quinta-feira, 2 de junho de 2016

Inquisidor da UNE, Feliciano é caloteiro

Por Conceição Lemes, com Garganta Profunda [*], no blog Viomundo:

O deputado federal Marco Feliciano foi autor do projeto que deu origem à CPI da União Nacional dos Estudantes, a UNE.

O requerimento foi aprovado no apagar das luzes do mandato de Eduardo Cunha como presidente da Câmara.

Feliciano pretende saber mais sobre as finanças da UNE.

Ele quer investigar os R$ 44,6 milhões recebidos pela entidade a título de indenização por danos que sofreu durante a ditadura militar, bem como detalhes da associação da UNE com a empresa de negócios imobiliários CBRE, que ergueu prédio de 12 andares no terreno da UNE na praia do Flamengo e aluga salas do empreendimento.

A UNE acredita que a CPI é apenas o primeiro movimento do governo Temer para perseguir os movimentos sociais, retomando algo que o Brasil assistiu com frequência ao longo dos 21 anos da ditadura militar.

O curioso é que a iniciativa tenha partido logo de Feliciano, que tem um imenso telhado de vidro quando se trata de finanças.

O deputado do Partido Social Cristão já foi alvo de sete ações judiciais para pagamento de impostos e recolhimento do FGTS em duas das empresas que mantém em Orlândia, sua base eleitoral.

Um levantamento do Viomundo naquela comarca revelou:

Processo: 0001564-78.2014.8.26.0404 — Execução Fiscal (2014)
Resumo: Justiça mandou cobrar pagamento de R$ 6.969,65 de impostos devidos por uma das empresas de Feliciano, a Kakeka Comércio Varejista de Brinquedos, na qual ele é sócio da mulher Edileusa de Castro Silva Feliciano. Situação: Extinto. O deputado parcelou e pagou a dívida.

Processo: 0001563-93.2014.8.26.0404 — Execução Fiscal / ICMS (2014)
Resumo: Justiça mandou cobrar pagamento de R$ 18.172.50 de ICMS devido por uma das empresas de Feliciano, a Kakeka Comércio Varejista de Brinquedos. Situação: Em andamento. Parcelou a dívida.

Processo: 0001283-25.2014.8.26.0404 — Execução Fiscal / FGTS (2014)
Resumo: Justiça mandou cobrar pagamento de R$ 24.134,69 de FGTS devido por uma das empresas de Feliciano, a Kakeka Comércio Varejista de Brinquedos. Situação: Em andamento. Em 2015, a Justiça bloqueou o valor na conta de Feliciano para garantir que ele pague a dívida.

Processo: 0001708-86.2013.8.26.0404 — Execução Fiscal / Dívida Ativa (2013)
Resumo: Justiça mandou cobrar pagamento de R$ 35.167,50 de impostos federais por uma das empresas de Feliciano, a Kakeka Comércio Varejista de Brinquedos. Situação: Em andamento. Em abril de 2016, o processo foi suspenso porque o deputado parcelou a dívida.

Processo: 0002360-74.2011.8.26.0404 — Execução Fiscal / Multas e demais Sanções (2011)
Resumo: Justiça mandou cobrar pagamento de R$ 26.654,52 de multa por não pagar impostos federais por uma das empresas de Feliciano, a Kakeka Comércio Varejista de Brinquedos. Situação: Arquivado provisoriamente sem pagamento. A União mandou arquivar quando uma portaria da Fazenda autorizou a suspensão de execução de dívidas fiscais de valores considerados baixos.

Processo: 0002358-07.2011.8.26.0404 — Execução Fiscal / Dívida Ativa (2011)
Resumo: Justiça mandou cobrar pagamento de R$ 28.580,26 de impostos federais por uma das empresas de Feliciano, a Marco Antônio Feliciano Empreendimentos Culturais. Situação: Em andamento. Em 30 de junho de 2015, um oficial de justiça citou o deputado, que não pagou a dívida. O mesmo oficial disse que não localizou bens livres de Feliciano que pudessem ser penhorados.

