sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Por que Alckmin ainda não é ficha suja?

Por Piero Locatelli, no site The Intercept-Brasil:

Roubo do dinheiro da merenda, propina da Odebrecht, compra de votos e superfaturamento de obras. Escândalos como esses aconteceram em São Paulo ao longo dos últimos 23 anos, desde que Geraldo Alckmin começou a frequentar o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Ninguém trabalhou tanto tempo ali. Ainda assim, nenhum desses escândalos grudou no candidato do PSDB para a Presidência.

Entre idas e vindas, Alckmin governou São Paulo por 12 anos. Também ocupou o cargo de vice-governador, secretário de Desenvolvimento e presidente do Programa Estadual de Desestatização do estado. A forma como ele sobreviveu tanto tempo sem que os escândalos colassem na sua imagem é explicada por um caldo que tem como ingredientes um Ministério Público estadual fraco, uma base forte na Assembleia Legislativa e algumas decisões amigáveis do Judiciário.

Seu maior baque veio na primeira semana deste mês: o Ministério Público do Estado pediu a cassação dos seus direitos políticos devido à acusação de ter recebido até R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht na campanha eleitoral de 2014, com o objetivo de ocultar fraudes na construção de uma linha de metrô na cidade.

Para lembrar de mais de duas décadas de escândalos, fizemos um levantamento dos principais casos que bateram na trave de Alckmin – e o procuramos para responder por que ele não percebeu o que acontecia embaixo do seu nariz.

1. Máfia da Merenda

Este é o escândalo que deixou Alckmin mais bravo. Não à toa, ele pediu a quebra de sigilo e a retirada do ar de perfis que o chamaram de “ladrão de merenda” – e conseguiu, graças a uma decisão do TJSP relatada pelo desembargador Teixeira Leite.

Tucanos eram acusados de desviar o dinheiro destinado à compra de suco de laranja para crianças em 2014 e 2015. A verba, roubada do governo do Estado e de 30 prefeituras, abasteceria campanhas eleitorais e ajudaria lobistas e políticos a enriquecer.

No esquema, uma cooperativa agrícola fingia comprar de pequenos agricultores, mas destinava o dinheiro a grandes fornecedores e políticos. Tudo isso com licitações fraudulentas.

A cara do escândalo foi a do deputado estadual tucano Fernando Capez, então presidente da Assembleia Legislativa. Na cena mais emblemática, descrita por um procurador, ele esfregou os polegares pedindo dinheiro e dizendo “não esquece de mim, ein, (…) estou sofrendo em campanha”.

Coube à Procuradoria Geral de São Paulo investigar o roubo. No total, oito pessoas foram denunciadas. O ex-chefe de gabinete da Secretaria de Educação, Fernando Padula, chegou a ser denunciado por corrupção passiva, por fazer vista grossa ao problema.

Apesar de todo o escândalo ter acontecido no seu governo, o nome de Alckmin sequer aparece na denúncia do procurador-geral, Gianpaolo Poggio Smanio. Em paralelo, uma CPI na Assembleia Legislativa também responsabilizou 20 pessoas, mas nenhum político tucano.

Procuramos a campanha de Alckmin para responder cada uma das acusações. Na resposta, sua assessoria disse que não houve máfia da merenda dentro do governo de São Paulo. “Houve fraudes comandadas por uma cooperativa na venda de suco de laranja ao Estado. A Coaf fingia comprar de pequenos agricultores, quando, na verdade, adquiria o produto de grandes fornecedores”, diz a nota, sem assinatura. “O governo paulista foi vítima do esquema, assim como pelo menos outros cinco Estados”, concluiu o texto.

2. O “Santo” da Odebrecht

As ecumênicas delações da Odebrecht, divulgadas em janeiro de 2017, também envolveram Alckmin, cujo apelido nas famosas planilhas da empresa era “Santo”. A companhia alegou que pagou ao político R$ 8,3 milhões em propinas, que eram entregues em dinheiro vivo em quartos de hotéis.

