sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

América Latina e o combate à desigualdade

Reproduzo artigo de Ladislau Dowbor, publicado no sítio Carta Maior:

A CEPAL publicou um documento de primeira importância, “La Hora de la Igualdad”. Apresenta o resgate da massa dos excluídos do nosso subcontinente como eixo principal das políticas não apenas distributivas, mas econômicas e sociais no sentido mais amplo. De certa forma, a nossa principal herança maldita, a desigualdade, passa a ser vista como oportunidade de expansão econômica interna, um horizonte positivo de crescimento, não mais baseado em consumo de luxo de minorias, mas em consumo e inclusão produtiva de quem precisa. É a dimensão latinoamericana do que o Banco Mundial chama de população “sem acesso aos benefícios da globalização”, cerca de 4 bilhões de pessoas no planeta, quase dois terços do total. Numa terminologia mais prosaica, são os pobres.

O denominador comum da transformação desta década é a ampliação do consumo de massa. A visão enfrenta fortes resistências, com todos os preconceitos herdados, mas no conjunto os efeitos multiplicadores estão se verificando, e o processo foi se ampliando com a geração de governantes progressistas eleitos na região. A visão de bom senso é de que o principal desafio, a exclusão econômica e social de mais da metade da população, pode constituir uma oportunidade, um novo horizonte de expansão no mercado interno, favorecendo assim não só os pobres, mas o conjunto do aparelho produtivo. A crescente pressão da base da pirâmide social por melhores condições de vida, articulada com a determinação dos governos de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum, e no contexto tão importante de uma governança democrática.

Os avanços sociais sempre foram apresentados como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos, redução da pegada ecológica e aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados, que é a tradição latinoamericana. E poupa as empresas mais atrasadas de investirem na modernização.

A crise financeira mundial deixou as coisas mais claras. A evolução da América Latina frente à crise se caracteriza pelo fato de que no momento da eclosão dos problemas nos Estados Unidos, a região já vinha tomando medidas redistributivas no sentido amplo, ficando assim parcialmente preparada. No pior da crise, intensificou as medidas, o que facilitou a transição. No entanto, o problema principal não é a crise de 2008. Por mais grave que esta seja, o principal é que a América Latina era e continua sendo a região mais desigual do planeta, com problemas estruturais absolutamente obscenos em termos de riqueza ostensiva e perdulária frente à miséria do grosso da população e as correspondentes perdas de produtividade.

Deste ponto de vista, a crise financeira de certa forma representou uma oportunidade, ao tornar mais evidente a necessidade de uma ampla base de consumo popular. Apraoveitarm-se assim as políticas anti-cíclicas características de uma conjuntura determinada, para estabilizar políticas estruturais, visões de Estado. Paradoxalmente, é graças à crise que um conjunto de setores fechados a visões progressistas passou a ver de outra maneira o papel do Estado, as políticas distributivas, as políticas sociais em geral. Com o colapso dos mercados mundiais, foi importante para uma série de setores de atividade mais vinculados à exportação poderem se reconverter para o mercado interno que se expandia apesar da crise. Com o travamento dos créditos dos bancos comerciais, outros setores viram com bons olhos a existência de bancos públicos que não só mantiveram como expandiram as linhas de crédito. Uma visão mais ampla da política econômica se generalizou, abrindo mais espaço para medidas de longo prazo.

O estudo da Cepal sistematiza de maneira muito útil este novo enfoque, apontando seis grandes pilares:

1) Uma política macroeconômica para um desenvolvimento inclusivo: a região pode crescer mais e melhor. Não só é necessário atingir um maior dinamismo econômico, mas também maiores níveis de inclusão e igualdade social, menor exposição aos impactos da volatilidade externa, mais investimento produtivo e mais geração de empregos de qualidade. O papel das políticas macroeconômicas é essencial.

2) Convergência produtiva com igualdade: as economias latino-americanas e caribenhas se caracterizam por uma notória heterogeneidade estrutural que em explica em grande medida a aguda desigualdade social da região. Esta heterogeneidade está dada pelas brechas internas e externas de produtividade. Para ajudar a preencher estas lacunas, a CEPAL propõe transformar a estrutura produtiva a partir de três eixos de políticas: o industrial, com ênfase na inovação; o tecnológico, centrado na criação e difusão de conhecimento; e o apoio às pequenas e médias empresas.

3) Convergência territorial: o território importa sim. As brechas sociais e de produtividade também tem sua expressão especial. Daí a urgência de criar políticas que abordem a heterogeneidade territorial no interior dos países. As transferências intergovernamentais são decisivas na correção das disparidades territoriais, assim como os fundos de coesão territorial.

4) Mais e melhor emprego: o emprego é a chave mestra para resolver a desigualdade. Para superar as lacunas na renda, no acesso à seguridade social e na estabilidade laboral – além do problema da discriminação que afeta mulheres, jovens e minorias étnicas – a CEPAL propõe um caminho centrado, entre outros temas, na construção de um pacto laboral que gere dinamismo econômico e proteja o trabalhador.

5) A superação das brechas sociais: o Estado tem um papel decisivo na reversão da desigualdade, o que implica um aumento sustentado do gasto social, avançar na institucionalidade social e na direção de sistemas de transferências de rendas para melhorar a distribuição em favor dos setores mais vulneráveis.

6) O pacto fiscal como chave no vínculo entre o Estado e a igualdade: é necessário dotar o Estado de maior capacidade para redistribuir recursos e promover a igualdade. Trata-se de um Estado de bem estar e não de um Estado subsidiário, que avance para uma estrutura tributária e um sistema de transferências que privilegie a solidariedade social. Com uma nova equação Estado-mercado-sociedade poderá se alcançar um desenvolvimento com empregos de qualidade, coesão social e sustentabilidade ambiental.

A formulação desta visão na América Latina, que sempre separou, em termos de análise, as políticas econômicas e as políticas sociais, é sumamente importante. Tanto no Brasil como em outros países, as políticas distributivas continuam a ser apresentadas pelas oligarquias como “assistencialismo”, e a fragilidade das políticas de prestação de serviços sociais como efeito natural da ineficiência do Estado. A dinâmica social como vetor de promoção das atividades econômicas no seu conjunto, nestas propostas da Cepal, constitui uma visão de bom senso. O desenvolvimento volta aqui a ser entendido como processo integrado, e a dimensão econômica se articula com as dimensões sociais e ambientais.

As políticas sociais passam assim a ser analisadas não apenas na sua eficiência específica, em termos de melhoria da saúde ou da promoção das pessoas, por exemplo, mas no seu impacto geral para as atividades econômicas. A concepção de que “a produção” geraria riqueza, enquanto o social constituiria gasto, é simplesmente errada. Consolida-se a visão do social como investimento. Segundo o relatório, “os recursos utilizados na gestão social, mais do que gasto, são investimento".

Em outra dimensão, o investimento social, ao tirar as pessoas da miséria, e integrá-las na dinâmica econômica mais ampla, permite ultrapassar gradualmente o eterno dualismo que trava o desenvolvimento da região: bens pobres para pobres, saúde pobre para pobres e assim por diante. É o que o relatório da Cepal chama da “hetorogeneidade estrutural” que precisa ser enfrentada para gerar a “convergência produtiva”.

"As transferências destinadas à exclusão social e ao desemprego, à habitação, à família e às crianças aumentam a eficácia macroeconômica na medida em que favorecem a participação da mulher, a inserção produtiva das pessoas excluídas e também o consumo provado. Isso coincide com uma das principais mensagens que esse trabalho quer transmitir, a saber, a necessidade de visualizar o gasto social em favor do bem estar a partir de uma perspectiva de investimento social que contribua para reduzir a heterogeneidade estrutural e avançar na direção de uma convergência produtiva" (243)

Neste subcontinente historicamente assolado por oligarquias retrógradas sustentadas por interesses transnacionais, onde sempre se promoveu o desenvolvimento excludente, onde a própria modernidade se apresenta como acesso de minorias a um luxo ostensivo, trata-se realmente de uma virada histórica. Não pelos resultados, que ainda são extremamente tímidos, dada a produndidade da desigualdade herdada, mas pela reorientação das políticas.

Bernardo Kliksberg, que prefacia a obra, também vê as novas políticas na sua dimensão transformadora mais ampla, envolvendo a própria ética dos processos econômicos. "Na América Latina, há hoje uma sede de ética. vastos setores concordam com a necessidade de superar a separação entre ética e economia que caracterizou as últimas décadas. Uma economia orientada pela ética não aparece como um simples sonho, mas sim como uma exigência histórica para superar o paradoxo da pobreza em meio à riqueza e construir um desenvolvimento pujante, sustentável e equitativo".

* O documento da Cepal pode ser acessado na íntegra, sem custos, no link http://bit.ly/9Vpwt4 . Uma versão resumido em portugués, de 58 páginas, pode ser acessada em http://bit.ly/bqwYAh

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Crise mundial e integração regional

Reproduzo artigo de Silvio Caccia Bava, publicado no sítio da Adital:

A crise financeira internacional ameaça tornar-se mais aguda outra vez. Os governos, endividados com o resgate dos bancos privados em 2008, não conseguem pagar a dívida pública. Grécia e Irlanda foram os primeiros, agora Portugal e Espanha dão sinais de que podem ser os próximos. Nos Estados Unidos, a situação não é diferente, o novo pacote de US$ 600 bilhões para estimular a economia e a geração de emprego demonstra que a crise continua sem solução em curto prazo.

Houve um momento, em 2008, em que os governos adquiriram uma parte significativa dos grandes bancos, abrindo uma possibilidade inusitada: a estatização do sistema financeiro, política adotada pela Índia dez anos atrás. Oportunidade logo afastada pelas grandes corporações financeiras, que buscam na especulação das taxas de lucro o que não conseguem mais com investimentos produtivos. De fato, se adotarmos a teoria dos ciclos de acumulação capitalista, depois dos 30 "anos dourados" que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, as taxas de lucro vêm caindo cada vez mais. Tomando como referência as 500 maiores empresas, a revista Fortune mostra esta tendência: 60-69: 7,15%; 80-90: 5,30%; 90-99: 2,29%; 2000-2002: 1,32%. Sem lucros na produção, o capital se desloca para o cassino financeiro.

O custo dessa operação de resgate comandada pelos grandes bancos internacionais e operada pelos governos dos países mais industrializados é o desmonte do estado de bem-estar social, construído para atender à pressão dos movimentos sociais nos anos 1960. A amarga receita neoliberal não foi abandonada e promove cortes nas políticas que asseguram direitos: aposentadorias, políticas sociais, reajustes de salários. Inglaterra, França e Alemanha recentemente foram fundo nas políticas de ajuste. O desemprego aumenta, os imigrantes são criminalizados. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho apontam que, com a crise de 2008, mais de 200 milhões de pessoas engrossam o número dos que vivem abaixo da linha de pobreza.

A proposta de uma regulação financeira internacional que limitasse a especulação, a atuação dos paraísos fiscais, não prevaleceu, como pudemos observar na última reunião do G20. O que leva à previsão de que uma nova crise se avizinha. Pode não ser agora, mas ela certamente virá no curto prazo.

