Por Stephanie Savell, no site Outras Palavras:
Quando eu comecei a mapear todos os lugares no mundo onde os EUA ainda estão lutando contra o terrorismo, tantos anos depois, não achei que seria tão difícil assim fazê-lo. Isso foi antes do incidente em 2017 no Níger, no qual quatro soldados dos EUA foram mortos em uma missão de contra- terrorismo e os norte-americanos puderam suspeitar do quão longe esta “guerra” pode realmente chegar. Imaginei um mapa que iria destacar o Afeganistão, Iraque, Paquistão e Síria – os lugares que muitos norte-americanos automaticamente pensam estar associados com a guerra ao terror – bem como talvez uma dúzia de países menos notáveis, como Filipinas e Somália. Eu não tinha ideia de que estava embarcando em uma odisseia de pesquisa que iria, em sua segunda atualização anual, mapear as missões de contra-terrorismo dos EUA em 80 países em 2017 e 2018, ou 40% das nações neste planeta (um mapa primeiramente publicado na revista Smithsonian).
Como co-diretora do Projeto Custos da Guerra, no Instituto Watson para Questões Internacionais e Públicas na Brown University, estou bem ciente dos custos que acompanham tal alastramento da presença no exterior. Nossas pesquisas mostram que, desde 2001, a guerra ao terror dos EUA resultou na perda - estimada conservadoramente - de mais de um milhão de vidas somente no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Ao fim de 2019, nós também estimamos que a guerra global de Washington irá custar aos contribuintes dos EUA nada menos que U$5,9 trilhões já gastos e ao compromisso com cuidados de veteranos da guerra ao longo de suas vidas.
Em geral, o público norte americano ignorou largamente estas guerras pós- 11 de setembro e seus custos. Mas a vastidão das atividades de contra- terrorismo de Washington sugere que, agora mais do que nunca, é tempo de prestar atenção. Recentemente, o governo Trump tem falado de se retirar da Síria e em negociações de paz com o Talibã no Afeganistão. Entretanto, sem o conhecimento de muitos norte americanos, a guerra ao terror chega a muito além destas terras e sob Trump está, na verdade, estendendo-se para mais lugares. O fato de as missões de contra-terrorismo serem tão extensas e seus custos tão incrivelmente altos deveria induzir os norte-americanos a demandar respostas para algumas questões óbvias e urgentes. Esta guerra global está realmente deixando os norte americanos mais seguros? Está reduzindo a violência contra cidadãos nos EUA e outros lugares? Se, como eu acredito, a resposta para ambas perguntas é não, então não existe um meio mais efetivo de alcançar tais objetivos?
O principal obstáculo ao criar nossa base de dados, descobriria minha equipe de pesquisa, foi que o governo dos EUA é frequentemente muito reservado acerca de sua guerra ao terror. A Constituição dá ao Congresso o direito e a responsabilidade de declarar guerra, oferecendo aos cidadãos, pelo menos em teoria, alguns meios de entrada. E ainda assim, em nome da segurança operacional, os militares classificam a maior parte das informações sobre suas atividades contra terrorismo no exterior.
Isso é particularmente verdade em missões nas quais há soldados americanos no terreno, engajando-se em ação direta contra militantes - uma realidade, eu e minha equipe descobrimos, em 14 diferentes países nos últimos dois anos. A lista inclui Afeganistão e Síria, é claro, mas também alguns lugares menos conhecidos ou inesperados como Líbia, Tunísia, Somália, Mali e Kênia. Oficialmente, muitas destas missões estão classificadas como “treino, consultoria e assistência”, nas quais as forças armadas dos EUA trabalham ostensivamente para apoiar militares locais lutando contra grupos que Washington classifica como organizações terroristas. Não oficialmente, a linha entre “assistência” e combate é, na melhor hipótese, turva.
Alguns jornalistas investigativos excepcionais documentaram como esta guerra nas sombras está se desenvolvendo, predominantemente na África. No Níger, em outubro de 2017, como jornalistas posteriormente revelaram, o que era oficialmente uma missão de treinamento provou ser uma operação de “capturar ou matar” direcionada a um suspeito de terrorismo.
