Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Como nos proteger emocionalmente de um envolvimento excessivo com as paixões políticas do nosso tempo?
Esse envolvimento, entendam bem, é inevitável e mesmo essencial.
Eu me refiro ao excesso.
Nunca gostei do termo "apartidário", que a meu ver tem reverberações hipócritas, convencionais.
Como blogueiro, não quero ser partidário, sobretudo por me reservar o direito de criticar, duramente, todos os partidos, inclusive aqueles pelos quais nutro mais simpatia.
Mas também não quero ser apartidário, porque me pareceria outro grilhão: gosto de pensar que a liberdade de expressão que a nossa democracia oferece a um cidadão, blogueiro ou não, nos permite defender ou atacar partidos.
Nos permite ser partidários ou apartidários, enfim, a depender do momento, do humor, das circunstâncias.
Se eu quiser defender o voto num determinado partido, fá-lo-ei quando me der na telha, independente dos dogmas arbitrários - hoje anacrônicos - sobre como deveria ou não se portar um jornalista.
O importante, na minha opinião, para um blogueiro, é a franqueza e a transparência, o único critério que permitirá ao leitor separar a informação da opinião.
O resto são falsidades.
Se acho que um partido cometeu erros políticos e éticos de grande monta, farei - se achar que é o momento de fazê-lo, ou me sentir preparado para fazer tais críticas - as devidas críticas em meu blog, entendendo que estarei contribuindo para seu aperfeiçoamento.
No Brasil, o trauma social da ditadura, produziu duas espécies de comportamento frente à política de nosso tempo: de um lado, os que preferem ignorar a realidade à sua volta; de outro, os que se engajam de maneira obsessiva, exagerada, descambando quase sempre para algum tipo de fanatismo.
O momento histórico da nossa democracia requer participação e envolvimento, mas de preferência um envolvimento racional, generoso, confiante e tranquilo.
Só que isso se torna extremamente difícil em momentos de crise, e mais ainda perante a ameaça de iniciativas politicamente dramáticas, como um impeachment de uma presidenta eleita com 54 milhões de votos.
Uma coisa é derrubar Fernando Collor, pertencente a um dos partidos mais insignificantes do congresso, o PRN. Uma legenda de aluguel, sem militância, sem ideologias, sem história.
Outra coisa é derrubar Dilma Rousseff, herdeira de uma luta secular por melhores condições de vida para a maioria pobre da população, pertencente a um grande partido, cujo defeito nunca foi a ausência de militância, e sim, talvez, o seu excesso, e ligado umbilicalmente a uma enorme quantidade de organizações e movimentos sociais.
É claro que isso representaria um outro trauma social grave, oferecendo perigosos desdobramentos, e o pior deles seria a criação de uma nuvem de suspeita sobre o processo democrático. Afinal, as campanhas mobilizam uma colossal carga de energia. As pessoas concentram e canalizam suas forças políticas nesse momento. Se esta energia é jogada fora, e as eleições se tornarem antes um joguete de tribunais, então mudará completamente a química de tudo.
No exato momento em que os tribunais pisotearem o solo sagrado da soberania popular, repetindo a infâmia cometida em 64 pelos militares, eles atrairão para si o olhar terrível e implacável da história.
Assim como os juízes hoje, os militares também conseguiram, com ajuda de uma campanha midiática maciça, apoio popular para derrubarem um presidente.
Mais ainda: tiveram ajuda de potências estrangeiras. Tanto que, imediatamente após o golpe de 64, todos os cofres do tio Sam e dos grandes mercados de capitais, se abriram ao Brasil.
Hoje, o apoio ao golpe vem de um conjunto de forças econômicas não apenas obscuras, como traiçoeiras. O apoio do setores do chamado "mercado internacional" à direita brasileira é também uma falácia: um apoio especulativo, falso, enganador.
Se os "mercados" enganaram e golpearam os governos mais neoliberais da história da humanidade, o de Bush filho nos EUA e os governos conservadores europeus, a troco de que esperar solidariedade real dos mesmos em relação a eventuais administrações brasileiras conservadoras?
Entretanto, no momento em que marchamos tão próximos ao abismo é que precisamos de mais sangue frio, objetividade e calma. O nervosismo dá vertigens, desestabiliza, e nos faz ver apenas os adversários mais próximos, ignorando aqueles posicionados estrategicamente em posições mais distantes, à nossa espera.
E a única maneira de manter o espírito sereno é subir no alto de uma montanha e contemplar o grande quadro histórico, e não apenas do Brasil.