Os protestos e as mobilizações na Grécia, na França e nas principais cidades da Europa não sensibilizaram as autoridades, agora respaldadas pelo novo Fundo Monetário Internacional, saído das cinzas mais poderoso que nunca e transformado no gendarme desses ajustes. A direita avança na composição dos parlamentos e na formulação das políticas de governo. O fenômeno do Tea Party não é só estadunidense. Os fundamentalismos rondam o mundo ocidental. Eles apareceram até na eleição brasileira deste ano, na discussão pública dos temas da crença em Deus e do direito ao aborto.

Um outro elemento revela, no entanto, a crise de hegemonia do atual sistema de poder. É a ascensão do Brics [1] e o fortalecimento de blocos regionais. A China hoje se tornou a segunda maior economia do mundo, e o crescimento dos países menos industrializados, em razão da valorização do preço das commodities [2], atesta esse movimento. O PIB mundial cresceu 22,32% no período de 2003-2008. Os países industrializados cresceram 9,19% e o chamado "terceiro mundo" cresceu 45,89% neste mesmo período [3]. O que indica como tendência uma nova configuração de poder, o surgimento de um mundo multipolar, organizado em blocos regionais.

Neste cenário mundial, a América Latina se apresenta como algo singular. Ainda que de certa maneira a "onda de esquerda" tenha se arrefecido, como demonstram as eleições no Chile, uma maior presença da oposição no Congresso da Venezuela e a reafirmação de governos conservadores na Colômbia e no Peru. Nem por isso esse bloco regional que se articula na Unasul deixou de ter características progressistas que incomodam a hegemonia estadunidense. É nessa chave que podemos compreender tentativas de desestabilização de governos eleitos democraticamente na Venezuela, Bolívia, Equador, Honduras, ou mesmo a notória fraude eleitoral nas últimas eleições mexicanas.

As recentes eleições no Brasil foram fundamentais para garantir a continuidade desse esforço de constituição de uma política regional autônoma, de um bloco regional que tenha maior capacidade de defesa de seus interesses no cenário internacional. E a integração regional parece dar novos passos. A Bolívia negocia com o Peru a sua saída para o mar. A Colômbia anuncia que não permitirá a presença de bases militares estadunidenses em seu território. A estrada transoceânica que liga o Brasil ao Pacífico fica pronta este mês. A Unasul dá passos importantes e se propõe a produzir uma matriz energética comum, a integração física pela via da construção de estradas e portos, a integração de bases produtivas, inclusive da indústria bélica.

Notas:

1- Brasil, Índia, China, África do Sul.

2- Commodities são bens naturais sem transformação: minerais e alimentos, como petróleo, cobre, ferro, carvão, gás, soja, arroz, café, carne etc.

3- Dados da Cepal - Comissão Econômica para a America Latina.

* Editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

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Internet avança nos EUA e no Brasil

Reproduzo artigo de Ricardo Kotscho, publicado no blog Balaio do Kotscho:

Em publicações diferentes, encontrei duas notícias alvissareiras sobre o avanço da internet no mundo e, principalmente, aqui no Brasil.

Sem muito alarde, ficamos sabendo que houve uma verdadeira revolução neste campo. Há oito anos, apenas 13% das casas dos brasileiros da nova classe C tinham microcomputadores. Hoje, este número saltou para 52%.

Como quem compra um micro tem como principal objetivo receber informações, participar das redes sociais e se comunicar com o mundo, os que têm o equipamento, mas ainda não estão ligados à internet em casa, logo vão ficar.

Este ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mais da metade da população brasileira terá experimentado de alguma forma o acesso à rede mundial. Só no ano passado, entraram na internet mais 12 milhões de brasileiros, número que deverá ser maior em 2010, ultrapassando o total de 80 milhões de usuários numa população de 190 milhões.

O mundo está mudando muito rapidamente e, às vezes, a gente não se dá conta do que está acontecendo. Pequena nota que garimpei no blog do Noblat informa que “popularidade da internet se iguala à da televisão nos Estados Unidos”. Quem poderia imaginar uma notícia dessas há apenas dez anos?

Segundo um estudo da consultoria Forrest divulgado pelo “Wall Street Journal”, trata-se de um marco histórico: os norte-americanos passam hoje o mesmo tempo conectados à internet e assistindo à televisão. Dá a média de 13 horas por semana dedicadas a cada veículo (é capaz de no Brasil ser até mais, mas não tenho estes números).

O curioso é que a televisão não perdeu público; a internet é que cresceu: 121% nos últimos cinco anos. Quem perdeu audiência e circulação foram as rádios, os jornais e as revistas de papel, aos quais os norte-americanos agora dedicam menos do seu tempo.

Só falta agora agências e anunciantes adaptarem seus planos de investimentos em publicidade aos novos ventos da mídia.

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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Guerrilha do Araguaia: E agora, Brasil?

Reproduzo artigo do jurista Fábio Konder Comparato, publicado no blog Conversa Afiada:

A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.

O Estado brasileiro foi, em conseqüência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.

Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.

Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S.Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma “ditabranda”, foi impunemente qualificado de “cínico e mentiroso” pelo diretor de redação do jornal.

Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.

Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão” do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.

Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.

E agora, Brasil?

Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.

E como acatar essa decisão condenatória?

Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.

É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.

Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.

Viva o Povo Brasileiro!

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O inferno das maquiladoras em El Salvador

Por Altamiro Borges

O jornalista Mauricio Funes, eleito presidente de El Salvador em março de 2009 pelo ex-grupo guerrilheiro Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), esbarra em colossais dificuldades para superar os estragos causados pela oligarquia. O quadro de miséria no país é assombroso e o grau de exploração dos trabalhadores é revoltante. Uma das marcas das últimas décadas foi a invasão das “maquiladoras”, empresas estrangeiras que exploram a mão-de-obra barata, reprimem os operários e saqueiam as riquezas da nação.

Artigo de Andrea Necciai, publicado no sítio italiano Resistenze, comprova que “nas maquiladoras impera a lei da selva”. O texto faz um relato chocante da exploração no setor têxtil. “A meta de produção estabelecida pelas empresas exige muito mais de oito horas de trabalho para levar para casa US$ 162 – um pagamento miserável, abaixo do nível mínimo de subsistência. Além disso, o magro salário se junta a outras formas de humilhação e exploração, como a proibição de se organizar em sindicatos, as chantagens das entidades patronais, o ‘mobbing’ [terror psicológico no trabalho], a intimidação e os danos causados à saúde por substâncias tóxicas”.

O ônus da crise capitalista

Este quadro ficou ainda mais grave com a eclosão da crise econômica capitalista, a partir do final de 2008. As maquiladoras aproveitaram a crise para cortar salários, reduzir os poucos direitos existentes e demitir milhares de trabalhadores. Das 230 indústrias têxteis existentes na “zona franca” em 2003, hoje restam menos da metade. Após saquearam o nação e os operários, as empresas estrangeiras simplesmente sumiram, deixando milhares de pessoas ao relento. As mulheres jovens, que representam 84% da força de trabalho no setor, foram as principais vítimas. “Cerca de 25 mil têxteis foram expulsos das fábricas nos últimos dois anos”.

Necciai cita o caso da multinacional taiwanesa Charter, situada na zona franca internacional de Olocuilta. No final de 2007, ela contava com 1.400 operários; atualmente, são apenas 370. “No entanto, ela decidiu elevar a meta de produção de 935 para 2.500 peças, obrigando o pessoal a suportar ritmos desumanos de trabalho”. Com a desculpa da crise econômica, a Camtex, associação dos empresários das maquiladoras, propôs ao Ministério do Trabalho aumentar de oito para 12 horas a jornada diária dos operários têxteis.

Um presidente na berlinda

Até o momento, Mauricio Funes evita enfrentar as maquiladoras, temendo o fantasma da fuga de capitais. Segundo o sítio Resistenze, o presidente de El Salvador “não se pronunciou de forma clara e responsável para proteger os direitos dos seus cidadãos”. Já o sindicato dos têxteis tem realizado protestos contra o golpe da Camtex e o procurador de Defesa dos Direitos Humanos, Oscar Luna, já anunciou que a proposta “de modificar o horário de trabalho nas fábricas não está de acordo com as aspirações da população salvadorenha”. Como se observa, o presidente eleito por uma histórica organização de esquerda, a FMLN, está na berlinda.

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Nova ação no STF contra ditadura da mídia

Reproduzo artigo de Jacson Segundo, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade (Contcop) registrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO-11) que, se aprovada, exigirá do Congresso Nacional a regulamentação de dispositivos constitucionais referentes à comunicação. A Ação foi protocolada no Supremo em 10 de dezembro e neste mesmo dia distribuída à ministra Ellen Gracie. O advogado da ADO-11 é o professor e jurista Fábio Konder Comparato.

Trata-se, na realidade, da mesma Ação que foi ajuizada em outubro deste ano pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Federação dos Radialistas (Fitert). Esta, procolada como ADO-9, não havia sido aceita pela ministra Ellen Gracie, que alegou que as organizações citadas não poderiam ser as proponentes deste tipo de recurso jurídico. Os advogados da Ação, Fábio Konder Comparato e Georghio Tomelin, entraram com um recurso pedindo revisão da decisão de Ellen Gracie. A ministra então solicitou um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), que ainda não se manifestou sobre o assunto.

O advogado Fábio Comparato, no entanto, não quis esperar o resultado do parecer da PGR e buscou outras maneiras de ter a Ação julgada pelo STF, mudando seus proponentes. Primeiro, Comparato tentou o Partido Socialismo e Liberdade (Psol). O partido também foi julgado impossibilitado de apresentar a Ação pelo STF por estar sem presidente formal na época.

Agora a nova tentativa é com a Contcop, já que, segundo entendimento da ministra Ellen Gracie, “apenas estão aptas a deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade as entidades de terceiro grau, ou seja, as confederações sindicais, excluindo-se, portanto, os sindicatos e as federações, ainda que possuam abrangência nacional”. Com isso, espera-se que o STF finalmente aceite a Ação e discuta seu mérito.

A ADO-11 busca a regulamentação de três pontos essenciais: a garantia do direito de resposta a qualquer pessoa ofendida através dos meios de comunicação de massa; a proibição do monopólio e do oligopólio no setor; e o cumprimento, pelas emissoras de rádio e TV, da obrigação constitucional de dar preferência a programação de conteúdo informativo, educativo e artístico, além de priorizar finalidades culturais nacionais e regionais.

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WikiLeaks: "estuprada" é agente da CIA?

Reproduzo artigo de Thaís Romanelli, publicado no sítio Ópera Mundi:

Uma cidadã cubana que acusa o jornalista australiano Julian Assange, fundador do Wikileaks, de "crimes sexuais" na Suécia foi apontada como "colaboradora" da CIA e teria planejado o caso, segundo a rede de TV venezuelana TeleSur. No início do ano, ela mesma divulgou na internet um "guia para se vingar" de alguém usando denúncias de abusos sexuais.

De acordo com as informações publicadas nesta terça-feira (7/12), a cubana Anna Ardin (cujo nome real seria Ana Bernardín) teria sido uma das primeiras a denunciar Assange por "abuso sexual" à polícia sueca, junto à amiga sueca Sophia Wilén.

