemente implantadas pelos partidos socialistas ou social-democratas, com ajuda dos Verdes, como foi o caso na Alemanha.
Por outro lado, a mesma crise animou de vez a extrema-direita, que mobiliza corações e mentes com suas bandeiras demagógicas de fácil apelo, como a da xenofobia contra refugiados e imigrantes, particularmente os oriundos da África e do Oriente Médio. Tais bandeiras retrógradas se viram reforçadas pelo crescimento da islamofobia desde o ataque terrorista do Hamas em Israel no 7 de outubro e a brutal retaliação do governo de Benjamin Netanyahu contra toda a população palestina em Gaza e na Cisjordânia que vem matando crianças e mulheres em massa. Em toda a Europa, e a Alemanha não é exceção, a extrema-direita quer esconder seu passado tradicionalmente antissemita através do fomento da islamofobia, no que é ajudada pela política oficial de repressão contra simpatizantes dos Palestinos.
Em suma, o quadro é muito grave para um olhar progressista, pois a tendência atual é de que esta encruzilhada se transforme numa autoestrada para a extrema-direita, com o renascimento de práticas que lembram as do Terceiro Reich.
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