quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Nossa América Latina tão desigual

Por Frei Betto, no site Correio da Cidadania:

A Amé­rica La­tina, com 638 mi­lhões de ha­bi­tantes, é hoje a re­gião de maior de­si­gual­dade no mundo. Após uma dé­cada de re­dução da po­breza e da de­si­gual­dade, os ín­dices voltam a pre­o­cupar, de­vido à so­ne­gação fiscal e o corte de pro­gramas so­ciais. Como as eco­no­mias na­ci­o­nais re­tro­ce­deram, hoje 20% da po­pu­lação são con­si­de­rados vul­ne­rá­veis. E 122 mi­lhões de pes­soas que dei­xaram a po­breza, mas não con­se­guiram se in­cluir na classe média, podem perder o pouco que ob­ti­veram.

Em 2002, 44,5% dos la­tino-ame­ri­canos vi­viam na po­breza, dos quais 11,2% na mi­séria. Hoje, entre a po­breza e a mi­séria vivem 30% da po­pu­lação do Con­ti­nente, ou seja, 210 mi­lhões de pes­soas.

Ne­nhum outro con­ti­nente foi tão opri­mido quanto o ame­ri­cano. Na Ásia pre­do­minam olhos pu­xados. Na África, a po­pu­lação negra. Aqui es­cas­seia quem possua traços in­dí­genas. Já no pri­meiro sé­culo da co­lo­ni­zação con­ti­nental cal­cula-se que 70 mi­lhões de ín­dios foram mas­sa­crados pelos co­lo­ni­za­dores eu­ro­peus.

Desde 2014 há forte queda da par­ti­ci­pação la­tino-ame­ri­cana no co­mércio mun­dial, e re­dução re­la­tiva do preço dos prin­ci­pais pro­dutos sul-ame­ri­canos. Al­guns países puxam o au­mento da de­si­gual­dade na re­gião: de longe, a Ve­ne­zuela, pela re­cessão econô­mica sem pre­ce­dentes, e também Brasil e Argentina.

Graças a go­vernos pro­gres­sistas ins­ta­lados no Con­ti­nente a partir de 1998, desde 2003 mais de 72 milhões de la­tino-ame­ri­canos dei­xaram a po­breza, se­gundo dados da Oxfam. Isso ocorreu de­vido ao au­mento do sa­lário mí­nimo e dos gastos pú­blicos em po­lí­ticas so­ciais, e o apri­mo­ra­mento da educação fun­da­mental.

Esse re­em­po­bre­ci­mento da po­pu­lação de­corre não apenas de fa­tores econô­micos, como o fim do boom das com­mo­di­ties, mas também de re­dução das po­lí­ticas so­ciais, em es­pe­cial nos países afe­tados por golpes par­la­men­tares, como Hon­duras, Pa­ra­guai e Brasil, e que nos úl­timos anos foram governados por pre­si­dentes ne­o­li­be­rais, como Ar­gen­tina e Chile.

Em ma­téria de edu­cação, o Brasil ainda não atingiu o pa­tamar médio dos países la­tino-ame­ri­canos. Aqui os alunos do en­sino médio per­ma­necem na es­cola cerca de quatro horas por dia. A média continental é de seis horas.

A Amé­rica La­tina não en­con­trou ainda seu mo­delo de de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tável. Todos os países con­ti­nuam na de­pen­dência de suas ex­por­ta­ções, ou seja, su­jeitos aos in­te­resses das na­ções metropolitanas e às os­ci­la­ções do mer­cado.

O Con­ti­nente não terá fu­turo en­quanto não al­cançar jus­tiça fiscal, ou seja, o im­posto pro­gres­sivo (quem ganha mais, paga mais), a re­dução da cor­rupção e o au­mento dos gastos em po­lí­ticas so­ciais.

No Brasil, o re­tro­cesso nos ín­dices so­ciais au­menta com a apro­vação das re­formas tra­ba­lhista e previden­ciária, que cor­taram subs­tan­ci­al­mente di­reitos con­quis­tados nas úl­timas sete dé­cadas.

Le­van­ta­mento do Ins­ti­tuto de Es­tudos So­ci­o­e­conô­micos (Inesc), com base em dados do Portal do Orça­mento do Se­nado, pu­bli­cado em julho, de­monstra que os cortes de verbas pro­mo­vidos por Bolso­naro nos seis pri­meiros meses de go­verno pou­param se­tores his­to­ri­ca­mente pri­vi­le­gi­ados como Le­gis­la­tivo e Ju­di­ciário, e se con­cen­traram em áreas re­la­ci­o­nadas com a ga­rantia de di­reitos humanos.

Ha­bi­tação, edu­cação, de­fesa e di­reitos da ci­da­dania foram as áreas mais atin­gidas pela po­lí­tica de cortes de re­cursos que, de ja­neiro a junho deste ano, já somam R$ 31 bi­lhões. Isso sig­ni­fica menos em­prego, menos mo­radia, menos saúde e edu­cação, menos pão na mesa do bra­si­leiro.

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