terça-feira, 23 de outubro de 2018

Discurso do ódio incentiva a violência

Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no site Tutaméia:

Em um segundo, na hora do voto, o país pode consolidar uma situação que provocará um tropeço histórico que poderá durar anos. É o que avalia o advogado Belisario dos Santos Jr. ao falar da eleição ao Tutaméia. Junto com centenas de personalidades do mundo do direito, ele assinou um manifesto em favor de Fernando Haddad (leia o conteúdo ao final deste texto). Para ele, hoje, “não há espaço para omissão”.

Nesta entrevista (acompanhe no vídeo), ele conta que a mobilização de advogados foi motivada pela necessidade de defender a democracia, os direitos humanos, o Estado de Direito, a Constituição. “Quem representa essa alternativa é o Haddad, no qual votamos”, declara.

“Tenho medo do discurso do ódio, que incentiva a intolerância, é contra a paz. Incentiva não só o discurso, mas ações”, diz, lembrando de casos de violência das últimas semanas – inclusive com uma funcionária do escritório de advocacia, que, ao protestar contra um assédio num ponto de ônibus foi ameaçada aos gritos de Bolsonaro.

O discurso de ódio, ressalta, “não é afirmação de uma ideia, nem que aquela ideia é melhor do que a outra´”. Ao dizer que é preciso matar, eliminar o outro, o que temos “é a negação do outro. Não dá. O que estamos vendo aqui é o discurso da eliminação do outro, de gays, de pretos…. O discurso incentiva as ações de ódio. Ele próprio foi vítima de uma delas”.

Coisa inimaginável

Formado pela USP, Belisario foi secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo (1995-2000) e Secretário da Administração Penitenciária do Estado (1995). Hoje é membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e da Comissão Internacional de Juristas, com sede em Genebra.

“Essa candidatura [de Bolsonaro] começou como se fosse uma brincadeira. Em 2013, dois ou três gatos pingados [carregavam cartazes] com “Bolsonaro presidente” e eram motivo de risotas nas manifestações. A candidatura virou séria. Um pouco por conta do discurso do individualismo, contra o politicamente correto, contra os direitos humanos”.

E segue: “Ela virou uma coisa inimaginável. Grande parte do sucesso dele é resultado da ignorância do povo brasileiro em relação a questões básicas, como o que ele fez, quem são as pessoas que ele apoia, o que ele fala da época da ditadura militar e de alguns de seus algozes como o major Brilhante Ustra”.

Belisario critica, por exemplo, a proposta de Bolsonaro para a educação – o ensino à distância. Na sua visão a ideia “é brincadeira. Não se vai conseguir preparar uma geração que suplante os problemas que enfrentamos hoje”.

E cita uma afirmação que colheu na internet: imagine que você tem um filho pequeno e precisa sair. Com quem você deixaria o seu filho pequeno?

Discurso da mentira para a polícia

Belisário aponta que hoje se observa uma inversão nos princípios do direito processual penal, que estabelece a liberdade como regra e a prisão como exceção. Atualmente, diz, “a liberdade foi convertida em exceção e a prisão é a regra”. Condena a política de encarceramento em massa em vigor.

Na entrevista, Belisario rememora momentos em que, como secretário, comandou a Polícia Militar de São Paulo. Foi em 1995, três anos depois dos 111 mortos do Carandiru. “Eles [os PMs] tinham receio imenso que aquilo se repetisse nos presídios”.

Para ele, o discurso que incentiva o policial a matar (como fazem Bolsonaro e João Dória) é “o discurso da mentira”. “Esse discurso assusta a tropa. No fundo, o comandante que ignora que não pode matar de graça não é um bom comandante”.

Preocupado com as eleições do próximo domingo, declara:

“Quero candidato que defenda valores, que não ataque minorias, para que tenhamos uma geração que supere problemas, um Brasil grande e feliz, uma sociedade justa, livre e solidária. É utopia? Vivemos disso. Dia 28 não vai ser um sonho; você tem a possibilidade de votar”

Leia a seguir o texto do manifesto e veja os nomes dos primeiros signatários:

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Pela democracia, todas e todos com Haddad!