Para entender a política a gente precisa, de vez em quando, esquecer os jornais. Até porque, mesmo que os jornais, no Brasil, não fossem tão enviesados, ainda assim teríamos que esquecê-los de vez em quando, para deixar nossa mente elaborar sínteses com base em fundamentos mais largos do que as mesquinhezas do dia a dia.
Nos últimos dias, o blog fez movimentos que intrigaram alguns leitores, como elogiar e saudar a criação oficial da Rede, o partido de Marina Silva.
Num momento de forte tensionamento político, e com alguns partidos, sobretudo PSOL e PT, sofrendo importantes defecções para a Rede, entendo o nervosismo.
Para mim, foi um gesto de cavalheirismo político. A Rede é nova demais para que a julguemos com demasiada severidade. O alinhamento com Aécio Neves no segundo turno de 2014 foi uma opção pessoal, até onde eu entendi, de Marina Silva, o que foi, na minha opinião, um grave erro político, que inclusive quase matou a Rede na nascença.
Mas foi um erro de Marina, não da Rede - até porque esta ainda não existia oficialmente.
No entanto, da mesma maneira que não quero fazer críticas precipitadas a um partido criança, também não poderia jamais me alinhar a alguma coisa que não conheço.
A Rede ainda terá de comer muito feijão com arroz antes de poder se dar ao luxo de ter apoio de setores realmente importantes da sociedade, nos sindicatos, movimentos sociais e blogosfera.
No entanto, a coisa mais estúpida que poderíamos fazer é sermos sectários, o que é a antipolítica por natureza.
A luta democrática não se fundamenta na força e sim na persuasão, de maneira que sempre tentarei atrair a Rede e seus quadros, através de argumentos, para a direção das bandeiras progresssistas, e o perfil do novo partido pode ajudar a incluirmos, na pauta da política nacional, algumas agendas que têm sido tolamente postas de lado nos últimos anos, como a gestão inteligente do lixo e uma política de consumo de água mais racional.
Eu acho incrível, por exemplo, que no exato momento em que grandes cidades brasileiras vivem à beira de um perigoso colapso no abastecimento de água, nenhum governante, em qualquer instância (municipal, estadual ou federal), patrocine campanhas para o seu uso racional.
Todo mundo tem medo de receber, para si, a "culpa" da crise, e assim caminhamos todos, de mãos dadas, na direção do desastre.
No último post, comentando o discurso de Dilma na abertura da Conferência das Nações Unidas, faço críticas à presidenta que irritaram alguns leitores. Respeito as opiniões divergentes, mas preciso me defender. Algumas críticas não são justas, porque não entendem que uma liderança apenas consolidará seu carisma se as pessoas aprenderem a tolerar seus defeitos. E todos temos defeitos; os de uma liderança, por ser liderança, sempre são mais evidentes.
Quanto à inteligência mediana da presidenta, refiro-me à inteligência política e emocional dela que conhecemos publicamente. Dilma não é capaz, como Lula, de inventar respostas criativas aos ataques que sofre diuturnamente. Isso não significaria, necessariamente, menor capacidade de governo. Numa conjuntura política, porém, em que os elementos parecem girar cada vez mais estreitamente em torno da presidenta, suas características pessoais têm pesado no jogo bruto de forças que tem sido jogado.
Talvez o machismo da classe política e da sociedade tenha alguma influência, mas prefiro não entrar neste campo minado.
Dilma, de qualquer forma, tem sido o ponto fraco do governo.
Não é apenas uma opinião pessoal, mas algo que tenho conversado com muita gente. Isso posto, é preciso resolver esse problema. O blog já deu várias ideias, a começar pela mais óbvia: a montagem de um conselho político dotado de poder real de decisão. A situação como está, com peso excessivo sobre Dilma, mesmo que ela fosse o melhor cérebro político da nossa história republicana, não tem como dar certo. É desumano esperar de Dilma a solução da crise política. O massacre de que ela é vítima na mídia tem de ser combatido pelos partidos que a apoiam, e as soluções deveriam ser encontradas por um conselho. Para isso, no entanto, Dilma precisaria transferir poder, tirar um pouco o peso de seus ombros, o que não parece ainda ter acontecido.
Voltemos à montanha, de onde contemplamos a crise de cima, afastados temporariamente do ruído histérico das manchetes dos jornais, das iniciativas erráticas de um governo confuso e das turbulências de uma classe política embriagada pelos riscos de uma nova ruptura institucional.
