sexta-feira, 15 de julho de 2011

A opção da moratória na Europa

Por Antonio Martins, no sítio Outras Palavras:

Ameaçada pela falência financeira e pela desmoralização completa da política institucional, a Grécia continua no centro do palco europeu — mas acaba de haver uma grande mudança no script de seu drama. A União Europeia (UE), que até o fim de semana exigia apenas sacrifícios dos gregos e respeito aos interesses dos credores, passou a trabalhar com outra opção, a partir de segunda-feira (11/7). Ela não está sendo, nem será, chamada por seu nome verdadeiro, mas é uma moratória parcial da dívida do país, seguida de renegociação.



Por enquanto, é apenas uma hipótese, e o desfecho poderá se dar sexta-feira (15/7), numa provável reunião de chefes de Estado. Mas o simples fato de ser considerada emite um sinal claro, muito positivo e que deveria ser entendido também no Brasil. Tentar superar as novas turbulências financeiras cortando direitos sociais e serviços públicos não é a única opção – e está se tornando insustentável.

O alarme que sacudiu a Europa soou na manhã de segunda-feira, quando a crise grega começou a contagiar Espanha e… Itália. As autoridades da terceira maior economia do continente tiveram dificuldades ao rolar sua dívida. Para fazê-lo, foram obrigadas a elevar as taxas de juros a um patamar recorde, desde a adoção do euro: 3 pontos percentuais acima das oferecidas pela Alemanha. A espiral de notícias desagradáveis expandiu-se com rapidez. Na noite de terça, a Moody’s, uma das grandes agências globais de análise de riscos, classificou como “lixo” [junky] a dívida da Irlanda (a de Portugal já fora rebaixada à mesma categoria uma semana antes). Na manhã desta quarta, até a França foi obrigada a elevar ligeiramente seus juros.

Na Itália, a reação do governo Berlusconi foi a mais previsível: um pacote de corte de serviços públicos e privatizações. Mas, ainda na segunda à noite, algo novo ocorreu, durante uma reunião de ministros de Finanças da UE. O encontro, realizado em Bruxelas, durou oito horas, muito mais que o previsto. Embora inconclusiva e repleta de nuances, como apontou fina análise da revista The Economist, a nota emitida ao final já não afasta a hipótese de uma moratória parcial da Grécia. Aponta, nas entrelinhas, uma divisão. Os ministros registram que o Banco Central Europeu (BCE) – o mais feroz guardião dos interesses dos credores – manifestou-se contra tal possibilidade. Mas não assumem automaticamente a posição do banco, algo inédito desde o início da crise grega.

A indecisão da UE é provocada por um risco concreto e uma divergência de fundo. O perigo imediato é o de um “acidente de crédito”, ou credit event. Os enormes sacrifícios impostos pelo governo grego à sua sociedade há duas semanas não convenceram os dirigentes europeus, até o momento, a liberar os recursos prometidos para o “resgate” do país. Dos 110 bilhões de euros prometidos pela UE (e necessários para evitar o risco de insolvência nos próximos dois anos), apenas um décimo foi liberado.

O descumprimento do compromisso mantém o país sujeito a uma fuga de capitais, conforme queixou-se o primeiro-ministro George Papandreou, numa carta aberta dirigida, segunda-feira, aos ministros de Finanças. E ela poderia desencadear algo incontrolável. Parte dos credores detém títulos [“CDS” (credit-default swaps)] com cláusula de proteção contra insolvência. Se a fuga de capitais levar o Tesouro grego a não honrar parte de suas dívidas, estes credores poderão voltar-se contra o próprio sistema financeiro, requerendo o pagamento do seguro. A consequência seria uma quebradeira em dominó, de extensões desconhecidas.

Ainda mais revelador – embora invisível nos jornais brasileiros – é o desacordo crescente entre os próprios economistas do mainstream. Parte deles reconhece que as dificuldades financeiras dos Estados não se devem a suposto desperdício. São consequência direta dos enormes recursos despejados na economia (em particular nos bancos…), para evitar que a crise iniciada em 2008 desencadeasse uma depressão semelhante à dos anos 1930. Portanto, a tentativa de enfrentar o problema cortando gastos sociais e preservando os lucros financeiros não se apoia em nenhum critério técnico. Sua única base é o imenso poder político da pequena oligarquia que se enriquece às custas de juros, como escreveu há poucas semanas Paul Krugman, Nobel de Economia.

Em um editorial e dois artigos [1 2] recentes, The Economist destaca os absurdos e os riscos implícitos em tal política. Além de não ter sido ainda afastada, a ameaça de depressão é reavivada por governantes que adotam atitudes muito parecidas às da Grande Depressão. A revista adverte: à época, “poucos observadores imaginavam a catástrofe à sua frente. Era difícil conceber a ideia de que os dirigentes conduziriam suas economias para um desastre evitável. E no entanto, ele ocorreu”.

* * *

Como a reunião dos ministros de Finanças da UE foi inconclusiva, a decisão sobre a Grécia ficou postergada para um encontro extraordinário dos chefes de governo, que ocorrerá provavelmente na sexta-feira. A possível moratória em debate não é, evidentemente, tão ampla quanto as soluções vislumbradas por economistas mais radicais, como Mike Weisbrot e James Kenneth Galbraith (ler ponto IV de nosso texto sobre a crise europeia). Debate-se agora duas medidas parciais: impor, aos bancos privados credores da Grécia, o prolongamento de parte da dívida; e oferecer à Grécia recursos para que resgate com grande desconto, parte dos títulos de sua própria dívida nos mercados secundários, onde são cotados como “lixo”. Uma vez permitida aos gregos, a mesma solução seria reivindicada imediatamente, antecipa The Economist, por portugueses, espanhóis e irlandeses

Ainda que limitada, ela abrirá, se assumida, uma janela de sensatez em meio a um ambiente insano. Adotadas a partir da Europa, há cerca de um ano, as políticas de cortes de gastos públicos espalharam-se pelo mundo, graças à força que os especuladores financeiros adquiriram em quase todos os Estados. Nos EUA, o Partido Republicano apoia-se em ideologia semelhante para impor corte de programas sociais e manter isenções de impostos que beneficiam os ricos. No Brasil, o governo de Dilma Roussef partiu, em seus primeiros seis meses, para um vasto “contingenciamento” de despesas, que tem o mesmo sentido, ainda que mais ameno (há alternativas, como escreveu o economista Amir Khair).

Será um alívio se tais políticas sofrerem uma primeira grande derrota, bem no ninho da serpente.

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