A prisão do fundador do site Wikileaks, o jornalista australiano Julian Assange, provocou grande repercussão na mídia internacional. As vozes de entidades de defesa da liberdade de imprensa, porém, não protestaram até o momento, nem questionaram a validade da ordem de prisão da Justiça sueca, que acusa o jornalista de "crimes sexuais".

Entidades como a Associação Mundial de Jornais, o World Press Freedon Committee e a norte-americana Freedom House costumam protestar no caso de prisões políticas contra jornalistas, principalmente em países não alinhados a potências ocidentais. Desta vez, por enquanto, evitaram criticar a ação contra colega preso.

A queixa, porém, seria relativa ao fato de Assange, supostamente, não ter utilizado camisinha durante as relações sexuais que teria tido com elas, enquanto Ardin dormia em sua resisidência em Estocolmo. Além disso, Ardin e Wilden denunciaram Assange por ter mantido relações sexuais com as duas na mesma semana - o que, na Suécia, é ilegal.

De acordo com a versão apresentada, no dia 11 de agosto deste ano, Assange teria ido à Suécia a convite do movimento de centro-esquerda Broderskap ("fraternidade" em sueco, ligado ao Partido Social-Democrata Cristão) para participar de um seminário. Na ocasião, segundo Ardin, ela própria ofereceu sua casa para hospedar o fundador do Wikileaks, já que ela estaria fora da cidade. Ardin, porém, voltou antes do previsto, mas mesmo assim hospedou Assange em casa. Segundo ela, em uma das noites após jantarem juntos, tiveram relações sexuais com camisinha, que chegou a rasgar.

No dia seguinte, ao final do seminário, Assange teria seduzido Sophia Wilén, com quem também teria feito sexo, na cidade de Enkoping, onde ela mora. De acordo com Wilén, ela e Assange tiveram relações duas vezes, uma com e outras sem o uso de preservativos, em razão de uma recusa do fundador do Wikileaks.

Dez dias depois, as duas mulheres se apresentaram à polícia sueca para denunciar Assange por crimes sexuais. Ardin, porém, se apresentou como militante feminista a princípio e declarou que estava apenas auxiliando Wilén. Dias mais tarde, declarou seu envolvimento com Assange, alegando que "inicialmente o sexo foi consensual, mas logo se transformou em um abuso", já que o preservativo teria rompido e Assange continuado a relação à revelia dela.

Vingança

Anna Ardin é uma ativista feminista conhecida na Suécia. Em 19 de janeiro de 2010, ela escreveu em seu blog (annaardin.wordpress.com) um post com o título "Sete passos para uma vingança judicial", incluindo instruções sobre incriminar alguém usando acusações de teor sexual. Seu blog faz referências a outros como Generación Y (de Yoani Sánchez) e Desde Cuba, ambos de dissidentes cubanos.

Acusada de ter mudado o depoimento a mando da CIA, Ardin se defendeu em seu blog garantindo que as denúncias não haviam sido coordenadas. "A responsabilidade do que aconteceu comigo e com a outra jovem é do homem que tem uma visão distorcida das mulheres, que tem um problema em aceitar um 'não'", argumentou, no post citado.

Anti-castristas

Segundo a TeleSur, ela também seria ligada ao ativista anti-castrista Carlos Alberto Montaner e ficou conhecida por escrever em websites financiados pela USAID (agência dos Estados Unidos para empréstimos a países subdesenvolvidos) e controlados pela CIA, como o Misceleanas de Cuba, do cubano Alexis Gainza Solenzal, que criticam o regime da ilha.

Montaner é co-autor, junto com o peruano Mario Vargas Llosa, do livro anti-esquerdista Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano (Bertrand Brasil, 1997). Nos anos 1960, chegou a ser preso em Cuba por acusações de trabalhar para a CIA em operações de sabotagem, até fugir da prisão e encontrar asilo na Espanha, então sob o regime franquista.

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Salários aumentam nos países "emergentes"

Reproduzo artigo de João Villaverde, publicado no jornal Valor:

A mais ampla crise mundial desde 1929, desencadeada no fim de 2008, foi totalmente irrelevante para o crescimento dos salários nos países latino-americanos e asiáticos. Enquanto os salários nos países avançados caíram 0,5%, em 2008, e subiram apenas 0,6% em 2009, na América Latina os saltos foram de 1,9% e 2,2%, respectivamente – na Ásia, puxada pelo ritmo da China, o crescimento foi de 7,1% e 8%, nos dois anos.

Os números, divulgados ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram que o crescimento dos salários nos 115 países pesquisados caiu dos 2,7% registrados em 2007 para 1,5%, em 2008, e 1,6%, no ano passado. No Brasil, por outro lado, os salários cresceram 3,3% no ano passado, já tendo registrado incremento de 3,4% em 2008.

A queda no crescimento econômico, entre 2008 e 2009, não alterou o ritmo de alta dos salários nos países emergentes, porque a recuperação começou já ao longo do ano passado. No Brasil, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 5,2%, em 2008, para -0,6%, em 2009, mas o acelerado ritmo de recuperação, a partir do segundo semestre, colocou pressão sobre o mercado de trabalho, ampliando os salários.

A situação mais complexa ocorreu na Ásia, onde os salários registraram as taxas mais expressivas de crescimento no ano passado. A China registrou o maior avanço salarial de 2009 (12,1%, em comparação ao ano anterior), mas o Japão teve queda real de 2% nos salários em 2008 e 2009. Os fracos resultados dos japoneses, no entanto, não influíram no levantamento quanto à Ásia, porque o Japão foi contabilizado pela OIT entre os países avançados.

O “Relatório Mundial sobre Salários 2010/2011″, da OIT, trabalha com dados de 115 países, e avalia a situação de aproximadamente 94% de 1,4 bilhão de assalariados no mundo. Entre os 28 países avançados, 7 registraram redução real nos salários: Alemanha, França, Reino Unido, Japão, México, Coreia do Sul e Rússia. No ano anterior, além desses, também Estados Unidos, Austrália e México passaram por quedas nos rendimentos oriundos do trabalho.

No estudo, os pesquisadores da OIT assinalam que desde a metade da década de 1990 a proporção de trabalhadores que recebem renda baixa – critério da entidade que define o valor do rendimento como inferior a dois terços do salário médio – tem aumentado em 31 dos 115 países pesquisados.

No Brasil, um em cada cinco trabalhadores assalariados nas seis regiões metropolitanas cobertas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é considerado de baixa renda, com alta representação de mulheres, negros, jovens e trabalhadores com baixo nível de escolaridade. Uma das constatações do estudo é que existe pouca mobilidade, no país, entre os trabalhadores de baixa renda e os demais assalariados.

Entre 2002 e 2009, 44,2% mantiveram sua situação de trabalhador de baixa renda, 18,3% passaram para o desemprego ou saíram do mercado de trabalho e 37,5% passaram a obter salários mais favoráveis.

“Ainda é muito cedo para saber com precisão quais setores e profissões foram mais afetados pela crise, porque poucos países publicaram dados sobre a estrutura dos salários”, diz o estudo, “Entretanto, dados específicos de vários países indicam que os salários podem ter sido afetados de forma mais negativa no setor privado que no setor público.”

No caso brasileiro, a estrutura do funcionalismo público proíbe a demissão imotivada, o que impossibilita o corte de pessoal – não apenas em tempos de crise, mas em qualquer período. Além disso, o serviço público conta, em sua maioria, com salários iniciais superiores à iniciativa privada, o que influi nas estatísticas.

O salário mínimo também foi reajustado, em fevereiro de 2009, de R$ 415, vigentes em 2008, para R$ 465. Esse salto, de 10,7%, influenciou “decisivamente”, destaca a OIT, a elevação do salário médio brasileiro, uma vez que o mínimo afeta, em cascata, as negociações salariais dos sindicatos.

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A construção do mito Assange

Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Julian Assange sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo.

Digam o que disserem, esperneiem como quiserem, tomem as medidas mais tradicionais e também as mais estapafúrdias possíveis para amordaçá-lo, retenham seus movimentos, a verdade é que se existe alguém, nos dias que correm, melhor antenado com a ideia de cidadania para além das fronteiras puramente nacionais, esse alguém é um australiano com seus incompletos 40 anos de idade.

Não me precipito ao afirmar que estamos vendo a construção de um mito. É corrente que mitos são importantes porque representam uma imagem de sucesso e glória que todo mundo almeja, mas é também evidente que a aura do mito transcende sua obra. Mitos não são criados por serem explicáveis, são idolatrados. Mitos tendem sempre a valorizar determinada característica humana vista sob enfoque bastante positivo. É a passagem do tempo que confere ao mito a percepção de alguém ou de algo que ultrapassa seu valor real, intrínseco e passa a referir todo o conjunto de virtudes humanas.

Os elementos constitutivos para a criação de um mito podem ser ruins ou bons para a verdade. Mas a verdade é sempre factual quando se trata de esquadrinhar a pessoa humana e, no fundo, quem torna mito alguém é a trajetória percorrida por esse alguém. A trajetória do homem-que-se-torna-mito tem relação quase sempre direta de escolhas e estratégias adotadas durante o caminho de mitificação, seja na falsificação ou na comprovação de sua excelência.

Julian Assange parte da premissa que sua criatura -o WikiLeaks- "publica sem medo fatos que precisam ser tornados públicos". Notem que a atividade principal de sua criatura é publicar e sua principal característica abarca um sentido de urgência e de necessidade: "Fatos que precisam ser tornados públicos". Não esqueçamos do destemor, da ousadia e do passo à frente simbolizado pelas palavras "sem medo". É aqui que começa a atividade maior de Julian Assange: ele sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo. Mesmo que sempre... no limite.

Liberdade de expressão

Para nossa grande imprensa, que tem elegido a defesa da liberdade de expressão com aquele ardor digno dos seguidores de Antonio Conselheiro no episódio de Canudos, soa patético que não conheçamos nenhum editorial inflamado em defesa de Assange e contra sua prisão, aparentemente causada por suas peripécias sexuais na Suécia e que incluem até uma obscura história de estupro. Qualquer biscoito (cookie, em inglês), além de qualquer cidadão norte-americano medianamente informado e mesmo qualquer dona de casa alemã que assine Der Spiegel, sabe muito bem que sua prisão tem tudo a ver com os transtornos que o WikiLeaks vem causando à imagem e às relações de Washington com governos do resto do mundo.

Não se exigirá mestrado ou doutorado em Comunicação, conferido por Cambridge ou por Harvard, para que não tarde a que a história da diplomacia no século 21 venha a ser ensinada em dois períodos de tempo distintos: antes e depois dos wikileaks.

Julian Assange assume que "qualquer governo corre o risco de ser corrompido caso não seja vigiado cuidadosamente". Até aqui, nada demais, porque data de muito longe o ditado de que "o poder corrompe". E o que exerce o poder em uma sociedade? Primeiramente, o governo. Uma coisa é inferir sabedoria popular, geralmente fundada na experiência dos antigos. Mas agora a coisa é bem diferente. A novidade é que esse axioma acaba de ser comprovado cientificamente em um trabalho de pesquisadores da renomada Kellogg School of Management, nos Estados Unidos. Foi após uma série de testes comportamentais com voluntários que ficou evidenciada a forma como o poder costuma, em geral, mudar as pessoas para pior.