Este último detalhe chama a atenção. O pastor Marco Feliciano sempre propagou sua origem humilde. Talvez uma forma de incentivar fiéis a doar à Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, que criou em Orlândia e transformou num mini império neopentecostal.

Porém, segundo dados oficiais informados ao TSE, o pastor teve uma evolução patrimonial de 111,3% entre 2010 e 2014.

Seus bens saltaram de R$ 634.800,00 para R$ 1.341.464,92 em quatro anos.

Como é que um milionário não tem dinheiro para pagar em dia seus impostos, as dívidas relativamente irrisórias de suas empresas ou bens para cobrir os valores em casos como o da pretendida penhora?

Considerem, para efeito de comparação, o que aconteceu com Chico Alencar, do Psol, no mesmo período: o patrimônio foi de 221 mil em 2010 para 189 mil em 2014, queda de 14,5%.

Alencar não é dono de igreja, nem atrasa pagamento de impostos.

Um gastador da verba parlamentar

Todo congressista brasileiro tem direito a mordomias. É dinheiro público, para permitir que tenha condições de exercer o mandato.

Na Câmara, são 78 mil mensais para contratação de pessoal de gabinete. Mais R$ 3.800,00 de auxílio-moradia para quem não recebe um apartamento funcional gratuito.

Periódicos e material de expediente também são bancados pelo Congresso, além de 130 mil páginas de serviços gráficos por semestre.

Finalmente, existe a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, a CEAP, que varia por conta do preço das passagens aéreas.

Para um parlamentar paulista, é de R$ 37.043,53 mensais, ou R$ 444.522,36 anuais.

Uma bolada, cujo uso obedece a uma série de regras.

O dinheiro não pode ser usado para fazer campanha política, nem para comprar serviços de empresas dos próprios deputados, por exemplo.

Diz a regra: “Não se admitirá a utilização da cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa ou entidade da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o deputado ou parente seu até o terceiro grau”.

O reembolso de algumas despesas depende da apresentação de notas fiscais.

A “divulgação da atividade parlamentar” é uma rubrica frequentemente utilizada por alguns deputados. O valor efetivamente gasto por eles varia enormemente.

Em 2015, por exemplo, Tiririca (PR-SP) utilizou pouco mais de R$ 147 mil da CEAP, Paulo Maluf chegou aos R$ 327 mil, enquanto o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) passou dos R$ 425 mil.

É um padrão curioso o dos gastos de Feliciano: as notas que realmente pesam na contabilidade do mandato são emitidas por duas empresas de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, bem distantes de seu domicílio eleitoral em Orlândia: de uma gráfica e de uma gravadora.



Seo Raimundo: não existe gravadora no endereço da gravadora

Gravadora não existe em casa de família

A gravadora fica na rua Tupã, 91, Parque Paulista, em Franco da Rocha.

Ou deveria ficar, de acordo com as notas fiscais que emite.

Nosso repórter esteve lá.

Bateu palmas e tentou contato com alguém, sem sucesso.

Percorreu a rua perguntando aos vizinhos sobre a gravadora, cujo nome de fantasia é Menorah Music. Nos registros oficiais, a atividade da empresa é “produção de filmes em vídeo”.

Ninguém tinha ouvido falar de uma gravadora ali, ou de um morador do bairro que prestasse serviços ao pastor Feliciano.

O vizinho, dono de uma empresa que produz massas, estranhou.

O barbeiro da rua também, mas deu uma dica: quem mora neste endereço é o seo Raimundo, ele tem um negócio na avenida.

Nosso repórter bateu perna pela região até encontrar o seo Raimundo numa empresa que fornece botijões de gás.

Primeiro, ele confirmou que em sua casa funcionava uma gravadora.

Depois, voltou atrás.

Tinha apenas emprestado o endereço a uma moça, de nome Suzana, para montar a empresa. Na versão dele, quando surgem gravações a fazer ela recorre a terceiros para dar conta do serviço.

