quinta-feira, 7 de novembro de 2019

General Mourão foi enquadrado?

Por Luis Felipe Miguel

Durante a campanha do ano passado, o candidato a vice parecia tão boquirroto quanto o candidato a presidente. Uma façanha. Defendeu suspender a vigência da Constituição. Propôs dar um autogolpe. Comprometeu-se a acabar com o décimo-terceiro salário. Disse que negros e indígenas são inferiores. Um festival.

Esperto, assessorou-se, fez media training e emergiu depois da posse quase como um gentleman. Um paradigma de sensatez, de moderação. Um defensor quase convicto das liberdades.

Ficou claro para todo mundo: Mourão estava piscando um olho, sedutor, para a parte da direita constrangida com a presença de um cavernícola na presidência. Sua fidelidade ao programa destrutivo de Guedes nunca foi posta em dúvida, mas ele - essa era a promessa - entregaria os mesmos resultados com mais competência gerencial, menos conexões ostensivas com o crime organizado, uma fachada de respeito aos direitos e às regras democráticas, bons modos à mesa.

Se ficou claro para todo mundo, ficou claro também para o clã Bolsonaro, que começou uma agressiva campanha de descrédito contra o vice traidor. Depois de ser achincalhado pela tropa de choque bolsonarista e de perder inúmeras batalhas dentro do governo, Mourão reduziu as falas com a imprensa, baixou radicalmente o perfil e praticamente se retirou para um "silêncio obsequioso".

Silêncio rompido com o artigo no Estadão de hoje, uma peça de notável truculência, nostálgica da Guerra Fria. Seu subtexto é que a democracia no Brasil está ameaçada pela esquerda. A ameaça velada é um fechamento total do regime.

Parece escrito pelo Augusto Heleno.

Não é que Mourão tenha se convertido a essa posição. Sempre foi a dele - o general de pijama bonzinho, quase inofensivo, do começo do ano, é que era uma peça de marketing. Mas é significativo que, neste momento, o vice julgue que não há mais espaço para uma posição à direita que se faça de civilizada.

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