Tais missões ocorrem com regularidade. No Quênia, por exemplo, membros do serviço dos EUA estão ativamente caçando militantes do al-Shabaab, um grupo designado por Washington como terrorista. Na Tunísia, houve pelo menos uma batalha total entre forças unidas dos EUA e Tunísia e terroristas da Al-Qaeda. De fato, dois membros do serviço dos EUA foram posteriormente premiados com medalhas de valor por suas ações lá, uma pista que levou jornalistas a descobrir que houve uma batalha.
Ainda em outros países africanos, forças de Operações Especiais dos EUA planejaram e controlaram missões, operando em “cooperação” – mas na verdade encarregados — com as contrapartes africanas. Ao criar nossa base de dados, nós erramos no lado da cautela, apenas documentando combates em países onde tínhamos pelo menos duas fontes de credibilidade de provas e checando com especialistas e jornalistas que poderiam nos fornecer informações adicionais. Em outras palavras, tropas norte americanas, indubitavelmente, se engajaram em combates em ainda mais lugares do que pudemos documentar.
Outra descoberta surpreendente em nossa pesquisa foi em quantos países – 65 no total – os EUA “treinam” e/ou “dão assistência” a forças locais de segurança em contra-terrorismo. Enquanto os militares fazem muito deste treinamento, o Departamento de Estado também esta surpreendentemente envolvido, financiando e treinando policiais, militares e agentes de patrulha de fronteiras em muitos países. Ele também doa equipamentos, incluindo máquinas de detecção de raios X de veículos e kits de inspeção de contrabando. Adicionalmente, ele desenvolve programa que rotula como “Combatendo Extremismo Violento”, que representa uma abordagem de soft-power, focado em educação publica e outras ferramentas para “refúgios contra terrorismo e recrutamento”.
Tal treinamento e assistência ocorrem entre o Oriente Médio e África, bem como em alguns lugares na Ásia e América Latina. “Entidades de aplicação da lei” norte americanas treinaram forças de segurança no Brasil para monitorar ameaças terroristas antes das Olímpiadas de 2016, por exemplo (e continuaram a parceria em 2017). Similarmente, agentes dos EUA de patrulha da fronteira trabalharam com suas contrapartes na Argentina para investigar suspeitas de lavagem de dinheiro por grupos terroristas em mercados ilícitos da região de tripla fronteira que fica entre a Argentina, Brasil e Paraguai.
Para muitos norte-americanos, tudo isso pode soar relativamente inofensivo – algo mais como generoso, de ajuda vizinha com policiamento ou um sensível conjunto de políticas de interesse próprio de lutar-contra-eles-lá-antes-que-cheguem-aqui. Mas não deveríamos saber melhor que isso, depois de todos estes anos ouvindo tais alegações de lugares como Iraque e Afeganistão onde os resultados foram qualquer coisa exceto inofensivos ou efetivos?
Esse treinamento tem sido frequentemente utilizado ou usado para os mais cruéis propósitos dos muitos países envolvidos. Na Nigéria, por exemplo, os militares dos EUA continuam a trabalhar estreitamente com as forças de segurança locais, que usaram de tortura e cometeram assassinatos extrajudiciais, bem como se envolveram com exploração sexual e abusos. Nas Filipinas, conduziram exercícios militares conjuntos em cooperação com a força militar do presidente Rodrigo Duterte, ainda que a polícia sob seu comando continue a infligir uma horrenda violência contra os cidadãos daquele país.
O governo de Djibouti, que por anos hospedou a maior base militar dos EUA na África, o Campo Lemmonier, também usa suas leis antiterrorismo para processar dissidentes internos. O Departamento de Estado não tentou esconder como seus próprios programas de treinamento alimentaram um tipo maior de repressão naquele país (e outros). De acordo com seu Relatório do País em Terrorismo, de 2017, um documento que anualmente fornece ao Congresso uma visão geral do terrorismo e cooperação anti- terrorismo com os EUA em um conjunto designado de países, em Djibouti, “o governo continuou a utilizar a legislação contraterrorismo para suprimir críticas ao deter e processar quadros da oposição e outros ativistas.”