Suzana não mora na rua Tupã, de acordo com seo Raimundo. Ah, e esta moça não é minha filha, não, ele disse.

Não tivemos tempo de perguntar se Raimundo Alves de Lima é sócio da filha Suzana de Oliveira Silva Lima numa lanchonete na avenida Cavalheiro Angelo Sestini, em Franco da Rocha, nem o grau de relação desta família Silva Lima com o pastor Marco Feliciano ou a esposa dele, Edileusa de Castro Silva Feliciano.

Seo Raimundo se irritou quando nosso repórter sacou o celular para fazer fotos e colocou a reportagem para correr.

Segundo a assessoria do deputado, a Menorah Music presta “serviços de confecção de DVDs com mensagens institucionais do Dep Pr Marco Feliciano que são distribuídos aos interessados — eleitores ou não — que se interessam pelas atividades parlamentares; orientamos as pessoas que façam cópias e nos ajudem a divulgar, pois só conseguimos produzir quantidade limitada”.

Em 2015, segundo a assessoria, foram 25 mil DVDs. Naquele ano o mandato pagou R$ 90 mil à gravadora.

Desde dezembro de 2013, no entanto, a Menorah Music já emitiu cinco notas para o mandato do pastor Feliciano, totalizando R$ 328 mil!

Dois processos em andamento no STF

O histórico do pastor Marco Feliciano quando se trata de gastos com dinheiro do Congresso não o ajuda.

Ele responde ao inquérito 3646 no Supremo Tribunal Federal.

A representação partiu dos colegas Jean Wyllys, Érika Kokay e Domingos Dutra.

Feliciano teria utilizado os R$ 78 mil mensais da verba de gabinete para contratar “assessores parlamentares” que, na verdade, atuam em sua igreja.

Ouvidos pela polícia, os contratados confirmaram trabalhar na igreja, no estado de origem de Feliciano, mas afirmaram que isso não os impedia de prestar assessoria parlamentar.

O caldo entornou, no entanto, quando um dos funcionários voltou atrás.

Wellington Josoé Faria de Oliveira deu entrevista ao Estadão depois de perder o emprego, responsabilizado por publicar na internet um vídeo com ofensas aos três adversários de Feliciano acima citados.

O vídeo acusava Wyllys de ter preconceito contra cristãos. Feliciano negou ter sido o responsável pelo ataque.

“Ele adorou, comprou a ideia e mandou realizar o vídeo, inclusive aprovou por e-mail, só não queria assumir como nosso”, disse Wellington na entrevista, cujo conteúdo confirmou posteriormente à Polícia Federal.

Ele também respaldou denúncia feita originalmente pela Folha de S. Paulo sobre pagamento a funcionários da igreja através de verbas de gabinete.

Do grupo de assessores fantasmas, segundo Wellington, fariam parte a bispa Roseli Alves Octávio, que trabalha na Catedral do Avivamento em Orlândia, o filho dela Rafael Alves Octávio (Franca), Adilson Santos de Brito (Guará) e André Luís de Oliveira (São Joaquim da Barra). Também é mencionado no inquérito do STF Joelson Heber da Silva Tenório.

O relator do caso, ministro Celso de Mello, em 26 de abril último despachou pedindo à PF que conclua as investigações.

Confirmado, o depoimento de Wellington pode complicar Feliciano, que conseguiu se livrar de outro inquérito.

O deputado pastor foi acusado de discriminar homossexuais por ter escrito num tweet: “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, a rejeição”.

O STF entendeu que a discriminação por orientação sexual não é crime previsto em lei e arquivou o caso.

Porém, o ministro Luís Roberto Barroso fez uma observação ferina ao criticar o comportamento do deputado pastor Marco Feliciano em relação aos homossexuais: “Eu me lembro sempre de uma passagem do Freud, que dizia que por trás de toda interdição existe um desejo”.

* Garganta Profunda é jornalista investigativo com 20 anos de experiência.

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