domingo, 25 de novembro de 2012

Barbosa: A encruzilhada de um juiz

Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:

Joaquim Barbosa assumiu a presidência de uma Suprema Corte manchada pela nódoa de um julgamento político conduzido contra lideranças importantes da esquerda brasileira.

Monocraticamente, como avocou e demonstrou inúmeras vezes, mas sempre com o apoio indutor da mídia conservadora, e de seu jogral togado --à exceção corajosa do ministro Ricardo Lewandowski, Barbosa fez o trabalho como e quando mais desfrutável ele se apresentava aos interesses historicamente retrógrados da sociedade brasileira --os mesmos cuja tradição egressa da casa-grande deixaram cicatrizes fundas no meio de origem do primeiro ministro negro do Supremo.

Não será a primeira vez que diferenças históricas se dissolvem no liquidificador da vida.

Eficiente no uso do relho, Barbosa posicionou o calendário dos julgamentos para os holofotes da boca de urna no pleito municipal de 2012.

Fez pas de deux de gosto duvidoso com a protuberância ideológica indisfarçável do procurador geral, Roberto Gurgel -aquele cuja isenção exortou o eleitorado a punir nas urnas o partido dos réus.

Num ambiente de aplauso cego e sôfrego, valia tudo: bastava estalar o chicote contra o PT, cutucar Lula com o cabo e humilhar a esquerda esfregando-lhe o relho irrecorrível no rosto. Pronto. Era correr para o abraço dos jornais do dia seguinte ou antes até, na mesma noite, no telejornal de conhecidas tradições democráticas.

Provas foram elididas; conceitos estuprados ao abrigo tolerante dos doutos rábulas das redações --o famoso 'domínio do fato'; circunstâncias atropeladas; personagens egressos do governo FHC, acobertados em processos paralelos, mantidos sob sigilo inquebrantável, por determinação monocrática de Barbosa (leia:'Policarpo & Gurgel: ruídos na sinfonia dos contentes'); tudo para preservar a coerência formal do enredo, há sete anos preconcebido.

O anabolizante midiático teve que ser usado e abusado na sustentação da audiência de uma superprodução de final sabido, avessa à presunção da inocência e hostil à razão argumentativa --como experimentou na pele, inúmeras vezes, o juiz revisor.

Consumada a meta, o conservadorismo e seu monocrático camafeu de toga, ora espetado no supremo cargo da Suprema Corte, deparam-se com a vertiginosa perspectiva de uma encruzilhada histórica.

Ela pode esfarelar a pose justiceira dos torquemadas das redações e macular a toga suprema com a nódoa do cinismo autodepreciativo.

Arriadas as bandeiras da festa condenatória, esgotadas as genuflexões da posse solene desta 5ª feira, o espelho da história perguntará nesta noite e a cada manhã ao juiz da suprema instância: -- E agora Joaquim?

O mesmo relho, o mesmo 'domínio do fato', o mesmo atropelo da inocência presumida, a mesma pressa condenatória orientarão o julgamento da Ação Penal 536 --vulgo 'mensalão mineiro'?

Coube a Genoíno, já condenado --e também ao presidente nacional do PT, Rui Falcão-- fixar aquela que deve ser a posição de princípio da opinião democrática e progressista diante da encruzilhada de Barbosa: 'Não quero para os tucanos o julgamento injusto imposto ao PT', fixou sem hesitação o ex-guerrilheiro do Araguaia, no que é subscrito por Carta Maior.

Mas a Joaquim fica difícil abrigar o mesmo valor sob a mais suprema das togas. Sua disjuntiva é outra.

Se dispensar ao chamado mensalão do PSDB o mesmo tratamento sem pejo imposto ao PT na Ação 470, sentirá o relho que empunhou voltar-se contra a própria reputação nas manchetes do dia seguinte.

Tampouco terá o eco obsequioso de seus pares na repetição da façanha --e dificilmente a afinação digna dos castrati no endosso sibilino do procurador -geral.

Ao revés, no entanto, se optar pela indulgência desavergonhada na condução da Ação Penal 536, ficará nu com a sua toga suprema durante longos dois anos, sob a derrisão da sociedade, o escárnio do judiciário, o desprezo da história --e o olhar devastador do espelho a cada noite e a cada dia, a martelar: 'E agora, Joaquim?'

4 comentários:

Alício disse...

É o que eu penso. Parabéns!!

Anônimo disse...

Acredito que alguns do Judiciário, principalmente alguns da mais Alta Corte não tem nem espelho em casa, que é pra justamente evitar alguma crise de consciência, á noite, na hora de escovar os dentes, e antes de repousar a mente confusa no travesseiro dos "justos"!

Martins Andrade. disse...

E a frase da Ministra Rosa Weber, como fica?
Condenou sem provas porque a literatura jurídica permitia!...
A literatura...
Pelo viés da Ministra, a índia Iracema, aquela do livro de José de Alencar, existiu, e era verdade que ela saia do Ipu, sua terra, minha terra, para se banhar na lagoa de mesejana, uma distância bem curtinha: só mais de trezentos quilometros. Se a literatura de Alencar permitiu, porque também ela não permite que se condene sem provas?
Ah, a literatura!...

Anônimo disse...


A essa altura do campeonato até aquela imagemzinha de Jesus Cristo sobre a cabeça dos togados no STF terá dificuldade de se segurar na parede a perguntar: "de novo?" Onde está Pilatos para lavar as mãos do sangue dos condenados sem provas!... Lewandoooooowisk!....