Naquele país e muitas outras nações aliadas, os programas de treinamento em terrorismo de Washington alimentaram ou reforçaram abusos contra direitos humanos por forças locais, enquanto governos autoritários adotam “anti terrorismo” como desculpa para práticas repressivas de todos os tipos.
Uma vasta pegada militar
Enquanto estávamos tentando documentar estas 65 localidades com treinamento-e-assistência das forças militares dos EUA, o relatórios do Departamento de Estado provaram ser uma importante fonte de informações, mesmo que fossem frequentemente ambíguos sobre o que estava realmente acontecendo. Eles regularmente dependiam de termos genéricos como “forças de segurança”, enquanto fracassavam em abordar diretamente o papel exercido pelos militares dos EUA em cada um destes países.
Às vezes, enquanto eu os lia e tentava entender o que estava acontecendo em terras distantes, tive uma sensação incômoda sobre o que os militares americanos estavam fazendo. Em vez de entrar em foco, eu estava eternamente retrocedendo. No fim das contas, nos sentimos certos em identificar aqueles 14 países em que agentes militares dos EUA foram vistos em combate na guerra ao terror em 2017 e 2018. Nós também achamos relativamente fácil de documentar os 7 países em que, nos últimos dois anos, os EUA lançaram drones ou outros ataques aéreos contra o que o governo rotula como alvos terroristas (mas os quais regularmente também matam civis): Afeganistão, Iraque, Líbia, Paquistão, Somália, Síria e Iêmen. Estes foram os elementos mais intensos da guerra global dos EUA. Entretanto, isso ainda representava uma porção relativamente pequena dos 80 países que acabamos incluindo em nosso mapa.
Em parte, porque percebi que os militares dos EUA tendem a publicizar – ou pelo menos não esconder – muitos dos exercícios militares que dirigem ou em que tomam, parte no exterior. Afinal de contas, o objetivo deles é demonstrar o poderio militar global do país, deter inimigos (neste caso, terroristas) e reforçar alianças com aliados estrategicamente escolhidos. Tais exercícios, os quais documentamos como sendo explicitamente focados em contra-terrorismo em 26 países, junto com terras que hospedam bases militares dos EUA ou postos militares menores mas avançados também envolvidos com atividades anti terrorismo, fornecem uma noção da pegada gigante das forças armadas na guerra contra o terror.
Apesar de existirem mais de 800 bases militares dos EUA ao redor do mundo, nós incluimos em nosso mapas apenas aqueles 40 países nos quais tais bases estão diretamente envolvidas na guerra contra o terror, incluindo Alemanha e outras nações europeias que são áreas de preparação importantes para as operações americanas no Oriente Médio e na África.
Para resumir: nosso mapa completo indica que, em 2017 e 2018, sete países foram alvos de ataques aéreos dos EUA; o dobro desse número eram locais onde o militares norte americano se envolviam diretamente em combate no território; 26 países eram localizações para exercícios militares conjuntos; 40 hospedavam bases envolvidas na guerra ao terror; e em 65, militares locais e forças de segurança receberam “treinamento e assistência” orientados a contraterrorismo.
Um Grande Plano Melhor
Quantas vezes nos últimos 17 anos o Congresso ou o público norte-americano debateram a expansão da guerra ao terror para um número tão grande de lugares? A resposta é: muito raramente.
Depois de tantos anos de silêncio e inatividade nos EUA, a recente atenção da mídia e do Congresso às guerras norte-americanas no Afeganistão, na Síria e no Iêmen representa uma nova tendência. Os membros do Congresso finalmente começaram a pedir a discussão dos componentes da guerra contra o terror. No início de fevereiro, por exemplo, a Câmara dos Representantes votou pelo fim do apoio dos EUA à guerra liderada pelos sauditas no Iêmen, e o Senado aprovou uma legislação exigindo que o Congresso vote sobre o mesmo assunto nos próximos meses.
