Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Durante muito tempo havia um consenso no Brasil: sem educação o futuro estaria comprometido. A má qualidade da educação era vista como raiz de todos os problemas e a saída para o país estava no investimento para o setor. Era uma forma aparentemente cômoda de jogar as questões estruturais, sobretudo a desigualdade, para um tempo distante, sem colocar em xeque as verdadeiras causas da injustiça social.
Esse raciocínio gerou uma leva de defensores da educação salvadora, que deixavam de lado temas fundamentais da questão para se concentrar apenas na crença de um futuro redentor com todos os jovens nas escolas. Se havia um saudável otimismo na vontade, não era menor o pessimismo dos meios. A escola se mantinha território da exclusão e de manutenção das elites, com as piedosas exceções de sempre.
Ao mesmo tempo, o pensamento pedagógico brasileiro evoluía, trazendo à tona o necessário debate sobre a educação como prática de liberdade, indo além do papel meramente doutrinador e de formação de mão de obra para o mercado. Educadores e legisladores se empenharam em ir além das intenções, criando caminhos legais e algumas das mais consistentes teorias, como a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire. Se os conservadores chamavam atenção para dados quantitativos, os progressistas avançavam no campo da qualidade.
Hoje, a educação deixou de ser uma perspectiva de progresso para se tornar uma âncora do atraso. Em todos os níveis de governo, há um retrocesso perigoso. Não se trata apenas de não projetar soluções para o futuro, mas de matar o presente com uma forma de tratar o conhecimento e o saber como instrumentos de dominação e alienação. O professor foi transformado em inimigo, a liberdade de cátedra se tornou uma ameaça e os estudantes são vistos como massa a ser submetida à disciplina retificadora.
Nos últimos meses, temos assistido a uma sequência de golpes mortais desferidos contra o setor. Considerado o pior ministro do pior governo republicano da história do país, Abraham Weintraub tem se notabilizado por sua ação destrutiva. Além de despreparado em termos acadêmicos, políticos e gerenciais, tem manifestado um comportamento inadequado para um titular da pasta da educação. Expressa-se mal – não poucas vezes de forma inepta e tosca – é agressivo e incapaz ao diálogo. Um antiprofessor. Mas o pior são suas ações político-administrativas.
Em tempos de crise fiscal, uma das obrigações dos gestores responsáveis é defender sua área de atuação de eventuais cortes e interrupções de projetos. No caso da educação e saúde, há quase uma garantia prévia da prioridade de suas atribuições. Em outras palavras, setores ligados aos meios se oferecem para permitir o funcionamento adequado das mais importantes ações finalísticas do setor público: saúde e educação. Ou seja: a vida.
No entanto, Weintraub não apenas se anima ao corte linear como parece ter prazer em interromper o fluxo do saber e do conhecimento. Nunca o país assistiu a um corte de gastos em educação e em investimentos em pesquisa tão abrangentes. As bolsas de pós-graduação foram limadas sem dó nem piedade, sem avaliação de impacto e sem cuidado com o risco de descontinuidade de pesquisas importantes para os estudantes e para o país. Não foi uma atitude de inspiração fiscal, mas a manifestação incontida de ressentimento.
O governo federal já havia dado várias outras demonstrações de desprezo com a educação. Ameaça de corte de verbas para as áreas de ciências humanas; intervenção ideológica em exames públicos, como o Enem; desprezo às decisões soberanas das universidades. Em pouco mais de seis meses, Bolsonaro não levou em consideração nada menos que 6 das 12 listas tríplices de candidatos a reitores de universidades públicas. Fez o mesmo com os institutos federais.
Tem desprezado o conhecimento científico que vem dos centros de pesquisa e de forma mesquinha resolveu intervir até na carteirinha de estudante. Certamente não foi para ampliar o acesso dos jovens ao cinema e teatro com meia entrada, já que, se depender dele, o país não teria cinema nem teatro. Para não deixar dúvida, ligou os desconectados tico e teco e disse que a taxa do documento financia a defesa do socialismo entre estudantes. É o máximo a que chega seu discernimento sobre a educação.
Pior que não fazer e propor que se faça de maneira errada. O projeto de escolas cívico-militares, que começa a ser divulgado pelos meios de comunicação, é a resposta assertiva do bolsonarismo ao que esses espécimes entendem por educação. O programa está sendo apresentado em busca de parceria com estados e municípios, que assim se disporiam a receber recursos carimbados para levar adiante o modelo. Será o mais bem financiado projeto de educação do país.