Contra a vontade de procuradores da Lava Jato, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, transformou a denúncia sobre Alckmin em um problema eleitoral em abril deste ano, enviando o caso para o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Isso facilitou a vida do tucano: em vez de responder pelo crime de corrupção e ficar no caminho da operação, considerada mais rigorosa, Alckmin vai se defender na Justiça Eleitoral, como se a denúncia fosse um problema menor de financiamento ilegal de campanha.

Quem pediu para que Alckmin fosse salvo neste caso foi o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia. Coincidentemente, tudo aconteceu entre amigos: o procurador é primo de José Agripino Maia, senador do DEM e aliado de longa data do governador tucano.

Alckmin se livrou de novas investigações da Lava Jato. Isso, porém, não impediu que o promotor Ricardo Manuel Castro pedisse que o governador fosse condenado à perda de seus direitos políticos. Agora, o PSDB estuda ir ao Conselho do Ministério Público contra o promotor.

Alckmin não respondeu diretamente sobre a Odebrecht. Na resposta, a assessoria diz que “Geraldo Alckmin tem 46 anos de vida pública e nunca foi acusado de ter recebido qualquer valor ou qualquer bem ilegalmente. Sempre viveu de salário e remunerações pagas em troca de seu trabalho. Não enriqueceu na política. Não acumulou patrimônio.”

3. A caixa preta da água

Em 2015, São Paulo teve cenas de Mad Max por causa da falta d’água. Mais de 70% dos moradores da cidade tiveram o abastecimento cortado. Na eleição de 2014, a crise hídrica já era previsível. Mas Geraldo Alckmin só admitiu a existência de um racionamento após ser reeleito governador, em janeiro do ano seguinte.

Alckmin protagonizou cenas insólitas, como o momento em que inaugurou o volume morto da reserva da Cantareira. Além do ridículo dessas cenas, as gestões tucanas já haviam sido alertadas sobre o problema por um relatório de pesquisadores da USP ao menos quatro anos antes, mas nada fizeram para mudar o quadro.

O Ministério Público do estado ainda investiga o favorecimento de 13 empresas de engenharia em contratos realizados pela Sabesp, a companhia de saneamento paulista, entre 2008 e 2013.

Alckmin não foi responsabilizado mesmo tendo a companhia pública sob seu comando.

4. Propinoduto tucano

Investigadores localizados a quase 10 mil quilômetros de São Paulo fizeram mais para descobrir o chamado “propinoduto tucano” do que aqueles vizinhos do palácio dos Bandeirantes. O escândalo só foi revelado graças aos suíços, que enviaram documentos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica apontando superfaturamento e fraudes em licitação de trens e metrôs ligadas à empresa francesa Alstom.

O esquema não se restringia à Alstom e também envolvia outras multinacionais como a Bombardier e a Siemens. As empresas, segundo a Polícia Federal, fizeram um acordo para dividir contratos de manutenção e reforma as linhas de metrô e trem em São Paulo. Segundo o Ministério Público, o valor desviado foi de ao menos R$ 834 milhões.

O escândalo explodiu em 2012, mas a suspeita era de que ele acontecia desde 1998, quando Alckmin já era vice de Mario Covas. Apesar de ter chefiado o Executivo paulista em boa parte do período dos roubos, entre 2001 e 2006, Alckmin nunca foi responsabilizado.

Em uma esquisita lógica, foi Alckmin quem ameaçou processar a Siemens por formação de cartel, enquanto mantinha contratos com a empresa. Um delator da multinacional admitiu o esquema e apontou que três secretários de Alckmin receberam propina.

Neste caso, coube ao Supremo Tribunal Federal, em processo relatado pelo ministro Marco Aurélio, livrar a barra dos dois aliados de Alckmin citados no caso – o tucano José Anibal e Rodrigo Garcia, do DEM.