No dia 6 de fevereiro, o Comitê de Serviços Armados da Câmara finalmente realizou uma audiência sobre a “abordagem contraterrorista” do Pentágono – um assunto que o Congresso como um todo não debateu desde que, vários dias após os ataques de 11 de setembro, aprovou a Autorização para o Uso de Força Militar que os presidentes George W. Bush, Barack Obama e agora Donald Trump usaram para travar a guerra global em curso. O Congresso não debateu nem votou sobre a crescente expansão desse esforço em todos os anos desde então. E, a julgar pelas reações confusas de vários membros do Congresso à morte desses quatro soldados no Níger em 2017, a maioria deles (e provavelmente ainda são muitos) ignoram em grande parte até que ponto a guerra global, que raramente se preocuparam em discutir, agora chega.
Com as potenciais mudanças em curso na política do governo Trump na Síria e no Afeganistão, finalmente não é hora de avaliar da maneira mais ampla possível a necessidade e a eficácia de estender a guerra ao terror para tantos lugares diferentes? Pesquisas mostraram que usar a guerra para lidar com táticas terroristas é uma abordagem infrutífera. Muito pelo contrário: ao invés de alcançar metas da Líbia à Síria, do Níger ao Afeganistão, a presença militar dos EUA no exterior muitas vezes só alimentou o ressentimento intenso contra Washington. Ajudou tanto a espalhar movimentos terroristas quanto a fornecer mais recrutas para grupos extremistas islâmicos, que se multiplicaram substancialmente desde o 11 de setembro.
Em nome da guerra ao terror em países como a Somália, atividades diplomáticas, ajuda humanitária e apoio aos direitos humanos diminuíram, em favor de uma posição norte americana ainda mais militarizada. No entanto, pesquisas mostram que, a longo prazo, é muito mais eficaz e sustentável lidar com as queixas subjacentes que alimentam a violência terrorista do que respondê-las no campo de batalha.
Deveria ficar claro que outro tipo de grande plano é necessário para lidar com a ameaça do terrorismo tanto globalmente quanto para os norte americanos – um que dependa de uma pegada militar norte americana muito menor e que custe muito menos sangue e recursos. Também é hora de colocar essa ameaça em contexto e reconhecer que outros desenvolvimentos, como a mudança climática, podem representar um perigo muito maior para o país.
Quando eu comecei a mapear todos os lugares no mundo onde os EUA ainda estão lutando contra o terrorismo, tantos anos depois, não achei que seria tão difícil assim fazê-lo. Isso foi antes do incidente em 2017 no Níger, no qual quatro soldados dos EUA foram mortos em uma missão de contra- terrorismo e os norte-americanos puderam suspeitar do quão longe esta “guerra” pode realmente chegar. Imaginei um mapa que iria destacar o Afeganistão, Iraque, Paquistão e Síria – os lugares que muitos norte-americanos automaticamente pensam estar associados com a guerra ao terror – bem como talvez uma dúzia de países menos notáveis, como Filipinas e Somália. Eu não tinha ideia de que estava embarcando em uma odisseia de pesquisa que iria, em sua segunda atualização anual, mapear as missões de contra-terrorismo dos EUA em 80 países em 2017 e 2018, ou 40% das nações neste planeta (um mapa primeiramente publicado na revista Smithsonian).
Como co-diretora do Projeto Custos da Guerra, no Instituto Watson para Questões Internacionais e Públicas na Brown University, estou bem ciente dos custos que acompanham tal alastramento da presença no exterior. Nossas pesquisas mostram que, desde 2001, a guerra ao terror dos EUA resultou na perda - estimada conservadoramente - de mais de um milhão de vidas somente no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Ao fim de 2019, nós também estimamos que a guerra global de Washington irá custar aos contribuintes dos EUA nada menos que U$5,9 trilhões já gastos e ao compromisso com cuidados de veteranos da guerra ao longo de suas vidas.