Como o nome entrega, trata-se um monstro híbrido entre a dimensão civil e militar. O lado civil do Frankenstein responderia pelos conteúdos que integram a base curricular, o que é lei. Já o militarismo entra em cena para garantir a gestão e a disciplina. Ou seja, os professores, alunos e comunidade escolar se tornam objeto da ação de militares que trabalham com conteúdos pacificados (ou ativamente controlados) e com comportamentos determinados pela lógica da repressão típica da caserna.
Não estão excluídos do projeto nem mesmo regras de corte de cabelo, fardamento e atitudes disciplinares punitivas. Para dar o tom verde-oliva às escolas serão convocados militares da reserva, sem qualquer experiência com a educação e uma sociedade livre e democrática. É preciso lembrar que militar aprende a obedecer ordens, não a pensar. Ou seja: o contrário do processo educacional moderno. O mais grave, no entanto, é que o projeto tem tudo para nutrir os mais inconfessados desejos de seus eleitores.
Vitaminados na ideologia do medo e da violência, sem abertura para a convivência com a diferença que engrandece a vida de possibilidades e portadores de valores moralistas tacanhos, muitos deles oriundos de religiões conservadoras, pais e mães deverão se sentir contemplados em ver seus filhos com cabeças raspadas e entoando hinos com a mão no peito. Onde há repressão, enxergam disciplina; na ausência de liberdade, contemplam retidão; na falta de abertura ao conhecimento, reafirmam preconceitos e verdades reveladas.
Minas e BH
Se no âmbito federal o panorama não é dos mais animadores, nos estados e municípios o que se acompanha é a tradução de propósitos muito semelhantes, só que na prática do dia a dia das escolas. O que é ideologia no sentido mais amplo das propostas pedagógicas do governo federal, se traduz em atitudes reducionistas e práticas mesquinhas no cotidiano das escolas. O mesmo método parece alimentar as ações em estados e municípios: de um lado, o argumento da falta de recursos; de outro, o incentivo à repressão como defesa dos valores tradicionais.
Minas Gerais tem vivido uma guerra permanente contra a educação. As primeiras medidas do governo de Romeu Zema (Novo) foram na reiterada cantilena da crise fiscal. Sem assumir prioridades, propôs cortes em todas as áreas, coroando com a extinção milhares de vagas de ensino integral. A secretária estadual de Educação, Júlia Sant’anna, veio do Rio de Janeiro para executar, com eficiência e insensibilidade, a redução de 80 mil vagas com uma penada, gerando problemas pedagógicos e sociais. E ainda tentou justificar o injustificável para algúem que responde pela educação, não pela contabilidade. Mas não ficou só nisso.
O governo estadual, que argumentava que a medida seria revista ao longo dos anos, inclusive com a perspectiva de aprimoramento do ensino em tempo integral, em poucas semanas completou a operação desmonte. Só que agora, por dentro de casa. O anúncio de fusão de turmas, no mês de agosto, foi mais uma ação que caiu sobre a comunidade educacional como um tijolo, sem discussão, enchendo as salas de aula, extinguindo turmas, interferindo no processo de aprendizagem em momento importante do calendário pedagógico.
Com um raciocínio que parte dos números para chegar às pessoas, os burocratas lançaram mão de uma metodologia que reduz o espaço vital a números, dando a cada aluno uma centimetragem mínima para existir. A partir disso, colocaram 40 alunos em cada sala, deixando aos professores a tarefa de equalizar diferentes ritmos de cumprimento do currículo. De uma só tacada, reduziram o espaço (de alunos por sala de aula) e o tempo (do ensino integral para turno único). Uma lição paradoxal de física social restritiva, que concentra mais para excluir melhor.
A capital de Minas Gerais também vive apreensiva a ameaça à educação nas escolas municipais. Vereadores da bancada evangélica e bolsonarista se articulam há alguns meses para votar o projeto da Escola sem Partido na cidade. Embora inconstitucional e com várias derrotas jurídicas pelo país afora, o projeto tem defensores que se mantêm ativos e em busca do momento certo para apresentar a proposta em plenário.
A medida estava parada desde fevereiro e agora se movimenta de forma perigosa na casa. A votação foi adiada mais uma vez esta semana, mas é preciso atenção redobrada para que não surja de forma cabotina em meio a outras matérias. De acordo com vereadores que se opõem ao projeto, a bancada fundamentalista de BH tem na Escola sem Partido uma bandeira importante em termos ideológicos e eleitorais.
