Parte do grupo que apeou Dilma Rousseff do poder, empresários, rentistas e banqueiros engrossam o coro pela prisão de Lula, apesar de terem ampliado seus lucros durante as gestões do petista. De acordo com o sociólogo Robson Sávio Reis, a postura reflete a falta de compromisso das elites econômicas com o país, seu ódio de classe e uma tentativa de manter a agenda neoliberal em curso.
“As elites econômicas não somente não têm projeto para o país, como nunca tiveram preocupação com o povo. Sempre se contentaram de serem subsidiárias do capitalismo internacional. Prova disso tudo é que, nas rupturas democráticas de 2016 e 1964, a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e suas instituições satélites estiveram por trás do apoio e do financiamento aos golpes”, diz, em entrevista ao Vermelho.
Nos últimos dias, enquanto uns empresários liberaram seus funcionários para atos contra Lula, outros financiaram aberta ou veladamente campanhas contra o ex-presidente, disfarçadas de defesa da moralidade. Anunciadas como “espontâneas”, manifestações foram convocadas em propagandas pagas – e caras – em diversos veículos de comunicação.
A Fiesp, que esteve na linha de frente do impeachment, estampou a bandeira do Brasil na fachada de seu prédio, na Avenida Paulista, durante o protesto contra Lula nesta terça (3). De acordo com a Folha de S. Paulo, lá perto, a empresária Cleusa Garfinkel, da família dona da seguradora Porto Seguro, pregou que a prisão do líder político deveria acontecer “para moralizar um pouco”.
Há também o tal “mercado”, a celebrar cada derrota de Lula, com dólar em queda e bolsa em alta. A leitura dos agentes financeiros é a de que é preciso preservar a agenda neoliberal e afastar qualquer possibilidade de retomada do projeto popular e inclusivo levado adiante nas gestões petistas.
Uma elite liberal amparada pelo Estado
“Tem uma coisa atravessada dos setores das elites brasileiras em relação ao Lula”, disse Gilberto Gil, em fevereiro deste ano, sobre a situação política do país. O sociólogo Robson Sávio concorda. Ele aponta que o posicionamento anti-Lula do topo da pirâmide social brasileira tem mesmo muito mais a ver com seus próprios interesses que com qualquer razão mais nobre.
Sávio indica as contradições desse extrato social, que apesar de liberal no discurso, depende do Estado quando lhe convém e, apesar de criticar a corrupção no setor público, é muitas vezes o agente dessa corrupção.
“Temos aqui um fenômeno dos mais paradoxais. As elites econômicas são as que mais propagandeiam a ineficiência do Estado e o Estado como algo que atrapalha a economia. Mas esses mesmos empresários dependem o tempo todo do Estado e muitos usam da corrupção de agentes do Estado para favorecer tais empresas. Mais que isso: quando essas empresas têm problemas, como dívidas tributárias, elas cobram que o Estado lhes socorra. Para elas, o Estado não serve para nada, mas serve para favorecer seus interesses empresariais”, critica.
Capitalismo sem consumidores e ódio de classe
Segundo ele, o empresariado nacional é “atrasado” e não percebe que só teria a lucrar com políticas inclusivas que aumentam o poder de compra dos trabalhadores e ampliam o mercado consumidor.
“Ao invés de ter um empresariado que procura melhorar seu sistema de produção, gerar mais empregos, dinamizar a economia, você fica com um esquema empresarial que serve simplesmente para fornecer produtos para 30% da população, que é a classe média. Não se percebe que, no capitalismo, quanto mais consumidores, mais o empresariado ganha e o capitalismo viceja”, afirma.
Para o sociólogo, é essa mentalidade que está por trás da tentativa de tirar o nome do ex-presidente da cena política e, principalmente, da urna. Ao lembrar que, durante as gestões de Lula, a economia cresceu e empresários e banqueiros lucram como nunca, ele avaliou que “só o ódio de classes” pode explicar o atual cenário.
“Foi um momento de grande possibilidade de expansão do parque industrial, dos setores de serviços e comércio, pelo incremento do consumo. Então só se explica pelo ódio de classe. Há uma ideia de que os pobres não merecem participar sequer de uma sociedade de consumo, devem permanecer como cidadãos de segunda categoria, a fornecer mão de obra barata”, condena.
O sociólogo acusou a elite econômica nacional de ser incapaz de crescer incluindo seus conterrâneos nesse processo. “As pessoas, lá fora, às vezes não entendem como pode haver um empresário tão primitivo em termos de conceito, porque são liberais que beiram um ‘iliberalismo’. Não conseguem sequer ser liberais conservadores, no sentido de ampliar a sua base de consumidores, para ampliar sua produção e ganhar mais dinheiro. O que eles querem ganhar é através de benesses do próprio Estado que eles criminalizam e com processos de corrupção nos mais diversos níveis”, coloca.
Cutucando o Deus-mercado
Como o próprio Lula costuma dizer, durante o período da expansão do consumo em seu governo, um dos setores que mais teve lucros foi o financeiro. Passados alguns anos, o tal “mercado” agora melhora seu “humor” cada vez que a Justiça decide contra o petista.
Robson Sávio avalia que a reversão na postura desse segmento tem origem na percepção, por parte da esquerda, de que, para o país avançar, seriam necessárias reformas estruturais, que atingem em cheio os interesses dos mais ricos.
Ele ressalta que a simpatia da elite financeira em relação aos governos petistas foi embora assim que a Dilma Rousseff passou a usar os bancos públicos para reduzir as taxas de juros.
“Depois de tudo que aconteceu, fica claro que é preciso algumas reformas estruturais e isso tem a ver, por exemplo, com mexer no sistema tributário, taxando grandes fortunas, e com mais regulação do sistema financeiro. Isso ameaça o status quo do sistema financeiro”, afirma.
A ameaça do avanço
O sociólogo analisa que Lula – assim como outros candidatos da esquerda – deu sinais de que alteraria, em um futuro governo, a lógica atual do Estado que se coloca a serviço do rentismo internacional.
“Numa perspectiva de um próximo governo [de esquerda], me parece que alguns erros não seriam cometido mais. Portanto, o setor financeiro hoje agarra-se ao modelo neoliberal em curso, que, ao reduzir o máximo a capacidade de ação do Estado na sua vertente social, acaba propiciando um ganho de rendimentos especulativos ainda maiores ao sistema financeiro, que no Brasil já são os maiores do mundo”, diz.
De acordo com ele, o alto grau de desregulamentação do sistema financeiro nacional tem possibilitado lucros “absurdos” para poucos, em detrimento de melhorias para a maioria do povo: “Nos discursos atuais do Lula e na pressão de setores da esquerda, isso é um dos pontos que aparecem, porque precisam ser mexidos para o Brasil dar um salto em termos de diminuição das desigualdades. Aquele dado de que seis brasileiros têm a mesma renda de 100 milhões de trabalhadores é o fim do mundo”.
Robson Sávio afirma que, à frente das pesquisas, Lula representa a possibilidade de reformas democráticas. “O Lulinha paz e amor parece que ficou para trás. Lula passou a ser uma ameaça para esses interesses”, conclui.
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