segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A covardia ativa e Fux

Por Urariano Mota, no site Vermelho:

O Dicionário Aulete registra para cobardia (o mesmo que covardia):

“s. f. || fraqueza de ânimo, pusilanimidade, medo, timidez, acanhamento”.
O Dicionário Houaiss, mais extenso, define:
 
“comportamento que denota ausência de coragem; atitude, gesto que se caracteriza pelo temor, pelo acanhamento, pela falta de ousadia
2 violência contra o mais fraco
sinônimos: cobardia, cobardice, covardice; ver tb. sinonímia de timidez e antonímia de coragem”


O ministro Luiz Fux do STF, ao suspender a investigação das irregularidades de Flávio Bolsonaro, ampliou e muito o sentido que os dicionários dão à palavra covardia. 

Notem que pelo Aulete o covarde é o tímido, o acanhado, o medroso, o pusilâmine, o fraco de ânimo, vale dizer, o fraco de vontade ante um desafio. Ou seja, pelo Aulete, em sua definição museológica, Fux não foi covarde. Pelo contrário, foi desinibido, cheio de ânimo e vontade a favor de Bolsonaro. Como seria covarde pelo Aulete?

Pelo Houaiss, tampouco. Aqui, mais uma vez, Fux (Fiat Lux?) mostrou atitude, ousadia, e não usou de violência contra o mais fraco motorista, que na verdade é representante legal do filho do Chefão na presidência. Então, como ser covarde pelo Houaiss, que o definiria como até corajoso? Para sua atitude, faltam novas definições.

A esta altura, temos que pôr um sentido social e político para a palavra Covardia, que os dicionários poderão registrar depois da mais recente decisão de Luiz Fux. Diferente daquelas pessoas omissas que viravam o rosto, fingiam nada saber ou conhecer dos fornos crematórios sob o regime nazista, e faziam de conta que nem sentiam o fedor de carne queimada na vizinhança, Fux é um homem transformado sob os Bolsonaros. Dele não se dirá que se ocultou sob o anonimato, que fingiu não ver. Pelo contrário, ele viu, soube, sabe, conhece e proclama que mudou o também o sentido de foro privilegiado. Para um simples privilegiado das circunstâncias deste Brasil, ele não vira o rosto, ele o mostra à lux das câmeras, como se gritasse o feito heróico. Parece dizer, “aqui, ninguém é mais novo covarde que eu”.

Diferente ainda dos covardes que engrossam a multidão que espanca um marginal, que põe fogo em um acusado, que chuta cachorro morto, que mete socos, pontapés e barras de ferro em um homem dominado, não, disso ele é incapaz. Seria indecoroso da sua parte, até porque a qualidade dos seus ternos obriga a uma outra falta de coragem. Ele é ministro do STF, ele se põe e se pôs no centro do noticiário ao decidir contra a apuração de manifesta “ilicitude”, um eufemismo para corrupção. A sua decisão define um novo tipo e palavra. Assim como no Brasil de hoje temos a ignorância mais desavergonhada, que não mais se oculta sob pudor e inferioridade diante da cultura e da ciência, que esbraveja e zurra que a terra é plana, que a mudança de clima é invenção de marxistas, ou que a teoria de Darwin é uma hipótese sem provas, assim também Luiz Fux inaugura uma nova definição para covardia.

Ele está pleno, supremo da Covardia Ativa. Ele é o novo covarde. Parodiando Orlando Silva, quando ao ser chamado de poliglota, depois de apresentações na Argentina, respondeu: “Sim, poliglota, mas dos ativos”, podemos dizer que Fux marcou para sempre o Princípio da Covardia Ativa: aquela que sem pudor se mostra aos olhos de todo o mundo. Imune à vergonha, orgulhosa de si.

Que tempos, que novos dicionários.

* Urariano Mota é jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”.

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