quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O escândalo Volkswagen visto de perto

Por Flavio Aguiar, no site Carta Maior:

Tudo começou com a melhor das intenções. Em meados de 2014, Peter Mock, militante do International Council of Clean Transportation, na Europa, decidiu fazer alguns testes para provar que os carros movidos a diesel poluíam menos do que os outros. Pôs-se na estrada com um deles, e ficou surpreso com o resultado: havia uma discrepância grande entre os índices de poluentes na estrada (o que compreende também ruas urbanas) e aqueles obtidos nos laboratórios de fiscalização. Por “laboratório” entenda-se uma situação que envolve circulação, mas em condições artificiais. Outra coisa é o carro nas mãos do cidadão comum, com dívidas a pagar (inclusive a do próprio carro), premido pelo tempo, espremido no trânsito (imagine em S. Paulo ou outra metrópole brasileira), reduzindo revisões e ajustes do motor, etc.

Peter comunicou o fato a seu colega norte-americano John German. Este, por sua vez, resolveu fazer testes nos Estados Unidos, a partir da Universidade de West Virginia, uma das melhores no ramo tecnológico, nos Estados Unidos. Um dos carros escolhidos foi da Volkswagen. E a discrepância constatada era enorme, muito maior do que a europeia.

O caso foi parar na Agência de Proteção ao Meio-Ambiente do governo federal, e daí seguiu ao Ministério da Justiça. No começo, a Volks norte-americana tergiversou. Apontou problemas técnicos, itinerários, etc. Mas muitos etc. depois, com o avanço das investigações, a poeira se dissipou e o problema veio à luz.

A empresa instalara um software malicioso nos carros, que detectava quando o carro seria submetido a um teste (já que os modelos eram escolhidos ao acaso). Neste momento, o software malandro mudava o sistema de leitura, apresentando índices mais baixos de poluentes.

Agora a Volks norte-americana vai ser processada, com uma indenização à vista que pode chegar a 18 bilhões de dólares. Além disto, teve de ordenar o recolhimento de 482 mil unidades de carros produzidos nestas condições. O CEO da empresa deu uma declaração que foi traduzida de diferentes maneiras, indo desde “nós fizemos bobagem” até “nós ferramos tudo”, embora eu imagine que, pelo menos em particular, ele tenha dito “we fucked it all over”.

Mas o problema não parou aí. Diante das noticias, a Coreia do Sul, o Japão, a Alemanha, a França e a Itália começaram também a investigar. Um detalhe: os carros a diesel, nos Estados Unidos, representam 3% da frota. Na Europa, são 50%.

De imediato, as ações da Volks caíram 20% nas bolsas, em um único dia, bolsas que, “nervosamente” como sempre, já estão pressionadas pela crise dos refugiados, da Grécia, etc. Outras empresas do setor também tiveram desvalorizações: a GM, a Ford, a Fiat Chrysler, a BMW, a Daimler-Benz, a Renault

O diretor-presidente da VW alemã, a matriz, Martin Winterhorn, está sob pressão para renunciar, acusado de saber de tudo e não ter feito nada para parar o esquema.

Graças à fraude, estima-se que esta frota de carros possa ter lançado um excedente de 1 milhão de toneladas de poluentes na atmosfera - por ano. Que poluentes? Sobretudo dois: o óxido de nitrogênio (NO) e o dióxido de nitrogênio (NO2). O primeiro causa danos ambientais, mas o segundo, além disto, causa danos às vias respiratórias dos seres humanos e outros bichos.

Outro problema correlato (colateral, como os mercados gostam de dizer). A Volks está para a identidade coletiva alemã assim como a Petrobrás está para a brasileira e o xisburguer para a norte-americana, ou a baguete para a francesa. A pátria interior dos cidadãos da terra de Goethe está mortalmente ferida e mortificada. Já não bastava o caso interminável do aeroporto de Berlim, cuja construção não termina nem vai terminar em breve, tendo sido postergado sine die e sine preço, uma vez que parece haver partes que terão de ser demolidas e reconstruídas. Agora tingiram mortalmente a Alemanha sobre rodas, a empresa que, fundada no período nazista, em 1937, sobreviveu a ele, à Segunda Guerra, e tornou-se um símbolo do chamado “milagre alemão” do pós-guerra.

Um fiasco de grandes proporções.

Um detalhe

O motor diesel foi inventado por um engenheiro alemão, embora nascido em Paris, em 1858, Rudolf Diesel. Seu pai era de Augsburg, na Baviera, para onde ele foi enviado, ficando na casa de um tio que era professor na Escola de Engenharia. Rudolf tornou-se engenheiro, e em 1890 mudou-se para Berlim, onde desenvolveu o motor que acabou levando seu nome. Em 1913 Diesel desapareceu, depois de embarcar no navio Dresden, na cidade de Antuérpia, na Bélgica, que seguia para Londres.

Na noite em seguida ao embarque, em 29 de setembro, Diesel se recolheu a seu camarote, e nunca mais foi visto. Dez dias depois um cadáver em adiantada decomposição foi recolhido por um navio holandês perto da Noruega. O cadáver foi devolvido ao mar, mas alguns objetos foram recolhidos (caixa de óculos, um canivete, uma carteira de identidade, pílulas, uma carteira) e foram identificados por Eugene Diesel como pertencentes a seu pai. A estranha morte deu lugar a várias teorias conspiratórias sobre uma possível eliminação de Diesel por razões militares ou concorrência, mas a hipótese hoje aceita como mais provável é a de suicídio.

* Publicado originalmente no Portal Inova ABCD.

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