Em geral, o público norte americano ignorou largamente estas guerras pós- 11 de setembro e seus custos. Mas a vastidão das atividades de contra- terrorismo de Washington sugere que, agora mais do que nunca, é tempo de prestar atenção. Recentemente, o governo Trump tem falado de se retirar da Síria e em negociações de paz com o Talibã no Afeganistão. Entretanto, sem o conhecimento de muitos norte americanos, a guerra ao terror chega a muito além destas terras e sob Trump está, na verdade, estendendo-se para mais lugares. O fato de as missões de contra-terrorismo serem tão extensas e seus custos tão incrivelmente altos deveria induzir os norte-americanos a demandar respostas para algumas questões óbvias e urgentes. Esta guerra global está realmente deixando os norte americanos mais seguros? Está reduzindo a violência contra cidadãos nos EUA e outros lugares? Se, como eu acredito, a resposta para ambas perguntas é não, então não existe um meio mais efetivo de alcançar tais objetivos?
O principal obstáculo ao criar nossa base de dados, descobriria minha equipe de pesquisa, foi que o governo dos EUA é frequentemente muito reservado acerca de sua guerra ao terror. A Constituição dá ao Congresso o direito e a responsabilidade de declarar guerra, oferecendo aos cidadãos, pelo menos em teoria, alguns meios de entrada. E ainda assim, em nome da segurança operacional, os militares classificam a maior parte das informações sobre suas atividades contra terrorismo no exterior.
Isso é particularmente verdade em missões nas quais há soldados americanos no terreno, engajando-se em ação direta contra militantes - uma realidade, eu e minha equipe descobrimos, em 14 diferentes países nos últimos dois anos. A lista inclui Afeganistão e Síria, é claro, mas também alguns lugares menos conhecidos ou inesperados como Líbia, Tunísia, Somália, Mali e Kênia. Oficialmente, muitas destas missões estão classificadas como “treino, consultoria e assistência”, nas quais as forças armadas dos EUA trabalham ostensivamente para apoiar militares locais lutando contra grupos que Washington classifica como organizações terroristas. Não oficialmente, a linha entre “assistência” e combate é, na melhor hipótese, turva.
Alguns jornalistas investigativos excepcionais documentaram como esta guerra nas sombras está se desenvolvendo, predominantemente na África. No Níger, em outubro de 2017, como jornalistas posteriormente revelaram, o que era oficialmente uma missão de treinamento provou ser uma operação de “capturar ou matar” direcionada a um suspeito de terrorismo.
Tais missões ocorrem com regularidade. No Quênia, por exemplo, membros do serviço dos EUA estão ativamente caçando militantes do al-Shabaab, um grupo designado por Washington como terrorista. Na Tunísia, houve pelo menos uma batalha total entre forças unidas dos EUA e Tunísia e terroristas da Al-Qaeda. De fato, dois membros do serviço dos EUA foram posteriormente premiados com medalhas de valor por suas ações lá, uma pista que levou jornalistas a descobrir que houve uma batalha.
Ainda em outros países africanos, forças de Operações Especiais dos EUA planejaram e controlaram missões, operando em “cooperação” – mas na verdade encarregados — com as contrapartes africanas. Ao criar nossa base de dados, nós erramos no lado da cautela, apenas documentando combates em países onde tínhamos pelo menos duas fontes de credibilidade de provas e checando com especialistas e jornalistas que poderiam nos fornecer informações adicionais. Em outras palavras, tropas norte americanas, indubitavelmente, se engajaram em combates em ainda mais lugares do que pudemos documentar.
Outra descoberta surpreendente em nossa pesquisa foi em quantos países – 65 no total – os EUA “treinam” e/ou “dão assistência” a forças locais de segurança em contra-terrorismo. Enquanto os militares fazem muito deste treinamento, o Departamento de Estado também esta surpreendentemente envolvido, financiando e treinando policiais, militares e agentes de patrulha de fronteiras em muitos países. Ele também doa equipamentos, incluindo máquinas de detecção de raios X de veículos e kits de inspeção de contrabando. Adicionalmente, ele desenvolve programa que rotula como “Combatendo Extremismo Violento”, que representa uma abordagem de soft-power, focado em educação publica e outras ferramentas para “refúgios contra terrorismo e recrutamento”.