Nos três níveis de governo a educação deixou de ser um falso consenso para ser um campo de batalha. Não se trata de um debate pedagógico, do confronto de visões de mundo ou de uma disputa política. É a civilização que está em jogo.
Esse raciocínio gerou uma leva de defensores da educação salvadora, que deixavam de lado temas fundamentais da questão para se concentrar apenas na crença de um futuro redentor com todos os jovens nas escolas. Se havia um saudável otimismo na vontade, não era menor o pessimismo dos meios. A escola se mantinha território da exclusão e de manutenção das elites, com as piedosas exceções de sempre.
Ao mesmo tempo, o pensamento pedagógico brasileiro evoluía, trazendo à tona o necessário debate sobre a educação como prática de liberdade, indo além do papel meramente doutrinador e de formação de mão de obra para o mercado. Educadores e legisladores se empenharam em ir além das intenções, criando caminhos legais e algumas das mais consistentes teorias, como a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire. Se os conservadores chamavam atenção para dados quantitativos, os progressistas avançavam no campo da qualidade.
Hoje, a educação deixou de ser uma perspectiva de progresso para se tornar uma âncora do atraso. Em todos os níveis de governo, há um retrocesso perigoso. Não se trata apenas de não projetar soluções para o futuro, mas de matar o presente com uma forma de tratar o conhecimento e o saber como instrumentos de dominação e alienação. O professor foi transformado em inimigo, a liberdade de cátedra se tornou uma ameaça e os estudantes são vistos como massa a ser submetida à disciplina retificadora.
Nos últimos meses, temos assistido a uma sequência de golpes mortais desferidos contra o setor. Considerado o pior ministro do pior governo republicano da história do país, Abraham Weintraub tem se notabilizado por sua ação destrutiva. Além de despreparado em termos acadêmicos, políticos e gerenciais, tem manifestado um comportamento inadequado para um titular da pasta da educação. Expressa-se mal – não poucas vezes de forma inepta e tosca – é agressivo e incapaz ao diálogo. Um antiprofessor. Mas o pior são suas ações político-administrativas.
Em tempos de crise fiscal, uma das obrigações dos gestores responsáveis é defender sua área de atuação de eventuais cortes e interrupções de projetos. No caso da educação e saúde, há quase uma garantia prévia da prioridade de suas atribuições. Em outras palavras, setores ligados aos meios se oferecem para permitir o funcionamento adequado das mais importantes ações finalísticas do setor público: saúde e educação. Ou seja: a vida.
No entanto, Weintraub não apenas se anima ao corte linear como parece ter prazer em interromper o fluxo do saber e do conhecimento. Nunca o país assistiu a um corte de gastos em educação e em investimentos em pesquisa tão abrangentes. As bolsas de pós-graduação foram limadas sem dó nem piedade, sem avaliação de impacto e sem cuidado com o risco de descontinuidade de pesquisas importantes para os estudantes e para o país. Não foi uma atitude de inspiração fiscal, mas a manifestação incontida de ressentimento.
O governo federal já havia dado várias outras demonstrações de desprezo com a educação. Ameaça de corte de verbas para as áreas de ciências humanas; intervenção ideológica em exames públicos, como o Enem; desprezo às decisões soberanas das universidades. Em pouco mais de seis meses, Bolsonaro não levou em consideração nada menos que 6 das 12 listas tríplices de candidatos a reitores de universidades públicas. Fez o mesmo com os institutos federais.
Tem desprezado o conhecimento científico que vem dos centros de pesquisa e de forma mesquinha resolveu intervir até na carteirinha de estudante. Certamente não foi para ampliar o acesso dos jovens ao cinema e teatro com meia entrada, já que, se depender dele, o país não teria cinema nem teatro. Para não deixar dúvida, ligou os desconectados tico e teco e disse que a taxa do documento financia a defesa do socialismo entre estudantes. É o máximo a que chega seu discernimento sobre a educação.
Pior que não fazer e propor que se faça de maneira errada. O projeto de escolas cívico-militares, que começa a ser divulgado pelos meios de comunicação, é a resposta assertiva do bolsonarismo ao que esses espécimes entendem por educação. O programa está sendo apresentado em busca de parceria com estados e municípios, que assim se disporiam a receber recursos carimbados para levar adiante o modelo. Será o mais bem financiado projeto de educação do país.