“O que me preocupa não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons” (Martin Luther King)

Todos os povos têm momentos de união em torno de temas civilizatórios. A união se dá em torno de assuntos que transcendem para além dos interesses individuais, corporativos e partidários. Parece que no Brasil é chegado esse momento. Pensamos diferentemente sobre tantos temas. Temos crenças, valores, ideias sobre tantos assuntos, mas em alguns pontos chegamos no mesmo lugar e isto é inegociável. Este lugar, este ponto sobre o qual não discordamos, é algo chamado democracia, que engloba a preservação daquilo pelo qual todos nós lutamos há tantas décadas – a dignidade das pessoas, o respeito aos direitos humanos e a justiça social.

Os avanços civilizatórios são como degraus. Subimos um a um. Unimo-nos para ajudar a todos nessa subida. Tolerância, solidariedade, direitos iguais e respeito às diferenças. É isso que nos move e é o combustível de todos os povos e nações que vivem e convivem em democracia. A democracia não existe sem pluralismo político, social e moral, algo inevitável numa sociedade complexa como a nossa. A democracia só aceita disputas entre adversários, não entre inimigos, só admite a política, não a guerra, formas pacíficas de disputa, não violentas.

A democracia só existe limitada pelos direitos dos indivíduos e das minorias, para que não se torne uma ditadura da maioria. Democracia é a paz com voz! Neste momento difícil da história do Brasil, nós, brasileiras e brasileiros de todos os credos, raças, etnias, profissões, filiações políticas, orientações sexuais e de gênero, damo-nos as mãos para pedir paz e, mais do que tudo, a preservação da democracia. Que reflitamos para saber o que queremos para o futuro de nosso país. Rejeitamos o rancor e a divisão entre brasileiros. Temos a Constituição mais democrática do mundo, que diz que nosso Brasil é uma República que visa a erradicar a pobreza, fazer justiça social, reduzir desigualdades regionais, incentivar a cultura e promover a solidariedade. Este é o nosso desejo neste momento de crise. O respeito às leis, à Constituição e aquilo que não se pode tocar nem ver: a democracia.

Por isso, nós juristas e demais profissionais subscritores do presente manifesto, defensores da democracia e radicalmente contrários a violência física ou simbólica como forma de reprimir opiniões contrárias, declaramos apoio ao candidato à Presidência da República Fernando Haddad, independentemente de eventuais diferenças programáticas , pelo fato de ser o único, nesse segundo turno, capaz de garantir a continuidade do regime democrático e dos direitos que lhe são inerentes, num ambiente de paz, de tolerância e de garantia das liberdades públicas.

Brasil, 16 de novembro de 2018

Ministro aposentado do STF: José Paulo Sepúlveda Pertence
Ex-procurador-Geral da República: Claudio Fonteles
Ex-ministros de Estado e chefe da AGU: Álvaro Augusto Ribeiro Costa
Eugenio Aragão
José Carlos Dias
Cândido Antônio Mendes de Almeida
Roberto Armando Ramos de Aguiar
Ex-participantes das Comissões da Verdade:
Pedro Dallari
Rosa Maria Cardoso
Eny Moreira
Nadine Borges
Daniel Godoy Jr.
Ivete Maria Caribe Da Rocha
Advogados e Professores de Direito:
Arthur Lavigne
Beatriz Vargas Ramos
Belisário dos Santos Jr
Carol Proner
Celso Antônio Bandeira de Mello
Conrado Hubner Mendes
Dalmo de Abreu Dallari
Daniel Sarmento
Geraldo Prado
Gisele Cittadino
Lenio Streck
Leonardo Yarochewsky
Luciana Boiteux
Luís Guilherme Vieira
Manoel Caetano Ferreira Filho
Marcelo Neves
Marco Aurélio de Carvalho
Margarida Lacombe
Paulo Teixeira
Pedro Serrano
Rui Falcão

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