segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

“Ditadura da mídia” no Brasil e no mundo

Estarei em férias até final de janeiro. Neste período, para manter atualizada esta “trincheira de luta”, reproduzirei os capítulos do livro “A ditadura da mídia”. Publicado em julho passado pela Associação Vermelho e pela Editora Anita Garibaldi, o livro alcançou 10 mil exemplares de tiragem e obteve comentários e resenhas dos professores Venício A. de Lima e Laurindo Lalo Leal Filho, dos jornalistas Renato Rovai (Revista Fórum), Flávio Aguiar (Agência Carta Maior) e Maurício Dias (revista CartaCapital) e do ex-ministro José Dirceu, entre outros.


Poder mundial a serviço do capital e das guerras


“Não se preocupem. Não queremos controlar o mundo. Só queremos um pedaço dele”.
Rupert Murdoch, dono do império midiático News Corporation, presente em 133 países.


“A CIA tem o direito legítimo de se infiltrar na imprensa estrangeira. Ela tem a missão de influir, através dos meios de comunicação, no desenlace dos fatos políticos em outros países”. Willian Colby, ex-diretor geral da agência de inteligência dos EUA.


Os “donos da mídia” detêm hoje um poder descomunal, sem precedentes na história. Passou-se o tempo das ilusões sobre este setor, que no passado chegou a ser batizado de “quarto poder” pelo papel desempenhado na fiscalização dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Atualmente, os impérios midiáticos, que unem informação, entretenimento e cultura, e concentram inúmeros veículos – jornais, revistas, emissoras de televisão, rádios, internet, etc. –, colocam-se acima de leis e constituições, atacam os movimentos sociais e os governos progressistas e tentam sabotar a democracia. Na prática, desempenham o papel de uma verdadeira ditadura midiática, sendo um entrave a qualquer projeto de emancipação da humanidade, de superação da barbárie capitalista.

A mídia hegemônica – outrora chamada de imprensa burguesa na justa crítica dos marxistas [1] – sempre foi um obstáculo à luta dos trabalhadores. Mas, na fase mais recente, com o aumento da concentração no setor, as mutações tecnológicas e a desregulamentação da comunicação imposta pelo neoliberalismo, ela reforçou o seu papel de “partido do capital”, conforme a clássica síntese de Antonio Gramsci. Para o diretor do jornal Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, “nos últimos quinze anos, à medida que se acelerava a globalização neoliberal, esse ‘quarto poder’ se viu esvaziado de sentido, perdendo, pouco a pouco, sua função fundamental de contrapoder [2]”.

Como afirma o professor Dênis de Moraes, a mídia tem hoje um duplo papel. Como instrumento ideológico, que nada tem de neutra ou imparcial, ela é a principal apologista do “deus-mercado”. Como poderosa empresa capitalista, ela busca apenas elevar os lucros. “As corporações da mídia projetam-se, a um só tempo, como agentes discursivos, com uma proposta de coesão ideológica em torno da globalização, e como agentes econômicos proeminentes nos mercados mundiais, vendendo os próprios produtos e intensificando a visibilidade dos seus anunciantes. Evidenciar esse duplo papel parece-me decisivo para entender a sua forte incidência na atualidade” [3].

A brutal concentração no setor

O processo de concentração na mídia, intrínseco à lógica monopolista do capital, atinge hoje seu ápice. Segundo o professor Robert McChesney, “o mercado global é dominado por uma primeira camada de cerca de dez imensos conglomerados... Eles têm ações em diversos setores da mídia e operam em todos os lugares do mundo. Existe uma segunda camada onde estão cerca de quarenta empresas que giram em torno deste sistema global. A maioria provém da Europa Ocidental ou da América do Norte, mas algumas são da Ásia e América Latina”. Elas estão entre as 300 maiores empresas não-financeiras do mundo e tiveram um crescimento recorde na década passada [4].

Dênis de Moraes, no texto citado, é mais direto: “A mídia global está nas mãos de duas dezenas de conglomerados, com receitas entre US$ 8 bilhões e US$ 40 bilhões. Eles veiculam dois terços das informações e dos conteúdos culturais disponíveis no planeta. São proprietários de estúdios, produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes, gravadoras de discos, editoras, parques de diversões, TVs abertas e pagas, emissoras de rádio, revistas, jornais, serviços online, portais e provedores de internet... AOL-Time Warner, Viacom, Disney, News, Bertelsmann, NBC-Universal, Comcast e Sony, as oito principais no ranking da mídia e do entretenimento, têm idênticas pretensões de domínio: estar em toda parte, a qualquer preço, para exercer hegemonia”.

Nos EUA, principal potência imperialista do capitalismo contemporâneo, sempre predominou o monopólio privado neste setor. Até os anos 1980, cerca de 70% da audiência da televisão era dominada por três redes nacionais – NBC, CBS e ABC; já as telecomunicações eram controladas pela AT&T. Como afirma o jornalista Carlos Lopes, esta nação inaugurou o processo de fusão da mídia com os conglomerados financeiros e indústrias. “O secretário do interior de Roosevelt, Harold Ickes – por sinal, um republicano – acrescentou, em 1934, um dado significativo: 82% dos jornais dos EUA eram monopólios, com um ínfimo número de proprietários. Ele poderia ter acrescentado que as ligações desse punhado de monopolistas da imprensa (Hearst, Luce e assemelhados) com seus colegas de bancos e grandes empresas (Morgan, Rockfeller, Dupont, etc.) eram mais do que estreitas. Na verdade, elas eram a mesma coisa” [5].