Em testes, os poderosos não só trapaceavam mais, não só usavam os mais sórdidos golpes, aqueles bem abaixo da linha da cintura, como também se mostravam mais hipócritas ao se desculpar por atitudes que condenavam nos outros. Neste contexto, vale conferir a afirmação do psicólogo social Adam Galinsky, professor de Ética e Decisões em Gerência da Kellogg School of Management e um dos autores do estudo, quando diz que "os poderosos acreditam que devem ser excluídos de certas regras".

A propósito, é isso o que precisamente vem acontecendo se considerarmos as reações de Washington aos wikileaks. Quem não lembra que há apenas um ano, em resposta a ações do governo da China contra o Google, a secretária de Estado americana Hillary Clinton fez apaixonado discurso em defesa da liberdade de expressão na internet? A senhora Clinton não parou por aí. Foi além: "Mesmo em países autoritários, governados por ditadores, redes de informação têm ajudado pessoas a descobrir novos fatos e feito governos mais transparentes". Seria patético, não fosse apenas ridículo, o uso contumaz de dois pesos e duas medidas quando autoridade política trata de atacar governo estrangeiro que é acometido por sua própria enfermidade.

Documentos secretos

Julian Assange se expressa com clareza quando o assunto é a sua entidade WikiLeaks. Sabendo que tem gente que acredita ser ele um pacifista nato, totalmente avesso às guerras, ele trata logo de desfazer o "piedoso engano":

"As pessoas afirmaram que sou antiguerra: que fique registrado, eu não sou. Algumas vezes, nações precisam ir à guerra e simplesmente há guerras. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir à sua população sobre estas guerras e então pedir a estes mesmos cidadãos que coloquem suas vidas e o dinheiro de seus impostos a serviço dessas mentiras. Se uma guerra é justificável, então diga a verdade e a população dirá se deve apoiá-la ou não."

Há um quê de quixotesco no pensamento e na ação de Assange quando vemos quão distante ele se encontra da realpolitik. Não será a política o campo para a dissimulação, para vestir de significado novo velhas ações, para utilizar todos os meios ao alcance com o intuito de conquistar esta ou aquela vitória política? Não foi o Departamento de Estado dos EUA que buscou negociar com o primeiro-ministro da Eslovênia um encontro com o presidente Barack Obama desde que a Eslovênia aceitasse, em troca, receber um preso de Guantánamo?

Por extensão, seria equivocado inferir que o mundo da política internacional é o vale-tudo cotidiano entre os que tudo podem e os que pouco podem? E, por acaso, já não intuíamos isso? Claro! O que o WikiLeaks faz é retirar das relações diplomáticas mantidas pelos EUA com outros países o benefício da dúvida. E, em caso de dúvida, se existe uma arena em que a ultrapassagem é quase sempre certa é a da política internacional.

O que existia de fato para justificar a guerra no Iraque? Dúvidas. Apenas dúvidas sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque governado por Saddam Hussein. Devo registrar que não é de hoje que o WikiLeaks divulga documentos secretos. Isso é feito há anos. Mas só ganhou destaque internacional em 2010, com três vazamentos: (1) publicou um vídeo confidencial, feito por um helicóptero americano, que parece mostrar um ataque contra dois funcionários da agência de notícias Reuters e outros civis; (2) tornou públicos 77 mil arquivos de inteligência dos EUA sobre a guerra do Afeganistão; e, (3) divulgou mais 400 mil arquivos expondo ataques, detenções e interrogatórios no Iraque.

"O melhor dos desinfetantes"

Se o jornalismo tradicional -aquele que é impresso em jornais e revistas, que é ouvido nas rádios e assistido nos telejornais - constrói sua versão da realidade tendo como ponto de partida apenas uma ou duas peças do quebra-cabeça, e sobre estas cobre o restante da imagem com a opinião de seus colunistas e comentaristas, quase sempre de política ou de economia, o WikiLeaks arroga para si o mérito de realizar jornalismo científico, aquele que opera com outros suportes de mídia para trazer as notícias para as pessoas, "mas também para provar que essas notícias são verdadeiras". E como faz isso? Com a palavra Julian Assange:

"O jornalismo científico permite que você leia as notícias, e então clique num link para ver o documento original no qual a notícia foi baseada. Desta maneira você mesmo pode julgar: esta notícia é verdadeira? Os jornalistas a reportaram de maneira precisa?"

Infelizmente, o governo norte-americano, diante do escrutínio público de menos de 5% do material que ainda deve ser revelado, ao invés de fazer uma inadiável releitura de sua política internacional, de seus pressupostos e de suas atividades bastante heterodoxas, estará, neste momento, planejando novas estratégias, esquemas e modus procedendis para cobrir de sigilo (e suspeição) o que sempre fez: tudo é permissível para alcançar seus fins políticos, econômicos e financeiros - e isto inclui o direito de não precisar prestar contas a ninguém. O WikiLeaks ajudou a rasgar as duas pontas da capa que lhe encobria as vergonhas e reduziu a pó sua autoafirmação de que seu governo constituía a única e inatacável fonte da autoridade moral do planeta. Não mais.

A sociedade, os governos e a imprensa serão melhores com Julian Assange?

Acredito que sim. E por várias razões, dentre as quais destaco que seu WikiLeaks entrega um espelho a cada diplomata para que possa aferir o grau de sinceridade e também de hipocrisia de suas ações. O WikiLeaks abre imensa clareira no cipoal de boas intenções que costumam vicejar nas relações entre governos e apenas camuflam os objetivos reais da diplomacia de uma nação sobre outra, e fica mais evidente quando joga pesados fachos de luz sobre a nação que se apresenta como a mais rica do planeta, a mais equipada militarmente, a mais influente politicamente. E a imprensa passa a ter a oportunidade raríssima de tirar a prova dos noves sobre seu alinhamento automático a qualquer governo, bem como sobre sua postura ácida e crítica às ações de qualquer governo.

Há quase um século, o juiz americano Louis Brandeis disse que "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes". Se vivo fosse, talvez dissesse o mesmo com outro enunciado: "O trabalho do WikiLeaks é o melhor dos desinfetantes."

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

SBT cutuca monopólio da TV Globo

Por Altamiro Borges

Metido numa grave crise, o Grupo Silvio Santos resolveu chutar o pau da barraca na disputa por mais espaço na televisão comercial. Nem vacilou em explicitar o racha na Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), que é hegemonizada pela Rede Globo. Em comunicado oficial divulgado nesta terça-feira (14), o SBT fez duras críticas ao PLC-116, projeto de lei que cria novas regras para a TV por assinatura.

Na sua avaliação, a iniciativa em tramitação no Congresso Nacional irá favorecer o monopólio global. Declarando pela primeira vez que "é contra a propriedade cruzada, contra a publicidade na TV paga, e é a favor da produção independente", a emissora de Silvio Santos firma sua oposição ao PLC. "Para estimular a competição e garantir a pluralidade da informação e dos conteúdos é necessário que existam mecanismos para o controle, de fato, da propriedade cruzada, especialmente para evitar formação de monopólios e/ou oligopólios".

Publicidade na TV a cabo

Contrapondo-se às ambições das Organizações Globo, o SBT afirma ainda que não deve ser permtida a veiculação de publicidade na TV a cabo, uma vez que o setor "já têm na assinatura e na venda de serviços fonte adequada de financiamento, reservando-se desta forma a publicidade para financiamento dos serviços de comunicação social". Para o SBT, este mecanismo privilegiaria a concorrente. Numa cutucada explícita, ele cita uma "TV aberta que sozinha abocanha 80% das verbas publicitárias do setor".

O SBT se coloca ainda favorável ao estabelecimento de cotas para exibição de canais e obras audiovisuais brasileiras nos serviços de TV paga e rejeita qualquer tipo de restrição à produção de conteúdo por parte das empresas de operação dos serviços de TV paga. "Para a emissora, qualquer pessoa física, ou jurídica, independentemente do setor em que atua, tem o direito de produzir, adquirir ou financiar conteúdos de qualquer natureza", diz a nota.

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Oscar Niemeyer: A vida é um sopro



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Porque as petrolíferas apostavam em Serra

Reproduzo artigo de Luis Nassif, publicado em seu blog:

A divulgação pela WikiLeaks das conversas entre a representante da Chevron (uma das sete irmãs petrolíferas) e o então candidato a presidente José Serra foi significativa. Nelas, Serra aconselhava as multinacionais a saírem do país e aguardarem sua eleição – quando então mudaria a lei do petróleo para permitir sua exploração por estrangeiros.

É apenas um capítulo na imensa reestruturação por que passa o setor.

Segundo Edmar Luiz Fagundes de Almeida, do Grupo de Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRL), na década de 70 a ideia predominante era do fim da era do petróleo.

A elevação dos preços do petróleo, sua geopolítica extremamente complexa (produção concentrada em áreas em litígio), dificuldades com novas reservas, lançaram como prioridade a questão da segurança energética – um país ser auto-suficiente na energia consumida.

A maioria dos países produtores passou a explorar seus campos com suas próprias empresas estatais, deixando as antigas sete irmãs meio perdidas atrás de um reposicionamento.

No único local do globo em que se abriu para elas a possibilidade de exploração – a África – viram-se à frente com uma feroz competição chinesa.

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Hoje em dia analisam-se os combustíveis sintéticos (carvão e gás) e há incertezas sobre o combustível potencialmente vencedor. Em uma temporada parece ser o etanol de cana, na outra, a alga, agora é o verão do óleo de palma.

Nos Estados Unidos, por exemplo, metade de produção de gás sai de energia não convencional do xisto. Há uma onda de carvão sustentável com captura de CO2. Pelo menos quarenta países consideram a possibilidade de investir pesadamente em energia nuclear.

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Diante de tantas possibilidades, explica Edmar, a discussão está muito focada apenas na tecnologia, que é um dos espaços de possibilidades. Para que uma energia seja viável, necessita de aceitação social, economicidade.

De 2002 a 2007, auge da produção de petróleo, sem conseguir renovar seus campos de exploração, essas empresas foram se tornando cada vez mais empresas de gás.

As cinco maiores ficaram com enormes sobras de caixa, sem ter onde investir. A maior parte amortizou dívidas ou distribuiu mais dividendos do que investimentos, ou então recomprou suas próprias ações.

Na década de 90, um presidente da Exxon declarou que não iria jogar dinheiro do acionista em energia alternativa. A Shell dizia que jamais investiria em etanol de primeira geração. Agora, associou-se à brasileira Cosan.

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O pior , para elas, é que o petróleo continuará sendo a energia dominante nos próximos trinta anos, explica Edmar, mas não mais sob seu controle.

Óleo barato não está mais acessível. Quem dispor de tecnologia de ponta conseguirá obter renda tecnológica.

Nesse cenário, o pré-sal representa a fronteira geológica de maior viabilidade econômica, mais viável do que o óleo betuminoso, que o petróleo pesado da Venezuela.

Por aí se entende a razão da vitória de Serra interessar tanto às grandes petrolíferas.

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Redução da jornada será prioridade em 2011

Reproduzo entrevista concedida ao jornalista Danilo Augusto, publicada na Radioagência NP:

A redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem a redução de salários é uma das principais reivindicações do sindicalismo brasileiro na atualidade. Cálculos do Dieese já apontam que a redução poderia criar cerca de 1,7 milhões de novos empregos em todo o país. Para a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a redução representaria a criação de 2,2 milhões novos postos de trabalho.