Como o nome entrega, trata-se um monstro híbrido entre a dimensão civil e militar. O lado civil do Frankenstein responderia pelos conteúdos que integram a base curricular, o que é lei. Já o militarismo entra em cena para garantir a gestão e a disciplina. Ou seja, os professores, alunos e comunidade escolar se tornam objeto da ação de militares que trabalham com conteúdos pacificados (ou ativamente controlados) e com comportamentos determinados pela lógica da repressão típica da caserna.
Não estão excluídos do projeto nem mesmo regras de corte de cabelo, fardamento e atitudes disciplinares punitivas. Para dar o tom verde-oliva às escolas serão convocados militares da reserva, sem qualquer experiência com a educação e uma sociedade livre e democrática. É preciso lembrar que militar aprende a obedecer ordens, não a pensar. Ou seja: o contrário do processo educacional moderno. O mais grave, no entanto, é que o projeto tem tudo para nutrir os mais inconfessados desejos de seus eleitores.
Vitaminados na ideologia do medo e da violência, sem abertura para a convivência com a diferença que engrandece a vida de possibilidades e portadores de valores moralistas tacanhos, muitos deles oriundos de religiões conservadoras, pais e mães deverão se sentir contemplados em ver seus filhos com cabeças raspadas e entoando hinos com a mão no peito. Onde há repressão, enxergam disciplina; na ausência de liberdade, contemplam retidão; na falta de abertura ao conhecimento, reafirmam preconceitos e verdades reveladas.
Minas e BH
Se no âmbito federal o panorama não é dos mais animadores, nos estados e municípios o que se acompanha é a tradução de propósitos muito semelhantes, só que na prática do dia a dia das escolas. O que é ideologia no sentido mais amplo das propostas pedagógicas do governo federal, se traduz em atitudes reducionistas e práticas mesquinhas no cotidiano das escolas. O mesmo método parece alimentar as ações em estados e municípios: de um lado, o argumento da falta de recursos; de outro, o incentivo à repressão como defesa dos valores tradicionais.
Minas Gerais tem vivido uma guerra permanente contra a educação. As primeiras medidas do governo de Romeu Zema (Novo) foram na reiterada cantilena da crise fiscal. Sem assumir prioridades, propôs cortes em todas as áreas, coroando com a extinção milhares de vagas de ensino integral. A secretária estadual de Educação, Júlia Sant’anna, veio do Rio de Janeiro para executar, com eficiência e insensibilidade, a redução de 80 mil vagas com uma penada, gerando problemas pedagógicos e sociais. E ainda tentou justificar o injustificável para algúem que responde pela educação, não pela contabilidade. Mas não ficou só nisso.
O governo estadual, que argumentava que a medida seria revista ao longo dos anos, inclusive com a perspectiva de aprimoramento do ensino em tempo integral, em poucas semanas completou a operação desmonte. Só que agora, por dentro de casa. O anúncio de fusão de turmas, no mês de agosto, foi mais uma ação que caiu sobre a comunidade educacional como um tijolo, sem discussão, enchendo as salas de aula, extinguindo turmas, interferindo no processo de aprendizagem em momento importante do calendário pedagógico.
Com um raciocínio que parte dos números para chegar às pessoas, os burocratas lançaram mão de uma metodologia que reduz o espaço vital a números, dando a cada aluno uma centimetragem mínima para existir. A partir disso, colocaram 40 alunos em cada sala, deixando aos professores a tarefa de equalizar diferentes ritmos de cumprimento do currículo. De uma só tacada, reduziram o espaço (de alunos por sala de aula) e o tempo (do ensino integral para turno único). Uma lição paradoxal de física social restritiva, que concentra mais para excluir melhor.
A capital de Minas Gerais também vive apreensiva a ameaça à educação nas escolas municipais. Vereadores da bancada evangélica e bolsonarista se articulam há alguns meses para votar o projeto da Escola sem Partido na cidade. Embora inconstitucional e com várias derrotas jurídicas pelo país afora, o projeto tem defensores que se mantêm ativos e em busca do momento certo para apresentar a proposta em plenário.
A medida estava parada desde fevereiro e agora se movimenta de forma perigosa na casa. A votação foi adiada mais uma vez esta semana, mas é preciso atenção redobrada para que não surja de forma cabotina em meio a outras matérias. De acordo com vereadores que se opõem ao projeto, a bancada fundamentalista de BH tem na Escola sem Partido uma bandeira importante em termos ideológicos e eleitorais.
Nos três níveis de governo a educação deixou de ser um falso consenso para ser um campo de batalha. Não se trata de um debate pedagógico, do confronto de visões de mundo ou de uma disputa política. É a civilização que está em jogo.
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