Além de não ter sido denunciado, Alckmin fez mais: ele perdoou uma dívida de R$ 116 milhões da Alstom com o governo do estado, referente a atrasos nas linhas de trem e em obras. Embora envolvesse dinheiro público, o perdão veio num acordo extrajudicial cujas cláusulas e razões permanecem ocultas. O Ministério Público chegou a pedir a suspensão do perdão, mas foi ignorado.

A assessoria de Alckmin afirmou que “criou uma comissão independente para acompanhar as investigações e foi à Justiça para obter ressarcimento.” Também disse que o esquema atingiu o Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

5. Escândalo da Nossa Caixa

O banco Nossa Caixa foi investigado por favorecer deputados na Assembleia Legislativa quando Alckmin foi governador em 2005. Na época, o governo do estado era dono do banco, e verbas de publicidade operadas por ele teriam sido usadas em troca de votos.

O deputado estadual Afanasio Jazadji, do então PFL (atual DEM), afirmou que recebeu uma oferta do próprio governador para que deixasse de criticá-lo em troca das verbas de publicidade. “Eu teria ajuda desde que deixasse de criticar os secretários da Segurança Pública, da Administração Penitenciária e da Educação nos meus programas de rádio e de TV,” disse o deputado.

O esquema não se referia a uma ou outra publicidade feita pelo Nossa Caixa. Segundo uma auditora do banco e uma investigação do Ministério Público do Estado, de um total de 278 operações avaliadas na época, havia irregularidades em 255 – quase 92% delas. Entre elas, serviços não prestados e pagamentos feitos sem as autorizações necessárias.

Nesse caso, o governador tucano se livrou pela completa incapacidade da oposição de abrir uma CPI efetiva. Em um jogo de empurra, o PT chegou a levar o caso ao Supremo Tribunal Federal, mas ele nunca deu em nada. Enquanto isso, o governador manteve um acusado do escândalo em seu governo.

Em 2009, a promotoria moveu uma ação contra quatro diretores pelo caso – Alckmin, é claro, ficou de fora.

6. Rodoanel

Uma única obra dos governos tucanos, o trecho norte do Rodoanel, resultou no roubo de R$ 600 milhões do dinheiro do governo, segundo a Polícia Federal e o Ministério Público. Somente uma das pessoas envolvidas no esquema tinha R$ 113 milhões em contas na Suíça: Laurence Casagrande, ex-secretário de transportes de Alckmin. Líder do esquema, Casagrande também foi presidente da empresa do estado que controla a construção de rodovias, a Dersa, Desenvolvimento Rodoviário S/A.

Mais de uma centena de milhões de reais em um paraíso fiscal não foi o suficiente para abalar a confiança de Alckmin em Casagrande. No último dia 23 de junho, Alckmin descreveu seu antigo secretário de transportes como uma “uma pessoa séria (…) com uma enorme folha de serviços ao estado.” Dois dias antes, ele havia sido preso em um desdobramento da operação Lava Jato.

Segundo a assessoria de Alckmin, “existe uma discussão técnica envolvendo uma concessionária privada e um órgão público a respeito de um item da maior obra da América Latina”. “É uma obra viária licitada, financiada e rigorosamente fiscalizada por um órgão internacional, o BID, e pelo menos outras quatro instâncias independentes”, diz o texto.

Houve também queima de arquivos. Uma auxiliar de Casagrande foi voluntariamente à PF para dizer que destruiu documentos ligados ao casodentro do órgão público por ordem do seu próprio chefe, sem saber do que eles tratavam.

Casagrande foi solto na última semana pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Alckmin ainda passa intacto no caso.

A assessoria do candidato disse que “Laurence Casagrande foi indiciado quando já não era secretário de Estado – nem Alckmin, governador”. “Cobrar sua demissão, portanto, é ignorar não apenas o devido processo legal, mas a lógica. O mesmo se pode dizer da tentativa de ligar as relações de parentesco de um vice-procurador da República a uma decisão do STJ. Tamanhos absurdos não podem cair apenas na conta da ignorância. Denotam absoluta má-fé”, escreveu a assessoria do candidato.