A partir de 2002, com a extinção das regras contrárias à propriedade cruzada e à cartelização do setor, esse processo monopolista foi agravado e a situação atual da mídia nos EUA enterra de vez o mito da “pátria da democracia”. A AOL abocanhou a Netscape, a revista Time, a produtora Warner e a rede CNN. A GE, após engolir a NBC, garfou a Universal, dona da maior gravadora de disco e do segundo maior estúdio de cinema do mundo. A Microsoft, de Bill Gates, impera no setor de software. A News Corporation, de Rupert Murdoch, devorou inúmeros jornais (The Times, The New York Post, The Wall Street Journal), a emissora Fox, além de uma gigante produtora de seriados e filmes, a Twenty Century Fox. Somente em 2003, ocorreram mais de 460 fusões e aquisições de empresas da mídia nos EUA, movimentando cerca de US$ 36 bilhões.

“Nas mãos dos mercadores de canhões”

O mesmo fenômeno monopolista vitimou a Europa, sabotando sua rede pública e outros avanços democráticos conquistados com derrota do nazi-fascismo. Na Itália, a mídia hoje é dominada por dois conglomerados. O fascista Silvio Berlusconi controla as três principais redes privadas de TV e, como primeiro-ministro, manipula os três canais públicos da RAI. Já a corporação da família Agnelli, dona da montadora Fiat, domina o maior grupo editorial do país, Rizzoli-Corriere della Sera (RCS), que publica uma centena de jornais e revistas. Na Espanha, o grupo Prisa comanda o jornal El País, uma poderosa cadeia de rádios (SER), uma emissora de TV e a principal rede de editoras do país. No Reino Unido, a quebra do monopólio público da BBC permitiu a formação de um consórcio de quatro canais privados, a ITV.

O caso mais assustador é o da França, onde os donos da mídia estão ligados à indústria bélica. O grupo Dassault, do direitista Serge Dassault, dirige o jornal Le Fígaro, o semanário L’Express e outros 14 títulos; já o grupo Lagardère domina a maior editora, o setor de revistas e a distribuição de jornais. “Esses dois grupos apresentam em comum a inquietante particularidade de se terem constituído em torno de uma empresa-mãe cuja principal atividade é militar (aviões de combate, helicópteros, mísseis e satélites). Realiza-se, portanto, a velha e temida profecia: alguns dos maiores veículos de comunicação estão, atualmente, nas mãos de mercadores de canhões” [6].

Na disputa pelo mercado, estas corporações se digladiam e têm as suas contradições. O magnata Rupert Murdoch avança na região asiática, produzindo programas de televisão para 240 milhões de pessoas. Temendo o avanço da produção européia, a Disney se associou à alemã Bertelsmann. Já o grupo Prisa cobiça a América Latina. Segundo seu executivo, Juan Cebrián, a mesma língua é “um instrumento fantástico na hora de atingir o mercado de 400 milhões de pessoas”. A guerra entre as empresas de radiodifusão e as operadoras de telecomunicações, decorrente do acelerado processo de convergência digital, torna esta disputa de mercado ainda mais encarniçada.

Há uma forte tendência para a fusão entre comunicações, telecomunicações e entretenimento. A Telefônica da Espanha já investe na mídia e na internet, a Sony produz música online e a Disney atua na telefonia celular em parceria com a operadora japonesa NTT. “Se pensarmos em música digital, televisão interativa, serviço de banda larga e redes domiciliares, veremos que estamos no centro de tudo”, gaba-se Gerald Levin, executivo da AOL-Time Warner. Jean-Marie Messier, da Vivendi-Universal, defende que “é essencial agregar os conteúdos baseados em alta tecnologia, sobretudo os da internet, aos nossos serviços e produtos. A combinação de conteúdos, de meios de difusão e de produtos afins nos dá uma vantagem considerável perante os concorrentes” [7].

NOTAS

1- Ver o artigo “Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa” na página ??? deste livro.

2- Ignácio Ramonet. “O quinto poder”. Caminhos para uma comunicação democrática. Le Monde Diplomatique, São Paulo, 2007.

3- Dênis de Moraes. “A lógica da mídia no sistema de poder mundial”. Revista de Economia Politica de las Tecnologias de la Información y Comunicación. Maio/agosto de 2004.

4- Robert W. McChesney. “Mídia global, neoliberalismo e imperialismo”. Por uma outra comunicação. Dênis de Moraes (org.). Editora Record, Rio de Janeiro, 2005.

5- Carlos Lopes. “O caso Hiss e o macartismo: o golpismo fascista nos EUA”. Jornal Hora do Povo, 15/03/07.

6- Ignacio Ramonet. “Os novos imperadores da mídia”. Caminhos para uma comunicação democrática.

7- Dênis de Moraes. “O capital da mídia na lógica da globalização”. Por uma outra comunicação.

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