O que vemos?
Não é uma grande e jovem democracia, excitada consigo mesma, orgulhosa de seu próprio corpo, ansiosa por riscos e experiências?
Mesmo essas conspirações midiático-judiciais, não seriam a consequência natural, necessária, do livre exercício da vida democrática, que não inclui apenas o voto, mas também os estamentos judiciais, usando as circunstâncias políticas para testar seus limites?
Uma das características mais assustadoras dos procuradores da Lava Jato, e do próprio juiz Sergio Moro, é a sua irresponsabilidade.
É como se eles estivessem brincando. Uma consultora respeitada estimou os prejuízos causados pela Lava Jato (causado pelas investigações, não pela corrupção) em mais de R$ 140 bilhões.
É lógico, portanto, que boa parte da crise econômica nasceu da Lava Jato e da forma como ela foi conduzida.
Os procuradores agora alegam que não pretendiam quebrar as empresas, que elas podiam continuar fazendo negócios com o Estado.
Mentira.
Desde o início, tratou-se as empresas com inaudita violência judicial. As cúpulas inteiras das empresas foram encarceradas sem que os réus sequer soubessem de que estavam sendo acusados. Em seguida, os executivos foram mantidos em prisão preventiva por quase um ano, antes que pudessem se defender, num terrorismo judicial só visto em regimes totalitários.
É lógico que esse terrorismo desestabilizou completamente a vida dessas companhias. Os executivos poderiam ter sido acusados, poderiam ter se defendido, poderiam ter feito acordos para pagar multas ou mais impostos, sem o trauma das demissões em massa, e sem afetar a economia brasileira num momento crítico da economia mundial.
Só que a própria estratégia da república do Paraná, de usar a prisão preventiva como forma de tortura para extrair confissões, exigia o máximo de violência.
Os procuradores exibiram um fanatismo moral que a imprensa, ansiosa por usar sua principal arma - produzir crises - transformou facilmente num discurso de forte apelo popular e demagógico.
A palavra "crime" deriva do latim "crimen", e significava decisão judicial; num sentido pejorativo, tinha o sentido de calúnia, injúria, falsa acusação.
Em todo o mundo clássico antigo, o fantasma que mais assustava os regimes democráticos e republicanos era a "falsa acusação", provavelmente porque entendiam ser o principal ponto fraco de um sistema cujo poder nascia do debate entre opiniões contrárias.
Montesquieu conta que, na Roma Antiga, os caluniadores eram marcados na testa, com ferro em brasa, com a letra K.
Ainda em latim, o adjetivo "criminosus" denotava "acusação infame, infamante, caluniosa.
O verbo "criminare" significava, principalmente, acusar caluniosamente.
Aqui no Brasil, os falsos acusadores são premiados. Quando corruptos, são perdoados pela justiça. Quando jornalistas, são promovidos.
É com base, portanto, numa doutrina corrompida, baseada na calúnia, na mentira, na tortura psicológica, na irresponsabilidade, sustentada por uma mídia decadente que tenta, num gesto desesperado, aplicar um último golpe contra nossa democracia, que os estamentos judiciais tem levado adiante suas conspirações.
Infelizmente, talvez seja o movimento necessário para expor os vícios do judiciário, um setor que precisa ser oxigenado pela democracia.
Sim, porque essas conspirações um dia serão expostas e seus protagonistas se converterão em vilões - como tem acontecido, tantas vezes, em todo o mundo. A história não guarda rancor dos criminosos, mas jamais perdoa as violências do Estado contra os indivíduos.
Sejamos fortes e confiantes. A democracia brasileira resistirá a todos os golpes, a todas as conspirações, a todas as crises econômicas e políticas, porque ela ainda está amadurecendo. A cada cinco ou sete anos, milhões de adolescentes entram na vida adulta, outros milhões se consolidam em suas carreiras e os mais velhos saem de cena, mudando completamente a química política nacional.
E o melhor: a grande mídia é cada vez menos influente.
Todas as grandes nações emergiram mais fortes de suas lutas sociais domésticas. Roma antiga apenas se consolidou após séculos de embates políticos entre plebeus e patrícios, com a vitória dos primeiros.
Neste sentido, o sectarismo ideológico, ao negar importância, ou mesmo legitimidade, às aspirações da classe trabalhadora, e ao destilar preconceito contra a esquerda, parece tão idiota, visto que são destas aspirações e suas lutas que nascem as forças que darão grandeza ao país.