Essa pauta dos trabalhadores é combatida pelo empresariado. Entre os pontos em desacordo, o setor afirma que com a redução os custos para manter o vínculo com o trabalhador aumentarão. Eles afirmam que a redução na jornada deve vir acompanhada da redução dos salários.

Em entrevista à Radioagência NP, o deputado federal e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva (PDT), avalia que a proposta é de interesse de “todos os trabalhadores”. Para ele, a negativa do setor empresarial frente à pauta é reflexo da exploração que os trabalhadores brasileiros estão sofrendo há séculos no país. Ele ainda afirma que a presidente eleita Dilma vai defender a aprovação.

Deputado, a redução da jornada é realmente necessária?

A redução na jornada de trabalho só aconteceu duas vezes na história do Brasil. Uma foi em 1943, com Getulio. Na ocasião teve uma regulamentação de 48 horas semanais, com trabalho de segunda-feira até sábado. Depois tivemos outra em 1988, que reduziu de 48 para 44 horas semanais. E de 1988 até hoje a produtividade mais que triplicou, as empresas estão ganhando muito dinheiro. Nesse quadro, diminuir a jornada significa ganho de qualidade de vida, ganho em lazer para os trabalhadores. Infelizmente a elite e a burguesia brasileira não gostam muito. Por isso, vamos travar a batalha no Congresso.

Nas eleições a presidente eleita Dilma afirmou que a redução da jornada não é uma “bandeira” a ser defendida pelo governo federal. Agora, passado o processo eleitoral, você acredita que ela vai apoiar a redução?

Naquele momento eleitoral, em que toda a mídia estava do lado do candidato Serra, não dava para a presidente assumir que apoiava a redução da jornada de trabalho. Se ela assumisse, seria detonada. Mas todos trabalhadores e sindicalistas entenderam que era um momento eleitoral e que era preciso ter essa compreensão. Sempre tivemos o apoio do presidente Lula em relação a este tema, pena que não conseguimos construir a maioria no Congresso. Tenho certeza que a presidente Dilma vai apoiar essa luta dos trabalhadores.

E com os novos parlamentares eleitos, será possível aprovar a redução no próximo ano?

Se juntarmos os partidos do PDT, PSB, PCdoB, PSOL e PT, que são partidos que estão do lado dos trabalhadores, temos por volta de 170 deputados apoiando. Agora, queremos trazer para nosso lado o PV, que teve uma postura positiva nas eleições, e queremos ganhar o apoio de alguns deputados do PTB. Se isso acontecer, teremos por volta de 200 deputados apoiando. Com isso vamos fazer uma pauta trabalhista no Congresso, uma pauta que interessa os trabalhadores, para fazer o Congresso funcionar no ponto de vista do povo, e não no ponto de vista do interesse de cada um. Acredito que com esta pauta vamos ter a maioria dos deputados, ou pelo menos um bloco de deputados que vai enfrentar essa discussão mais firmemente no Congresso.

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A oitava greve geral na Grécia

Reproduzo matéria do Esquerda.Net publicada no sítio Carta Maior:

A greve geral de 24 horas convocada para esta quarta feira paralisou a Grécia, com grande impacto nos transportes aéreos, marítimos e ferroviários. Esta foi a oitava greve geral de 2010 e teve como objetivo protestar contra o pacote de austeridade e contra duas novas alterações à legislação do trabalho aprovadas na noite de terça feira, num debate de urgência pelo parlamento grego.

Estas duas medidas foram impostas pelo FMI e pela União Europeia. Uma prevê um corte salarial de 10 a 25% nas empresas públicas deficitárias, nomeadamente caminhos de ferro, transportes públicos e televisão pública. A outra desvaloriza a contratação coletiva e dá prioridade aos acordos de empresa, abrindo a possibilidade de assim alterar tabelas salariais, autorizando baixas de salários até ao nível do salário mínimo.

Além dos transportes públicos, a greve teve elevados níveis de adesão nas escolas, hospitais e restante sector da saúde, tribunais, bancos, correios e sector da electricidade. A greve foi também convocada por farmacêuticos e engenheiros civis. A Grécia está também sem informação, devido à adesão dos jornalistas à greve geral, que foi antecedida de diversas paralisações de curta duração nos transportes, nos últimos dois dias.

Antes da paralisação, Ilias Iliopoulos, secretário geral da central sindical dos funcionários públicos, ADEDY, advertiu o governo que irão haver novas mobilizações durante o Natal e declarou: “Necessitamos enviar ao governo a mensagem de que não aceitaremos medidas que só nos levam à pobreza e ao desemprego. Não nos renderemos!”

Em Atenas uma manifestação juntou milhares de pessoas. No final do protesto, junto ao parlamento grego, um grupo de manifestantes insultou, com gritos de “ladrões”, e agrediu o ex-ministro dos transportes do governo de direita e ex-comissário europeu Costis Hatzidakis, quando se cruzou com ele numa das ruas do centro de Atenas. A polícia interveio violentamente e usou gás lacrimogêneo para dispersar as pessoas que estavam concentradas junto ao parlamento. Grupos de jovens enfrentaram a polícia e lançaram cocktails molotov, incendiando um piso do ministério das Finanças, automóveis e motos.

Além da greve geral na Grécia, nesta quarta feira realizaram-se também concentrações de protesto contra as medidas de austeridade em França, Bélgica, Luxemburgo e Espanha integradas na Jornada de Ação convocada pela Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), para exigir aos governos que não desmantelem mais a Europa Social.

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Michael Moore paga fiança de Assange

Reproduzo artigo do cineasta estadunidense Michael Moore, intitulado "Porque estou dando dinheiro para pagar fiança de Julian Assange". O texto foi traduzido Miguel Leite, do blog "Te bloga!":

Ontem, no Tribunal de Magistrados de Westminster, em Londres, os advogados de Julian Assange, co-fundador da WikiLeaks, apresentaram ao juiz um documento informando que eu paguei 20.000 dólares de meu próprio dinheiro para ajudar a resgatar Assange da cadeia.

Além disso, estou oferecendo publicamente o apoio do meu site, meus servidores, meus nomes de domínio e qualquer outra coisa que possa fazer para manter viva e próspera a WikiLeaks enquanto continuar seu trabalho para expor os crimes que eram preparados em segredo e realizados em nosso nome (cidadãos americanos) e com dinheiro de nossos impostos.

Fomos levados à guerra do Iraque por uma mentira. Centenas de milhares estão mortos. Imaginem se os homens que planejaram esse crime de guerra em 2002 tivessem um WikiLeaks para lidar com eles. Eles poderiam não ter sido capazes de consumá-lo. A única razão que os levava a pensar que poderiam fugir da verdade era porque tinham um manto de sigilo garantido. Esse manto foi rasgado, e eu espero que eles nunca sejam capazes de operar em segredo novamente.

Então, porque WikiLeaks, após a realização de um serviço público tão importante, sob tal ataque vicioso? Porque eles têm denunciado e envergonhado aqueles que encobriram a verdade. O ataque que têm sofrido vem do topo:

* Senador Joe Lieberman diz que WikiLeaks “violou a Lei da Espionagem”.

* George, da The New Yorker Packer, Assange chamadas “super-espião, de pele fina, [e] megalomaníaco.”

* Sarah Palin diz ser “um agente anti-americano com sangue nas mãos” a quem devemos perseguir “com a mesma urgência com que buscamos a Al Qaeda e líderes do Taliban”.

* Democrata Bob Beckel (gerente de campanha de Walter Mondale em 1984) disse sobre Assange na Fox: “Um homem morto não pode vazar coisas … só há uma maneira de fazê-lo:. Ilegalmente atirar no filho da puta”.

* Mary Matalin, republicano, diz que “ele é um psicopata, um sociopata … Ele é um terrorista”.

* Rep. Peter A. King chama WikiLeaks uma “organização terrorista”.

E de fato eles são! Eles existem para aterrorizar os mentirosos e belicistas que trouxeram a ruína de nossa nação e para os outros. Talvez a próxima guerra não seja tão fácil, porque as regras foram mudadas – e agora é Big Brother que está sendo vigiado… por nós!

WikiLeaks merece os nossos agradecimentos e que se jogue luz sobre tudo isso. Mas alguns na imprensa hegemônica têm rejeitado a importância do WikiLeaks (“eles já lançaram pouco que há de novo!”). Ou os está pintando como simples anarquistas (“WikiLeaks libera tudo, sem qualquer controle editorial!”).

WikiLeaks existe, em parte, porque a grande mídia não conseguiu fazer jus à sua responsabilidade. Os donos das empresas têm dizimado redações, tornando impossível para bons jornalistas fazerem seu trabalho. Não há mais tempo ou dinheiro para o jornalismo investigativo. Simplificando, os investidores não querem essas histórias expostas. Eles gostam de seus segredos… como segredos.

Peço-lhe para imaginar o quanto o nosso mundo diferente seria se WikiLeaks existisse a 10 anos atrás. Dê uma olhada na foto. Este é o Sr. Bush prestes a receber um documento “secreto” em 6 de agosto de 2001. Seu título dizia: “Bin Laden determinado em atacar nos EUA”. E nessas páginas disse que o FBI descobriu “os padrões de atividade suspeita neste país em conformidade com os preparativos para atentados.” Bush decidiu ignorá-la e foi pescar pelas próximas quatro semanas.

Mas se esse documento houvesse vazado, como você ou eu teríamos reagido? O que o Congresso ou as FAA teriam feito? Não seria uma grande chance de que alguém, em algum lugar tivesse feito alguma coisa, se todos nós soubéssemos sobre Bin Laden, ataque iminente, usando aviões sequestrados?

Mas as pessoas na época tinham pouco acesso a esse documento. Porque o segredo foi mantido, um instrutor da escola de voo em San Diego, que percebeu que dois alunos da Arábia tinham interesse em decolagens ou pousos, não fez nada. Se ele tivesse lido sobre a ameaça de Bin Laden, ele poderia ter chamado o FBI? (Por favor, leia este ensaio pelo ex-agente do FBI Coleen Rowley, 2002 Time co-Person of the Year, sobre sua crença de que com WikiLeaks 2001, 11/09 poderia ter sido evitado.)

Ou se o público, em 2003, tivesse lido o “segredo” dos memorandos de Dick Cheney e de como ele pressionou a CIA a dar-lhe os “fatos” que ele queria, a fim de construir o seu caso falso para a guerra? Se WikiLeaks houvesse revelado na época que não havia, de fato, nenhuma arma de destruição em massa, você acha que a guerra teria sido lançada – ou melhor, não teria havido apelos para detenção de Cheney?

A abertura, transparência – estas estão entre as poucas armas dos cidadãos para se protegerem dos poderosos e dos corruptos. E se dentro poucos dias depois de 04 de agosto de 1964 – após o Pentágono mentir que nosso navio foi atacado pelos norte-vietnamitas no Golfo de Tonkin – tivesse havido um WikiLeaks para dizer ao povo americano que a coisa toda era armação? Eu acho que 58 mil dos nossos soldados (e 2 milhões de vietnamitas) poderiam estar vivos hoje.

Em vez disso, segredos mataram.