Tal treinamento e assistência ocorrem entre o Oriente Médio e África, bem como em alguns lugares na Ásia e América Latina. “Entidades de aplicação da lei” norte americanas treinaram forças de segurança no Brasil para monitorar ameaças terroristas antes das Olímpiadas de 2016, por exemplo (e continuaram a parceria em 2017). Similarmente, agentes dos EUA de patrulha da fronteira trabalharam com suas contrapartes na Argentina para investigar suspeitas de lavagem de dinheiro por grupos terroristas em mercados ilícitos da região de tripla fronteira que fica entre a Argentina, Brasil e Paraguai.
Para muitos norte-americanos, tudo isso pode soar relativamente inofensivo – algo mais como generoso, de ajuda vizinha com policiamento ou um sensível conjunto de políticas de interesse próprio de lutar-contra-eles-lá-antes-que-cheguem-aqui. Mas não deveríamos saber melhor que isso, depois de todos estes anos ouvindo tais alegações de lugares como Iraque e Afeganistão onde os resultados foram qualquer coisa exceto inofensivos ou efetivos?
Esse treinamento tem sido frequentemente utilizado ou usado para os mais cruéis propósitos dos muitos países envolvidos. Na Nigéria, por exemplo, os militares dos EUA continuam a trabalhar estreitamente com as forças de segurança locais, que usaram de tortura e cometeram assassinatos extrajudiciais, bem como se envolveram com exploração sexual e abusos. Nas Filipinas, conduziram exercícios militares conjuntos em cooperação com a força militar do presidente Rodrigo Duterte, ainda que a polícia sob seu comando continue a infligir uma horrenda violência contra os cidadãos daquele país.
O governo de Djibouti, que por anos hospedou a maior base militar dos EUA na África, o Campo Lemmonier, também usa suas leis antiterrorismo para processar dissidentes internos. O Departamento de Estado não tentou esconder como seus próprios programas de treinamento alimentaram um tipo maior de repressão naquele país (e outros). De acordo com seu Relatório do País em Terrorismo, de 2017, um documento que anualmente fornece ao Congresso uma visão geral do terrorismo e cooperação anti- terrorismo com os EUA em um conjunto designado de países, em Djibouti, “o governo continuou a utilizar a legislação contraterrorismo para suprimir críticas ao deter e processar quadros da oposição e outros ativistas.”
Naquele país e muitas outras nações aliadas, os programas de treinamento em terrorismo de Washington alimentaram ou reforçaram abusos contra direitos humanos por forças locais, enquanto governos autoritários adotam “anti terrorismo” como desculpa para práticas repressivas de todos os tipos.
Uma vasta pegada militar
Enquanto estávamos tentando documentar estas 65 localidades com treinamento-e-assistência das forças militares dos EUA, o relatórios do Departamento de Estado provaram ser uma importante fonte de informações, mesmo que fossem frequentemente ambíguos sobre o que estava realmente acontecendo. Eles regularmente dependiam de termos genéricos como “forças de segurança”, enquanto fracassavam em abordar diretamente o papel exercido pelos militares dos EUA em cada um destes países.
Às vezes, enquanto eu os lia e tentava entender o que estava acontecendo em terras distantes, tive uma sensação incômoda sobre o que os militares americanos estavam fazendo. Em vez de entrar em foco, eu estava eternamente retrocedendo. No fim das contas, nos sentimos certos em identificar aqueles 14 países em que agentes militares dos EUA foram vistos em combate na guerra ao terror em 2017 e 2018. Nós também achamos relativamente fácil de documentar os 7 países em que, nos últimos dois anos, os EUA lançaram drones ou outros ataques aéreos contra o que o governo rotula como alvos terroristas (mas os quais regularmente também matam civis): Afeganistão, Iraque, Líbia, Paquistão, Somália, Síria e Iêmen. Estes foram os elementos mais intensos da guerra global dos EUA. Entretanto, isso ainda representava uma porção relativamente pequena dos 80 países que acabamos incluindo em nosso mapa.
Em parte, porque percebi que os militares dos EUA tendem a publicizar – ou pelo menos não esconder – muitos dos exercícios militares que dirigem ou em que tomam, parte no exterior. Afinal de contas, o objetivo deles é demonstrar o poderio militar global do país, deter inimigos (neste caso, terroristas) e reforçar alianças com aliados estrategicamente escolhidos. Tais exercícios, os quais documentamos como sendo explicitamente focados em contra-terrorismo em 26 países, junto com terras que hospedam bases militares dos EUA ou postos militares menores mas avançados também envolvidos com atividades anti terrorismo, fornecem uma noção da pegada gigante das forças armadas na guerra contra o terror.