Como nos proteger emocionalmente de um envolvimento excessivo com as paixões políticas do nosso tempo?
Esse envolvimento, entendam bem, é inevitável e mesmo essencial.
Eu me refiro ao excesso.
Nunca gostei do termo "apartidário", que a meu ver tem reverberações hipócritas, convencionais.
Como blogueiro, não quero ser partidário, sobretudo por me reservar o direito de criticar, duramente, todos os partidos, inclusive aqueles pelos quais nutro mais simpatia.
Mas também não quero ser apartidário, porque me pareceria outro grilhão: gosto de pensar que a liberdade de expressão que a nossa democracia oferece a um cidadão, blogueiro ou não, nos permite defender ou atacar partidos.
Nos permite ser partidários ou apartidários, enfim, a depender do momento, do humor, das circunstâncias.
Se eu quiser defender o voto num determinado partido, fá-lo-ei quando me der na telha, independente dos dogmas arbitrários - hoje anacrônicos - sobre como deveria ou não se portar um jornalista.
O importante, na minha opinião, para um blogueiro, é a franqueza e a transparência, o único critério que permitirá ao leitor separar a informação da opinião.
O resto são falsidades.
Se acho que um partido cometeu erros políticos e éticos de grande monta, farei - se achar que é o momento de fazê-lo, ou me sentir preparado para fazer tais críticas - as devidas críticas em meu blog, entendendo que estarei contribuindo para seu aperfeiçoamento.
No Brasil, o trauma social da ditadura, produziu duas espécies de comportamento frente à política de nosso tempo: de um lado, os que preferem ignorar a realidade à sua volta; de outro, os que se engajam de maneira obsessiva, exagerada, descambando quase sempre para algum tipo de fanatismo.
O momento histórico da nossa democracia requer participação e envolvimento, mas de preferência um envolvimento racional, generoso, confiante e tranquilo.
Só que isso se torna extremamente difícil em momentos de crise, e mais ainda perante a ameaça de iniciativas politicamente dramáticas, como um impeachment de uma presidenta eleita com 54 milhões de votos.
Uma coisa é derrubar Fernando Collor, pertencente a um dos partidos mais insignificantes do congresso, o PRN. Uma legenda de aluguel, sem militância, sem ideologias, sem história.
Outra coisa é derrubar Dilma Rousseff, herdeira de uma luta secular por melhores condições de vida para a maioria pobre da população, pertencente a um grande partido, cujo defeito nunca foi a ausência de militância, e sim, talvez, o seu excesso, e ligado umbilicalmente a uma enorme quantidade de organizações e movimentos sociais.
É claro que isso representaria um outro trauma social grave, oferecendo perigosos desdobramentos, e o pior deles seria a criação de uma nuvem de suspeita sobre o processo democrático. Afinal, as campanhas mobilizam uma colossal carga de energia. As pessoas concentram e canalizam suas forças políticas nesse momento. Se esta energia é jogada fora, e as eleições se tornarem antes um joguete de tribunais, então mudará completamente a química de tudo.
No exato momento em que os tribunais pisotearem o solo sagrado da soberania popular, repetindo a infâmia cometida em 64 pelos militares, eles atrairão para si o olhar terrível e implacável da história.
Assim como os juízes hoje, os militares também conseguiram, com ajuda de uma campanha midiática maciça, apoio popular para derrubarem um presidente.
Mais ainda: tiveram ajuda de potências estrangeiras. Tanto que, imediatamente após o golpe de 64, todos os cofres do tio Sam e dos grandes mercados de capitais, se abriram ao Brasil.
Hoje, o apoio ao golpe vem de um conjunto de forças econômicas não apenas obscuras, como traiçoeiras. O apoio do setores do chamado "mercado internacional" à direita brasileira é também uma falácia: um apoio especulativo, falso, enganador.
Se os "mercados" enganaram e golpearam os governos mais neoliberais da história da humanidade, o de Bush filho nos EUA e os governos conservadores europeus, a troco de que esperar solidariedade real dos mesmos em relação a eventuais administrações brasileiras conservadoras?
Entretanto, no momento em que marchamos tão próximos ao abismo é que precisamos de mais sangue frio, objetividade e calma. O nervosismo dá vertigens, desestabiliza, e nos faz ver apenas os adversários mais próximos, ignorando aqueles posicionados estrategicamente em posições mais distantes, à nossa espera.
E a única maneira de manter o espírito sereno é subir no alto de uma montanha e contemplar o grande quadro histórico, e não apenas do Brasil.