Para aqueles de vocês que pensam que é errado apoiar Julian Assange devido às alegações de abuso sexual, tudo que eu peço é que você não sejam ingênuos sobre como o governo funciona quando ele decide ir atrás de suas presas. Por favor – nunca, jamais, acreditem na “história oficial”. E, independentemente de culpa ou inocência Assange, este homem tem o direito de ter paga fiança e se defender. Eu me juntei com os cineastas Ken Loach e John Pilger e escritor Jemima Khan para pagar o dinheiro da fiança – e esperamos que o juiz aceite isso e se pronuncie hoje.

Poderia WikiLeaks causar alguns danos não intencionais às negociações diplomáticas e os interesses dos EUA no mundo? Talvez. Mas esse é o preço que você paga quando você e o seu governo nos leva a uma guerra baseada numa mentira. Sua punição por mau comportamento é que alguém acenda todas as luzes da sala para que possamos ver o que você e ele estão fazendo. Você simplesmente não pode ser confiável. Então, cada transmissão, cada e-mail que você escreve agora é o jogo aberto. Desculpe, mas vocês pediram isto para si mesmos. Ninguém pode esconder a verdade agora. Ninguém pode traçar o próximo Big Lie (grande mentira) se eles sabem que podem ficar expostos.

E essa é a melhor coisa que o site fez. WikiLeaks, Deus os abençoe, vai salvar vidas, como resultado de suas ações. E qualquer um de vocês que me acompanhem ao apoiá-los estarão cometendo um verdadeiro ato de patriotismo.

Eu estou hoje em solidariedade a Julian Assange em Londres, pedindo ao juiz que conceda a sua libertação. Estou disposto a garantir o seu regresso o dinheiro da fiança determinado pela corte. Eu não permitirei que esta injustiça possa continuar incontestada.

P.S. Você pode ler a declaração que apresentou hoje no tribunal de Londres aqui.

P.P.S. Se você está lendo isso em Londres, por favor, vá apoiar Julian Assange e WikiLeaks em uma demonstração em um PM hoje, terça-feira dia 14, em frente ao tribunal de Westminster.

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Wikiliquidação do Império?

Reproduzo artigo do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, publicado no sítio Carta Maior:

A divulgação de centenas de milhares de documentos confidenciais, diplomáticos e militares, pela Wikileaks acrescenta uma nova dimensão ao aprofundamento contraditório da globalização. A revelação, num curto período, não só de documentação que se sabia existir mas a que durante muito tempo foi negado o acesso público por parte de quem a detinha, como também de documentação que ninguém sonhava existir, dramatiza os efeitos da revolução das tecnologias de informação (RTI) e obriga a repensar a natureza dos poderes globais que nos (des)governam e as resistências que os podem desafiar. O questionamento deve ser tão profundo que incluirá a própria Wikileaks: é que nem tudo é transparente na orgia de transparência que a Wikileaks nos oferece.

A revelação é tão impressionante pela tecnologia como pelo conteúdo. A título de exemplo, ouvimos horrorizados este diálogo – Good shooting. Thank you – enquanto caem por terra jornalistas da Reuters e crianças a caminho do colégio, ou seja, enquanto se cometem crimes contra a humanidade. Ficamos a saber que o Irã é consensualmente uma ameaça nuclear para os seus vizinhos e que, portanto, está apenas por decidir quem vai atacar primeiro, se os EUA ou Israel. Que a grande multinacional famacêutica, Pfizer, com a conivência da embaixada dos EUA na Nigéria, procurou fazer chantagem com o Procurador-Geral deste país para evitar pagar indenizações pelo uso experimental indevido de drogas que mataram crianças. Que os EUA fizeram pressões ilegítimas sobre países pobres para os obrigar a assinar a declaração não oficial da Conferência da Mudança Climática de Dezembro passado em Copenhaga, de modo a poderem continuar a dominar o mundo com base na poluição causada pela economia do petróleo barato. Que Moçambique não é um Estado-narco totalmente corrupto mas pode correr o risco de o vir a ser. Que no “plano de pacificação das favelas” do Rio de Janeiro se está a aplicar a doutrina da contra-insurgência desenhada pelos EUA para o Iraque e Afeganistão, ou seja, que se estão a usar contra um “inimigo interno” as tácticas usadas contra um “inimigo externo”. Que o irmão do “salvador” do Afeganistão, Hamid Karzai, é um importante traficante de ópio. Etc., etc, num quarto de milhão de documentos.

Irá o mundo mudar depois destas revelações? A questão é saber qual das globalizações em confronto — a globalização hegemônica do capitalismo ou a globalização contra-hegemônica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível — irá beneficiar mais com as fugas de informação. É previsivel que o poder imperial dos EUA aprenda mais rapidamente as lições da Wikileaks que os movimentos e partidos que se lhe opõem em diferentes partes do mundo.

Está já em marcha uma nova onda de direito penal imperial, leis “anti-terroristas” para tentar dissuadir os diferentes “piratas” informáticos (hackers), bem como novas técnicas para tornar o poder wikiseguro. Mas, à primeira vista, a Wikileaks tem maior potencial para favorecer as forças democráticas e anti-capitalistas. Para que esse potencial se concretize são necessárias duas condições: processar o novo conhecimento adequadamente e transformá-lo em novas razões para mobilização.

Quanto à primeira condição, já sabíamos que os poderes políticos e econômicos globais mentem quando fazem apelos aos direitos humanos e à democracia, pois que o seu objectivo exclusivo é consolidar o domínio que têm sobre as nossas vidas, não hesitando em usar, para isso, os métodos fascistas mais violentos. Tudo está a ser comprovado, e muito para além do que os mais avisados poderiam admitir. O maior conhecimento cria exigências novas de análise e de divulgação.

Em primeiro lugar, é necessário dar a conhecer a distância que existe entre a autenticidade dos documentos e veracidade do que afirmam. Por exemplo, que o Irã seja uma ameaça nuclear só é “verdade” para os maus diplomatas que, ao contrário dos bons, informam os seus governos sobre o que estes gostam de ouvir e não sobre a realidade dos fatos. Do mesmo modo, que a táctica norte-americana da contra-insurgência esteja a ser usada nas favelas é opinião do Consulado Geral dos EUA no Rio. Compete aos cidadãos interpelar o governo nacional, estadual e municipal sobre a veracidade desta opinião. Tal como compete aos tribunais moçambicanos averiguar a alegada corrupção no país. O importante é sabermos divulgar que muitas das decisões de que pode resultar a morte de milhares de pessoas e o sofrimento de milhões são tomadas com base em mentiras e criar a revolta organizada contra tal estado de coisas.

Ainda no domínio do processamento do conhecimento, será cada vez mais crucial fazermos o que chamo uma sociologia das ausências: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado. Por exemplo, resulta muito estranho que Israel, um dos países que mais poderia temer as revelações devido às atrocidades que tem cometido contra o povo palestiniano, esteja tão ausente dos documentos confidenciais. Há a suspeita fundada de que foram eliminados por acordo entre Israel e Julian Assange. Isto significa que vamos precisar de uma Wikileaks alternativa ainda mais transparente. Talvez já esteja em curso a sua criação.

A segunda condição (novas razões e motivações para a mobilização) é ainda mais exigente. Será necessário establecer uma articulação orgânica entre o fenómeno Wikileaks e os movimentos e partidos de esquerda até agora pouco inclinados a explorar as novas possibilidades criadas pela RTI. Essa articulação vai criar a maior disponibilidade para que seja revelada informação que particularmente interessa às forças democráticas anti-capitalistas.

Por outro lado, será necessário que essa articulação seja feita com o Foro Social Mundial (FSM) e com os media alternativos que o integram. Curiosamente, o FSM foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década. Para que a articulação se realize é necessária muita reflexão inter-movimentos que permita identificar os desígnios mais insidiosos e agressivos do imperialismo e do fascismo social globalizado, bem como as suas insuspeitadas debilidades a nível nacional, regional e global.

É preciso criar uma nova energia mobilizadora a partir da verificação aparentemente contraditória de que o poder capitalista global é simultaneamente mais esmagador do que pensamos e mais frágil do que o que podemos deduzir linearmente da sua força. O FSM, que se reune em fevereiro próximo em Dakar, está precisar de renovar-se e fortalecer-se, e esta pode ser uma via para que tal ocorra.

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Guerrilha do Araguaia e condenação do Brasil

Reproduzo matéria publicada no sítio Opera Mundi:

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, integrante da OEA (Organização dos Estados Americanos), condenou a repressão e os crimes cometidos pelo regime militar brasileiro durante a guerrilha do Araguaia. De acordo com sentença divulgada nesta terça-feira (14/12), o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas, entre os anos de 1972 e 1974. Esta é a primeira condenação internacional do Brasil em um caso envolvendo a ditadura militar (1964-1985).

No entanto, a aceitação da sentença pelo Brasil não é automática, pois depende de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). No julgamento que confirmou a Lei de Anistia, este ano, os ministros do STF chegaram a discutir a submissão do Brasil à jurisdição da OEA, mas não chegaram a uma conclusão sobre esse ponto.

De acordo com sentença divulgada hoje, o juiz Roberto de Figueiredo Caldas, responsável pelo caso, a Lei da Anistia brasileira, de 1979, serviu como empecilho para a investigação e os julgamento dos crimes, como espécie de álibi, já que a Constituição do país não deixa brechas para a condenação penal de agentes da repressão. Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil, como signatário do Pacto de San José da Costa Rica (tratado que instituiu a CIDH), deveria respeitar as normas da CIDH, que preveem a garantia dos direitos humanos, e adaptar a Constituição nacional para respeitar os textos aceitos internacionalmente.

“Os dispositivos da Lei de Anistia são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos”, determinou a sentença

Além disso, a CIDH entendeu que o Brasil é responsável pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, em razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos.

Arquivos

A violação do direito de acesso à informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana, também foi apontada na sentença, já que o governo brasileiro se negou a divulgar e liberar o acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre os crimes cometidos no período.

Com a condenação, o Brasil fica obrigado reconhecer o crime de desaparecimento forçado de pessoas seguindo as convenções interamericanas. Além disso, os acusados considerados culpados deverão ser punidos de acordo com os dispositivos já existentes na Constituição brasileira, até que se crie uma lei específica ou que o país reveja a decisão do STF sobre a Lei de Anistia.

O governo federal, porém, argumenta que “está sendo construída no país uma solução compatível com suas peculiaridades para a consolidação definitiva da reconciliação nacional”. Entretanto, mesmo assim a Corte determinou que o Estado terá que retomar a busca dos corpos desaparecidos, que devem ser restituídos aos parentes, e indenizar as famílias das vítimas financeiramente e com atendimento psicológico adequado.

A partir de agora, todos os integrantes das forças armadas terão de passar por um curso permanente sobre direitos humanos.

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Assédio moral inferniza o trabalho

Reproduzo entrevista realizada pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat) e publicada no sítio da Adital:

Nesta entrevista a Dra. Margarida Barreto, médica ginecologista e do Trabalho, pesquisadora do Núcleo de Estudos Psicossociais de Exclusão e Inclusão Social (Nexin PUC/São Paulo), explica o que é assédio moral e como o trabalhador deve procurar ajuda e alerta: "Quem é humilhado sistematicamente, pode sair das ideações suicidas e agir, rumo a morte, tirando a própria vida, por não suportar o sofrimento".

