sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Um tapa nas fuças da direita brasileira

Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:

Nunca houve tantos críticos cinematográficos num governo brasileiro e seus aliados! Dividem-se entre patéticos e patetas, todos adeptos do “não vi e não gostei” – de Democracia em Vertigem, concorrente ao Oscar de melhor documentário. Falam sem argumentos, mas com muita convicção. O mais patético comentário de todos foi o do MBL, choramingando que também tinham feito um documentário sobre o impeachment, mas que não foi incluído na lista.

O mais pateta foi o do ex-embaixador do Hambúrguer Frito, Dudu Bolso, alegando que o Oscar é de esquerda. No meio do caminho houve de tudo: comentários que se queriam ferinos, mas eram feridos, dizendo que o filme era de “ficção”. Outro reclamando que a filme não mostrava a “realidade”. Janaína Paschoal e Michel Temer se recusando a comentar, dizendo que não tinham visto o filme – embora, na minha opinião, devessem concorrer ao Oscar de atores coadjuvantes, junto com Miguel Reale Jr. (muito apagado) e Eduardo Cunha (saliente demais).

Tresloucados

Anotem-se ainda as declarações do incansável general Heleno, ao lado das do próprio presidente Bolsonaro, mais o secretário da Cultura, Roberto autoproclamado Alvim, mais jornalistas apoiadores do golpe, todos menoscabando a indicação, o filme, o Oscar e… last, but not least, o próprio golpe, fazendo-o parecer uma iniciativa de gente tresloucada que não sabe em que planeta vive. Ou melhor, sabe: algum planeta fantasiado de Terraplana…

Democracia em Vertigem está na lista para o Oscar de melhor documentário por ser uma bela peça cinematográfica. Sóbria, absolutamente pessoal e conta com a necessária fragilidade da narração em primeira pessoa. Mas que se torna um robusto depoimento sobre o mundo interno e externo da diretora. Segue uma tendência das artes contemporâneas, que é a inclusão da autoria como personagem da própria criação.

Não se trata apenas das artes autobiográficas, prática de longa e antiga tradição, desde a Divina Comédia, por exemplo. Penso em algo como o recente romance do escritor turco Orhan Pamuk, O Museu da Inocência. Pamuk põe-se como personagem, receptor e reconstrutor da narrativa de primeira pessoa que o protagonista lhe confiou.

É uma maneira de relativizar seu próprio ponto de vista, num momento cultural em que vivemos sob o império da subjetividade. Ao contrário de negá-la, trata-se de expô-la enquanto tal, abrindo-se à possibilidade de discutir seus pressupostos e afirmativas. Trata-se, na verdade, de um convite ao diálogo.

Onipotência do PSDB

Ora, nada mais estranho ao mundo da direita brasileira, e não só da extrema-direita. Esta vive da negação monocromática da possibilidade de outros pontos de vista. Aquela, da desqualificação de qualquer outro ponto de vista. Adequam-se aí neste reino as reações tanto do choraminguento MBL, a dos governantes que querem desqualificar tudo, a indicação e o próprio Oscar, quanto a do PSDB, ferido em sua onipotência – mistura de onipotência com impotência – de porta-voz autoproclamado da “civilização” liberal diante da “barbárie” das esquerdas.

Desejemos boa sorte à Petra e seu documentário, que ganhe o Oscar, concorrendo com contendores de peso, do qual, para mim, o mais promissor é o norte-macedônico Honeyland, “Terra do Mel”, tocante documentário sobre mulher que vive nas montanhas balcânicas cultivando colmeias de acordo com práticas milenares, lutando contra a mercantilização destrutiva das abelhas.

Mas desde já a indicação já foi um tapa nas fuças da direita brasileira, arrogante e insegura a ponto de não conseguir suportar a menor contestação de seu discurso monobloco.

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