Para entender a política a gente precisa, de vez em quando, esquecer os jornais. Até porque, mesmo que os jornais, no Brasil, não fossem tão enviesados, ainda assim teríamos que esquecê-los de vez em quando, para deixar nossa mente elaborar sínteses com base em fundamentos mais largos do que as mesquinhezas do dia a dia.
Nos últimos dias, o blog fez movimentos que intrigaram alguns leitores, como elogiar e saudar a criação oficial da Rede, o partido de Marina Silva.
Num momento de forte tensionamento político, e com alguns partidos, sobretudo PSOL e PT, sofrendo importantes defecções para a Rede, entendo o nervosismo.
Para mim, foi um gesto de cavalheirismo político. A Rede é nova demais para que a julguemos com demasiada severidade. O alinhamento com Aécio Neves no segundo turno de 2014 foi uma opção pessoal, até onde eu entendi, de Marina Silva, o que foi, na minha opinião, um grave erro político, que inclusive quase matou a Rede na nascença.
Mas foi um erro de Marina, não da Rede - até porque esta ainda não existia oficialmente.
No entanto, da mesma maneira que não quero fazer críticas precipitadas a um partido criança, também não poderia jamais me alinhar a alguma coisa que não conheço.
A Rede ainda terá de comer muito feijão com arroz antes de poder se dar ao luxo de ter apoio de setores realmente importantes da sociedade, nos sindicatos, movimentos sociais e blogosfera.
No entanto, a coisa mais estúpida que poderíamos fazer é sermos sectários, o que é a antipolítica por natureza.
A luta democrática não se fundamenta na força e sim na persuasão, de maneira que sempre tentarei atrair a Rede e seus quadros, através de argumentos, para a direção das bandeiras progresssistas, e o perfil do novo partido pode ajudar a incluirmos, na pauta da política nacional, algumas agendas que têm sido tolamente postas de lado nos últimos anos, como a gestão inteligente do lixo e uma política de consumo de água mais racional.
Eu acho incrível, por exemplo, que no exato momento em que grandes cidades brasileiras vivem à beira de um perigoso colapso no abastecimento de água, nenhum governante, em qualquer instância (municipal, estadual ou federal), patrocine campanhas para o seu uso racional.
Todo mundo tem medo de receber, para si, a "culpa" da crise, e assim caminhamos todos, de mãos dadas, na direção do desastre.
No último post, comentando o discurso de Dilma na abertura da Conferência das Nações Unidas, faço críticas à presidenta que irritaram alguns leitores. Respeito as opiniões divergentes, mas preciso me defender. Algumas críticas não são justas, porque não entendem que uma liderança apenas consolidará seu carisma se as pessoas aprenderem a tolerar seus defeitos. E todos temos defeitos; os de uma liderança, por ser liderança, sempre são mais evidentes.
Quanto à inteligência mediana da presidenta, refiro-me à inteligência política e emocional dela que conhecemos publicamente. Dilma não é capaz, como Lula, de inventar respostas criativas aos ataques que sofre diuturnamente. Isso não significaria, necessariamente, menor capacidade de governo. Numa conjuntura política, porém, em que os elementos parecem girar cada vez mais estreitamente em torno da presidenta, suas características pessoais têm pesado no jogo bruto de forças que tem sido jogado.
Talvez o machismo da classe política e da sociedade tenha alguma influência, mas prefiro não entrar neste campo minado.
Dilma, de qualquer forma, tem sido o ponto fraco do governo.
Não é apenas uma opinião pessoal, mas algo que tenho conversado com muita gente. Isso posto, é preciso resolver esse problema. O blog já deu várias ideias, a começar pela mais óbvia: a montagem de um conselho político dotado de poder real de decisão. A situação como está, com peso excessivo sobre Dilma, mesmo que ela fosse o melhor cérebro político da nossa história republicana, não tem como dar certo. É desumano esperar de Dilma a solução da crise política. O massacre de que ela é vítima na mídia tem de ser combatido pelos partidos que a apoiam, e as soluções deveriam ser encontradas por um conselho. Para isso, no entanto, Dilma precisaria transferir poder, tirar um pouco o peso de seus ombros, o que não parece ainda ter acontecido.
Voltemos à montanha, de onde contemplamos a crise de cima, afastados temporariamente do ruído histérico das manchetes dos jornais, das iniciativas erráticas de um governo confuso e das turbulências de uma classe política embriagada pelos riscos de uma nova ruptura institucional.