O que é assédio moral?

Assediar alguém significa estabelecer um cerco e não dá trégua ao outro, humilhando, inferiorizando e desqualificando-o de forma sistemática e repetitiva. São ataques verbais e gestuais, perseguições e ameaças veladas ou explicitas; fofocas e maledicências que ao longo do tempo, vão desestabilizando emocionalmente e devastando a vida do outro.

Para a União Européia o assédio moral é um comportamento negativo entre colegas ou entre superiores e inferiores hierárquicos, em que a vitima é objeto de ataque sistemático por longo tempo, de modo direto ou indireto, contra uma ou mais pessoas.
Já a Organização Internacional do Trabalho considera-o todas as vezes em que uma pessoa se comporta para rebaixar o outro, através de meios vingativos, cruéis, maliciosos ou humilhantes contra uma pessoa ou um grupo de trabalhadores. São criticas repetitivas e desqualificações, isolando-o do contato com o grupo e difundindo falsas informações sobre ele.

Qualquer que seja o conceito usado, no assédio há sempre um núcleo ou matriz que encontramos em todos os países, mostrando que estamos ante uma tortura psicológica nas relações interpessoais no local de trabalho, o que nos leva a considerá-la como um problema de saúde publica. Nesta matriz, encontramos algumas táticas que se repetem: isolar, ignorar, desqualificar, desmoralizar, desestabilizar, degradar as condições de trabalho e forçar a pedir demissão ou desistir do emprego, do projeto, da empresa. Resumiríamos, afirmando que em todos os casos de assédio moral encontramos:

-Repetitividade e persistência da ação

-Intencionalidade

-Temporalidade e direcionalidade

-Degradação das condições de trabalho

Os efeitos são devastadores a vida (físico/psicológico) das pessoas que são humilhadas e sofrem agressões verbais e outros atos de constrangimento, quer no âmbito publico ou privado (a portas fechadas). Aqui, a diferença está na relação de poder estabelecida, que pode ser assimétrica ou simétrica com atos de violência explícitos ou sutis.

De que forma o trabalhador é assediado no ambiente de trabalho?

Leymann, o primeiro estudioso do tema, a pratica do assédio moral envolve mais de 40 atos que fazem parte de um processo que ocorre ao longo do tempo, por um período de seis meses. Para ele, existe o assédio moral quando há uma relação assimétrica de poder e este, pode ser em conseqüência de uma experiência maior ou mesmo, uma maior proximidade com a alta hierarquia. Deste modo, ele catalogou quatro grandes grupos de ações: ações contra a dignidade; ações contra o exercício do trabalho; manipulação da comunicação e ações de iniqüidade.

Como exemplo de ações muito comuns aqui em nosso país, citaria: isolar dos colegas e ignorar sua presença; dar instruções confusas, sobrecarregar trabalho, bloquear o andamento do trabalho, criticar em publico, constrangendo-o ou desqualificando-o; impor horários injustificados; caluniar; disseminar fofocas e maledicências; transferir de setor sem conhecimento prévio; proibir colegas de conversar, almoçar entre tantos outros atos, contanto que reforce o lema. "Não falte para não perceberem que você não faz falta", passando a idéia que o trabalhador é um inútil, ou que faz é tão pouco que não tem valor para a empresa.

Quando começaram as discussões sobre o problema?

Na Europa, o tema foi bastante discutido por Leymann e posteriormente, Marie France Hirigoyen. Aqui no Brasil, começamos a ouvir atentamente os trabalhadores que eram humilhados em seu local de trabalho desde o inicio a partir de 1993. Sabíamos que humilhar o outro não era novo. Mas, os relatos que nos chegavam, eram freqüentes. O fato é que a intensificação das humilhações no trabalho coincide com as mudanças que ocorreram na forma de organizar o trabalho e nas políticas de gestão, nestes últimos 30 anos. Mudou o discurso e novos rótulos surgiram para velhas questões.

Por exemplo, ser flexível passou a apontar um novo horizonte de expectativas no qual o trabalhador agora denominado de "colaborador", deverá estar sempre motivado, ser dinâmico e comunicativo, aberto para os novos desafios, ter capacidade para trabalhar em grupo, ser criativo e competitivo como forma de ascender no mundo do trabalho e em especial ser dedicado a empresa e seu trabalho. O discurso é sedutor, pois a flexibilidade deve ser aceita e internalizada por todos; é uma forma de compensar a insegurança que passo aparecer a partir das demissões massivas e reestruturações constantes.

Cada um deve suportar o novo desafio, a nova sobrecarga e mostrar que é capaz de se ajustar aos novos tempos. Com poucas pessoas executando mais tarefas, sob intensa pressão para produzir, não precisamos refletir muito para constatar as consequencias que isso traria no tempo: novas doenças e mais demissões. Fomos percebendo que as humilhações neste contexto, era algo que fazia parte da micropolitica de controle empresarial e que se manifestava na corrente dos gestos cotidianos. Estávamos diante de uma ferramenta de controle dos gestos, da voz, dos pensamentos e emoções. Assim, devemos avaliar as novas doenças, os novos riscos emergentes em associação as mudanças no mundo do trabalho e que foram profundas.

Ressalto também que a reestruturação produtiva veio acompanhada de desregulamentações das relações de trabalho, de flexibilização dos direitos, da adoção de novas políticas de gestão quer por injuria ou pelo medo, de controle rígido e disciplinar dos trabalhadores, da colonização do imaginário, quer por política de punição aos que não alcançaram as metas ou por premiação dos "bons" na capacidade de ultrapassá-las e dá produção. É um ambiente propicio para instaurar o conflito entre colegas e a competitividade, passa a ser a regra. Sabemos que as empresas estão mais preocupadas em aumentar seus lucros com poucos gastos que com a saúde dos seus trabalhadores. O que importa é faturar cada vez mais e o trabalhador que adoece vira peça descartável e que deve ser trocada.

Então ser flexível para o capital, é ser capaz de se adaptar, em reagir ao invés de agir; em aceitar ao invés de resistir e lutar. Porque afirmo isso? Quando o trabalhador adoece, envelhece ou questiona praticas ilícitas ou não se submete as normas que lhes são impostas, perde o valor e torna-se uma "persona non grata", o que o obriga, freqüentemente, a deixar a empresa. O valor do trabalhador está em ser guerreiro 24 horas, não adoecer, não ter família, não ter preocupações e preferencialmente, que todo o seu pensamento e emoções, estejam direcionados ao bem estar da empresa. Logo, todo assédio tem como intencionalidade forçar o outro a desistir do emprego, pedindo a demissão ou mesmo desistindo de um projeto ou mudando de setor, de Estado.

Existe uma categoria que apresente mais denuncias relacionadas a assédio moral?

Hoje, é difícil você dizer qual a categoria que não tem assédio moral nas relações de trabalho. Isso porque o assédio tem como causalidade a organização do trabalho e uma cultura organizacional que mantém e reproduz a "voz" da organização, como verdade absoluta e inquestionável. Mas, poderíamos apontar as categorias em que é muito comum: saúde, educação, comunicação em especial com os jornalistas e o setor de serviços, como por exemplo, os bancários.

Como o movimento sindical pode auxiliar trabalhadores que sofrem assédio?

Em primeiro lugar, o dirigente deve ouvir seu companheiro. É necessário que os dirigentes compreendam e conheçam esse novo mundo do trabalho nesta nova configuração, em que os trabalhadores foram transformados em nômades do trabalho e das relações, vivendo uma sociedade sem emprego, com uma vida limítrofe e caótica, tendo que se submeter a exploração. É necessário que os dirigentes conheçam os novos riscos emergentes, reflitam a cultura empresarial, que escutem e compreendam a voz daqueles que sofrem, adoecem e morrem do/no trabalho. Se não conhecem o que acontece de fato no intra-muros, a ação se restringe a julgar ou encaminhar o trabalhador assediado para o medico ou o departamento jurídico, em atos e ações individualizadas. E as ações coletivas, ficam esquecidas.

Se não tivermos uma práxis compromissada com classe trabalhadora, poucas vitórias alcançaremos. Digo isto, pois vejo por esse Brasil, muitos "dirigentes" que sequer sabem o que ocorre dentro daquela empresa em que ele um dia, trabalhou e isso leva a atitudes de indiferença em relação a dor do outro. Falta reflexão-ação, sonhos pessoais que se mesclem com os sonhos coletivos, falta luta ativa, organização por local de trabalho, mobilização e compromisso de classe!

Pensar em eliminar o assédio moral das relações laborais passa pela luta por justiça, por dignidade, por generosidade, por respeito nas relações de trabalho, por uma nova forma de organizar o trabalho em que a cultura reforce a autonomia e criatividade para pensar e fazer; que a vida daqueles que produzem riquezas, seja privilegiada em sua plenitude. Um sindicalismo "combativo" não pode defender os interesses do capital, viabilizando a existência de empresas que matam e adoecem centenas de trabalhadores anualmente, com a desculpa que está preservando o emprego.

Aqui, é uma questão de defesa da vida. Não podemos sair de um sindicalismo de contestação e caminhar para um sindicalismo de "viabilização das empresas". Enquanto esse cenário persistir, assistiremos o aumento da exploração no trabalho - que é uma face da violência - a intensificação da flexibilidade, mobilidade e humilhações para produzir, sob o olhar passivo do movimento sindical

Quais são as conseqüências na saúde destes trabalhadores?

Quem sofre o assédio moral no trabalho, manifestará algumas reações. A primeira seria uma reação social cuja resposta corporal a ação nociva, se manifesta como isolamento social, ressentimentos, tristeza, reprodução da violência em outros espaços e até mesmo com filhos. Há aumento do uso de drogas, quebra dos laços afetivos e muitas crianças de país que sofreram violência no trabalho, tem menor desempenho na escola. Em segundo lugar, a pessoa assediada sente um mal estar que se manifesta no julgamento negativo de si, como se fosse sem valor ou mesmo um lixo.

Além das varias alterações cotidianas, devido aos pensamentos repetitivos e recorrentes, com o tempo, começam a apresentar doenças e danos psíquicos com idéias de indignidade, esquecimentos, choro freqüente e que podem caminhar para a depressão, o burn-out, a síndrome do pânico e outros transtornos da esfera mental E por ultimo, quem é humilhado sistematicamente, pode sair das ideações suicidas e agir, rumo a morte, tirando a própria vida, por não suportar o sofrimento. Assim o assédio moral gera morte.

A Marie France lembra que "não se morre diariamente de todas as agressões, mas perde-se uma parte de si a cada noite, volta-se para casa exausto, humilhado, deprimido. É a repetição do ato que é destruidor". Estamos diante de um risco que tem repercussões na família, desestruturando-a freqüentemente e devastando a vida daquele que sofre a violência moral ou psicológica no local de trabalho. Estamos falando de mais um risco no ambiente de trabalho, que causa danos a dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano.

Daí a necessidade de compreender essa relação capital x trabalho para atuar com compromisso de classe, pois ter saúde, ser livre e feliz, envolve a ordem do conhecimento, da razão livre, dos bons encontros, da compreensão não somente de si mesmo, mas dos outros e somente com os outros podemos transformar o mundo do trabalho e a sociedade em que vivemos.