7. Venda da Eletropaulo

Os problemas próximos a Alckmin não começam com ele no cargo de governador, assumido em 2001. Um deles, por exemplo, data de 1998, quando ele comandava o programa de privatizações em São Paulo, que vendeu, entre outros, a Eletropaulo, a maior empresa de energia elétrica da América Latina.

A companhia foi vendida à americana AES por US$ 2 bilhões, valor considerado baixo para o patrimônio da empresa. “O processo de avaliação e privatização da Eletropaulo foi feito por um método que, para nós engenheiros, não retrata o valor patrimonial em função das suas instalações, de seus equipamentos”, disse, à época, João Batista Serroni de Oliva, Coordenador do Grupo de Trabalho para a reavaliação patrimonial da Eletropaulo.

As acusações geraram uma CPI, que produziu mais acusações, que não deu em nada. Elas foram enterradas em 2008 pela base tucana na Assembleia, durante a gestão de José Serra no governo do estado. Nenhum dirigente do PSDB foi denunciado pelo caso. Alckmin, que comandou todo o processo, claro, também não.

8. Superfaturamento de casas

Alckmin se orgulha de o estado de São Paulo ser o que mais investe em habitação no país, com o repasse de 1% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, para a área. O que ele não menciona são os escândalos de corrupção que envolvem essa grana.

Um operação da Polícia Civil prendeu 16 pessoas envolvidas em licitações fraudulentas e no superfaturamento de obras da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU, uma empresa ligada ao governo do estado.

Segundo o Ministério Público, o esquema passava pela LBR Engenharia e Consultoria, que forjava medições de serviços em empreendimentos da CDHU para viabilizar a liberação de valores pagos a fornecedores. A LBR financiou a campanha de Geraldo Alckmin em 2010… após o escândalo.

Mais uma vez, uma CPI instaurada foi incapaz de levar o caso adiante. Seu relatório não responsabilizava ninguém pelo roubo e afirmava que não havia sido possível chegar aos detalhes.

Acusado de ser o artífice do esquema, o ex-secretário de habitação Mauro Bragato, só foi condenado em outro caso, que envolvia o roubo, literalmente, do dinheiro do leite das crianças na prefeitura de Presidente Prudente.

9. Compra de votos

Por fim, outro modo padrão de atuar na corrupção nacional: a troca de votos e favores. Em 2005, quando Alckmin era governador, a Folha publicou uma conversa telefônica entre os deputados estaduais Romeu Tuma Jr., do PMDB, e Paschoal Thomeu, do PTB.

Eles discutiam o voto em Edson Aparecido, candidato favorito de Alckmin para a presidência do legislativo local. Thomeu dizia que o próprio governador havia prometido ajudá-lo, já que as suas seis empresas estavam “em situação muito difícil”. O governador iria ajudá-lo comprando seus terrenos por meio da CDHU.

Mesmo com o voto de Thomeu, Aparecido perdeu a eleição por apenas dois votos.

Como em todos os casos que também dependem da Assembleia Legislativa, ele não deu em nada. A promotoria disse que iria abrir um inquérito, porém ele não se desenvolveu após a morte do deputado Thomeu, no ano seguinte.

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NA NOTA ENVIADA ao Intercept, a assessoria de Alckmin fez outros comentários sobre a reportagem, que ainda não havia sido publicada – e, portanto, não havia sido lida pela campanha do tucano antes de responder às minhas perguntas. “A reportagem se utiliza de fake news, mistura casos desconexos e abusa das ilações irresponsáveis na tentativa de manchar a reputação de um político que não é apenas ficha limpa, é vida limpa.”

A nota também diz que “de um panfleto partidário como The Intercept não se espera isenção, mas seu total descompromisso com a apuração é chocante”, escreveu a assessoria, em uma nota sem assinatura, e antes de ler a matéria.

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