Apesar de existirem mais de 800 bases militares dos EUA ao redor do mundo, nós incluimos em nosso mapas apenas aqueles 40 países nos quais tais bases estão diretamente envolvidas na guerra contra o terror, incluindo Alemanha e outras nações europeias que são áreas de preparação importantes para as operações americanas no Oriente Médio e na África.
Para resumir: nosso mapa completo indica que, em 2017 e 2018, sete países foram alvos de ataques aéreos dos EUA; o dobro desse número eram locais onde o militares norte americano se envolviam diretamente em combate no território; 26 países eram localizações para exercícios militares conjuntos; 40 hospedavam bases envolvidas na guerra ao terror; e em 65, militares locais e forças de segurança receberam “treinamento e assistência” orientados a contraterrorismo.
Um Grande Plano Melhor
Quantas vezes nos últimos 17 anos o Congresso ou o público norte-americano debateram a expansão da guerra ao terror para um número tão grande de lugares? A resposta é: muito raramente.
Depois de tantos anos de silêncio e inatividade nos EUA, a recente atenção da mídia e do Congresso às guerras norte-americanas no Afeganistão, na Síria e no Iêmen representa uma nova tendência. Os membros do Congresso finalmente começaram a pedir a discussão dos componentes da guerra contra o terror. No início de fevereiro, por exemplo, a Câmara dos Representantes votou pelo fim do apoio dos EUA à guerra liderada pelos sauditas no Iêmen, e o Senado aprovou uma legislação exigindo que o Congresso vote sobre o mesmo assunto nos próximos meses.
No dia 6 de fevereiro, o Comitê de Serviços Armados da Câmara finalmente realizou uma audiência sobre a “abordagem contraterrorista” do Pentágono – um assunto que o Congresso como um todo não debateu desde que, vários dias após os ataques de 11 de setembro, aprovou a Autorização para o Uso de Força Militar que os presidentes George W. Bush, Barack Obama e agora Donald Trump usaram para travar a guerra global em curso. O Congresso não debateu nem votou sobre a crescente expansão desse esforço em todos os anos desde então. E, a julgar pelas reações confusas de vários membros do Congresso à morte desses quatro soldados no Níger em 2017, a maioria deles (e provavelmente ainda são muitos) ignoram em grande parte até que ponto a guerra global, que raramente se preocuparam em discutir, agora chega.
Com as potenciais mudanças em curso na política do governo Trump na Síria e no Afeganistão, finalmente não é hora de avaliar da maneira mais ampla possível a necessidade e a eficácia de estender a guerra ao terror para tantos lugares diferentes? Pesquisas mostraram que usar a guerra para lidar com táticas terroristas é uma abordagem infrutífera. Muito pelo contrário: ao invés de alcançar metas da Líbia à Síria, do Níger ao Afeganistão, a presença militar dos EUA no exterior muitas vezes só alimentou o ressentimento intenso contra Washington. Ajudou tanto a espalhar movimentos terroristas quanto a fornecer mais recrutas para grupos extremistas islâmicos, que se multiplicaram substancialmente desde o 11 de setembro.
Em nome da guerra ao terror em países como a Somália, atividades diplomáticas, ajuda humanitária e apoio aos direitos humanos diminuíram, em favor de uma posição norte americana ainda mais militarizada. No entanto, pesquisas mostram que, a longo prazo, é muito mais eficaz e sustentável lidar com as queixas subjacentes que alimentam a violência terrorista do que respondê-las no campo de batalha.
Deveria ficar claro que outro tipo de grande plano é necessário para lidar com a ameaça do terrorismo tanto globalmente quanto para os norte americanos – um que dependa de uma pegada militar norte americana muito menor e que custe muito menos sangue e recursos. Também é hora de colocar essa ameaça em contexto e reconhecer que outros desenvolvimentos, como a mudança climática, podem representar um perigo muito maior para o país.
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