O que levou a Dra. a pesquisar sobre o tema?

Comecei a trabalhar no Sindicato dos Químicos ao final de 1992, logo após o término do curso de especialização em medicina do trabalho. E neste espaço passei a ouvir historias de sofrimento e compreendi desde o inicio que a dor colocada não era resultante de fraquezas individuais. Ao contrário: estava diante de guerreiros e guerreiras da produção e que após dá a vida em uma determinada empresa, sentiam-se traídos porque adoeceram ou porque questionaram a empresa e como resultado, mudava a forma da empresa de lidar com eles.

As histórias de sofrimento me atravessavam e na tentativa de ajudá-los ativamente, procurei a Psicologia Social da PUC/SP para fazer o mestrado. Lá, sistematizei uma pesquisa que resultou na escuta atenta de 2072 trabalhadores de 97 empresas do ramo químico, plástico, cosmético e farmacêutico e cujo nome da dissertação foi dado por um trabalhador que após contar sua historia, me disse: "Eu vivo dentro da empresa uma jornada de humilhações". Ele me deu o nome e a chave da compreensão dos gritos de sofrimento que escutava.

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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Regular a mídia é combater censura privada

Reproduzo artigo de Jonas Valente, publicado na revista Caros Amigos:

“Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaçada é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor”, a frase fez parte do discurso do ministro da Secom, Franklin Martins, na abertura do seminário Convergência de Mídias, realizado nos dias 9 e 10 de novembro em Brasília.

A sentença reflete uma tentativa quase desesperada do ministro de desconstruir a perversa fábula elaborada pelos meios de comunicação comerciais para interditar o debate sobre o setor das comunicações no Brasil e a necessidade urgente de sua reforma. Ela utiliza a máxima de que uma mentira contada diversas vezes torna-se verdade. No cenário brasileiro, em que os veículos comerciais detêm enorme influência na formação das opiniões e valores da população, essa tese torna-se ainda mais verdadeira.

A fábula perversa

A definição de regras para o setor das comunicações não é novidade em nenhum país do mundo, muito menos no Brasil. O seminário onde o ministro Franklin fez seu discurso evidenciou, com relatos de autoridades internacionais, como são correntes, nas democracias consolidadas, mecanismos para regular o mercado tanto sob a perspectiva econômica quanto política e cultural. Há regras para impedir a concentração dos meios (como a limitação de fusão de duas redes de TV nos Estados Unidos), obrigações para os prestadores de serviços (como o cumprimento dos propósitos de serviço público na radiodifusão no Reino Unido), proteções ao conteúdo nacional (como as cotas de filmes na França) e a existência de órgãos com a participação da sociedade (como no caso da Autoridade de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina).

No Brasil, se uma pessoa tomar contato com matérias dos meios de comunicação comerciais, vai pensar que nosso Estado é proibido de se aproximar da mídia e que o processo atual consiste, exatamente, na tentativa de quebrar esse distanciamento. O que não condiz com a verdade. Em nosso país, para explorar uma rádio ou uma TV, ou fornecer telefonia aos cidadãos, é preciso ter autorização do Estado. No primeiro caso, a transmissão é feita, inclusive, utilizando um bem público, o espectro de radiofrequências.

Não só há regras gerais, como há, inclusive, normas e exigências para os conteúdos. Isso mesmo! No Brasil, já há regulação do que é difundido pelos meios de comunicação. TVs não podem veicular mais do que 25% de publicidade nem menos do que 5% de conteúdo jornalístico. Rádios são obrigadas a veicular a Hora do Brasil. TVs e rádios devem também inserir compulsoriamente em sua grade o horário eleitoral gratuito. Os jornais, talvez os mais raivosos na suposta defesa da liberdade de imprensa, também têm obrigações, mesmo que mais leves: todos precisam ter um jornalista responsável e estão sujeitos a processos por abusos, como é o caso do direito de resposta.

Mas então, perguntaria alguém intrigado com as matérias: se a regulação já existe, estaria alguém tentando transformá-la, de fato, em uma tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa? Faço a mesma pergunta, pois até agora não vi qualquer proposta que advogasse a favor do controle prévio do que pode ou não ser publicado. Nem encontrei qualquer menção a uma sugestão dessa em qualquer matéria dos “defensores da liberdade de expressão”.

Os interesses por trás

O que seria, então, o tal ataque à liberdade de imprensa? Ele é a forma mascarada de taxar um debate utilizando uma ameaça irracional para esconder que o movimento, ao fim e ao cabo, pode ferir os interesses econômicos e políticos dos grupos que sempre comandaram a comunicação no país.

No plano econômico, as propostas de limitação da concentração de propriedade e de ampliação da pluralidade e diversidade podem reduzir a rentabilidade das grandes redes, que dependem de uma estrutura vertical para lutar por grandes anunciantes, e se configurar como um limitador às estratégias de fusões e aquisições empregada hoje pelos operadores de telecomunicações. As cotas de produção (nacional e regional) são vistas como custos extras, o que também atrapalha o negócio.

No plano político, os veículos de comunicação sempre se orgulharam e moldaram sua sobrevivência e ampliação na sua capacidade de interferir nas disputas de poder, na elevação e destruição das reputações dos mais variados políticos. Esse papel não é apenas de apoio ou de suporte a um ou outro candidato, mas envolve o uso direto dos meios de comunicação para garantir a eleição de uma determinada liderança. Não à toa, há casos de diversos grupos regionais que são controlados por elites políticas, como é o caso do Mirante de José Sarney no Maranhão, da RBA de Jader Barbalho, no Pará, da TV Bahia da família Magalhães, na Bahia, e do Grupo Massa, da família de Ratinho Júnior, no Paraná.

Um exemplo claro desse poder é a célebre frase proferida por Tancredo Neves em uma conversa com Ulysses Guimarães: “Ulysses, eu brigo com todo mundo, eu brigo com o papa, eu brigo com o PMDB, eu só não brigo com o doutor Roberto [Marinho]”. A entrada de novos agentes no rádio e na TV, a ampliação do acesso à Internet e o estabelecimento de limites aos abusos cometidos pelos meios são vistos como um obstáculo claro à terra sem lei que serve como terreno fértil à reprodução da ação política intensiva dos grupos de mídia. O novo marco, portanto, ameaça o poder dos grandes grupos de controlar a informação que é difundida, uma espécie de censura, não estatal, mas privada.

Por que e para quê regular

Perdeu-se (ou ganhou-se) espaço e tempo desfazendo a confusão propositada. Mas se por um lado foi um esforço que faz-se necessário para que o debate seja desinterditado na sociedade, por outro é preciso ir além e discutir qual regulação se quer.

Um bom começo é identificar os problemas que precisam ser resolvidos. Algumas dessas questões são bem lembradas pelo ministro Franklin Martins: “Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada”.

O faroeste midiático brasileiro favoreceu um sistema excessivamente comercial, em detrimento dos meios públicos e comunitários. Com isso, importantes espaços de formação de valores e opiniões acabam regidos pelo lucro, e não pelos direitos humanos e pelo(s) interesse(s) da população. A organização do mercado é oligopolista e verticalizada, com predomínio de poucos grupos e a repetição de uma produção do eixo Rio-São Paulo em detrimento dos conteúdos regionais.

A essas emissoras e aos demais operadores faltam obrigações para assegurar o interesse da população e garantias mínimas aos consumidores. As existentes são desrespeitadas, como os preceitos constitucionais que determinam o atendimento, por rádios e TVs, das finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em sua programação e a promoção da produção independente e regionalizada. Já os serviços de telecomunicações são excludentes. A telefonia fixa ainda hoje mantém a injustificada assinatura básica. A celular se ampliou mas mais de 80% são pré-pagos e a tarifa está entre as mais altas do mundo. Já a banda larga é “cara e lenta”, nos dizeres do coordenador do Comitê Gestor de Inclusão Digital do governo federal, César Alvarez.

É essa a paisagem que queremos manter na nossa comunicação? Junto-me àqueles que discordam e veem a necessidade de uma grande reforma neste modelo. Em vez da premência do lucro, a concepção por trás da nova legislação deve ser o entendimento da comunicação como um direito humano. Não apenas dos donos de empresas de comunicação, mas do conjunto da população.

Partido dessas premissas e dos problemas identificados, seguem alguns desafios que o novo marco regulatório. Em primeiro lugar, é preciso respeitar o Artigo 223 da Constituição Federal e assegurar a complemetaridade de fato entre os sistemas público, privado e estatal, fortalecendo a Empresa Brasil de Comunicação e as demais estruturas de mídia mantidas pelo Estado com ampla participação e financiamento robusto. O mesmo vale para as emissoras comunitárias.

Em segundo lugar, faz-se necessária normas que impeçam a propriedade cruzada dos meios de comunicação (controlar uma TV e uma rádio, por exemplo), o que vale para a cadeia produtiva neste cenário de convergência. Este modelo, que separa a produção de conteúdo da distribuição é adotado em vários países e incentiva a pluralidade.

Em terceiro lugar, o novo marco não pode se furtar de enfrentar o debate sobre as obrigações dos licenciados. Desde aquelas administrativas até as relativas ao conteúdo, incluindo cotas de produção nacional, regional e independente e o respeito e promoção dos direitos humanos.

Em quarto lugar, criar as condições para que a população tenha acesso aos serviços de comunicação, especialmente à Internet em banda larga. Por último, o modelo só responderá aos interesses da população se tiver uma estrutura institucional que abra fortes espaços de participação, como conselhos.

A tarefa não é fácil, mas é urgente. “Com toda sinceridade, acho que o governo Lula ficou devendo nessa área [da comunicação]“, admitiu o ministro Franklin Martins em um seminário em São Paulo no final de novembro. Cabe agora ao governo Dilma reconhecer o passivo e colocar o tema de fato na agenda para tenhamos um novo modelo de fato democrático.

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Confirmado o encontro de blogueiros do RS

Reproduzo mensagem das (os) combativas (os) blogueiras (os) do Rio Grande do Sul:

O Encontro de Blogueir@s e Tuiteir@s do RS será realizado entre os dias 1º e 3 de abril de 2011, na Casa dos Bancários, Porto Alegre.

Altamiro Borges, presidente do Centro de Mídia Barão do Itararé e blogueiro, fará a abertura do encontro no dia 1º de abril, 20h, com o tema "Panorama da blosgosfera brasileira: histórico e desafios".

No sábado e no domingo, serão dias de debate, oficinas e encontro para trocas de experiências entre @s participantes. Como o tempo é exíguo, os temas para debate são muitos, a Comissão Organizadora do Encontro escolheu dois temas para o painel de sábado pela manhã, a saber:

1º) Internet;

2º) Políticas públicas para a Internet.

E optou pela abertura de uma consulta pública, seguida de enquete, aberta à comunidade riograndense, para que esta defina o tema do 3º painel de sábado pela manhã, respondendo nos comentários:

- Que tema gostarias de debater no encontro de blogueir@s e tuiteir@s do RS?

- A primeira etapa constará de respostas nos comentários durante o mês de dezembro de 2010. Vale, inclusive, menções e copiar/colar;

- A segunda etapa constará de enquete, a partir das sugestões enviadas e a Comissão Organizadora será a responsável pela seleção.

Então, vamos lá! Participa!

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