O que vemos?
Não é uma grande e jovem democracia, excitada consigo mesma, orgulhosa de seu próprio corpo, ansiosa por riscos e experiências?
Mesmo essas conspirações midiático-judiciais, não seriam a consequência natural, necessária, do livre exercício da vida democrática, que não inclui apenas o voto, mas também os estamentos judiciais, usando as circunstâncias políticas para testar seus limites?
Uma das características mais assustadoras dos procuradores da Lava Jato, e do próprio juiz Sergio Moro, é a sua irresponsabilidade.
É como se eles estivessem brincando. Uma consultora respeitada estimou os prejuízos causados pela Lava Jato (causado pelas investigações, não pela corrupção) em mais de R$ 140 bilhões.
É lógico, portanto, que boa parte da crise econômica nasceu da Lava Jato e da forma como ela foi conduzida.
Os procuradores agora alegam que não pretendiam quebrar as empresas, que elas podiam continuar fazendo negócios com o Estado.
Mentira.
Desde o início, tratou-se as empresas com inaudita violência judicial. As cúpulas inteiras das empresas foram encarceradas sem que os réus sequer soubessem de que estavam sendo acusados. Em seguida, os executivos foram mantidos em prisão preventiva por quase um ano, antes que pudessem se defender, num terrorismo judicial só visto em regimes totalitários.
É lógico que esse terrorismo desestabilizou completamente a vida dessas companhias. Os executivos poderiam ter sido acusados, poderiam ter se defendido, poderiam ter feito acordos para pagar multas ou mais impostos, sem o trauma das demissões em massa, e sem afetar a economia brasileira num momento crítico da economia mundial.
Só que a própria estratégia da república do Paraná, de usar a prisão preventiva como forma de tortura para extrair confissões, exigia o máximo de violência.
Os procuradores exibiram um fanatismo moral que a imprensa, ansiosa por usar sua principal arma - produzir crises - transformou facilmente num discurso de forte apelo popular e demagógico.
A palavra "crime" deriva do latim "crimen", e significava decisão judicial; num sentido pejorativo, tinha o sentido de calúnia, injúria, falsa acusação.
Em todo o mundo clássico antigo, o fantasma que mais assustava os regimes democráticos e republicanos era a "falsa acusação", provavelmente porque entendiam ser o principal ponto fraco de um sistema cujo poder nascia do debate entre opiniões contrárias.
Montesquieu conta que, na Roma Antiga, os caluniadores eram marcados na testa, com ferro em brasa, com a letra K.
Ainda em latim, o adjetivo "criminosus" denotava "acusação infame, infamante, caluniosa.
O verbo "criminare" significava, principalmente, acusar caluniosamente.
Aqui no Brasil, os falsos acusadores são premiados. Quando corruptos, são perdoados pela justiça. Quando jornalistas, são promovidos.
É com base, portanto, numa doutrina corrompida, baseada na calúnia, na mentira, na tortura psicológica, na irresponsabilidade, sustentada por uma mídia decadente que tenta, num gesto desesperado, aplicar um último golpe contra nossa democracia, que os estamentos judiciais tem levado adiante suas conspirações.
Infelizmente, talvez seja o movimento necessário para expor os vícios do judiciário, um setor que precisa ser oxigenado pela democracia.
Sim, porque essas conspirações um dia serão expostas e seus protagonistas se converterão em vilões - como tem acontecido, tantas vezes, em todo o mundo. A história não guarda rancor dos criminosos, mas jamais perdoa as violências do Estado contra os indivíduos.
Sejamos fortes e confiantes. A democracia brasileira resistirá a todos os golpes, a todas as conspirações, a todas as crises econômicas e políticas, porque ela ainda está amadurecendo. A cada cinco ou sete anos, milhões de adolescentes entram na vida adulta, outros milhões se consolidam em suas carreiras e os mais velhos saem de cena, mudando completamente a química política nacional.
E o melhor: a grande mídia é cada vez menos influente.
Todas as grandes nações emergiram mais fortes de suas lutas sociais domésticas. Roma antiga apenas se consolidou após séculos de embates políticos entre plebeus e patrícios, com a vitória dos primeiros.
Neste sentido, o sectarismo ideológico, ao negar importância, ou mesmo legitimidade, às aspirações da classe trabalhadora, e ao destilar preconceito contra a esquerda, parece tão idiota, visto que são destas aspirações e suas lutas que nascem as forças que darão grandeza ao país.
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