terça-feira, 5 de maio de 2015

O cerco à greve dos professores de SP

Por Altamiro Borges

Deflagrada em 13 de março, a greve dos professores da rede pública de São Paulo sofre brutal cerco do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que se recusa a negociar com o sindicato da categoria (Apeoesp) e adota várias medidas repressivas. Nesta semana, o grão-tucano anunciou o corte dos salários dos grevistas. Na anterior, o governo paulista já havia conseguido derrubar na Justiça uma decisão liminar que autorizava a entidade sindical a divulgar a paralisação nas escolas. O violento cerco do tucanato conta com a cumplicidade da mídia chapa-branca, que faz de tudo para inviabilizar a massiva mobilização da categoria que já dura quase dois meses. Em editorias e comentários hidrófobos, a mídia tucana demoniza os grevistas e esconde o “picolé de chuchu”.

Diante da decisão do corte do ponto, a Apeoesp ingressou no Tribunal de Justiça de São Paulo – totalmente servil aos tucanos – com uma ação preventiva, mas o pedido foi indeferido. Segundo reportagem do Estadão, jornal declaradamente contrário à greve, “o corte surpreendeu os docentes. Rafael Fernandes, que dá expediente na Escola Estadual Carlos Augusto de Freitas Villalva, leu em seu demonstrativo que receberá apenas R$ 914,89. O salário de Fernandes é de R$ 2.500. Já as faltas somaram R$ 1.417,75. O professor Thiago Ribeiro, da Escola Estadual Maria Augusta de Moraes Neve, também ficou assustado pelos descontos. ‘Estou há 52 dias em greve e mesmo sem nenhuma liminar, meu ponto foi cortado’, reclamou”.

A iniciativa do truculento tucano visa intimidar os grevistas, mas a Apeoesp garante que não haverá recuos enquanto as negociações não forem retomadas. “Somos a única categoria que tem a greve reconhecida, mas é descontada. Parece até que o governo não quer que as aulas sejam repostas”, afirma Maria Izabel Azevedo de Noronha, presidenta da entidade. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal rejeitam o autoritarismo de Geraldo Alckmin. O STF só considera legal o corte de ponto em casos em que a greve é julgada ilegal - o que não ocorreu em São Paulo. Para Marcus Orione, professor da Faculdade de Direito da USP, “há uma decisão no STF no sentido de inadmissibilidade do corte. Sem decretação da ilegalidade da greve, eles não podem cortar ponto”.

Já no caso da proibição da divulgação do movimento no interior das escolas, a Apeoesp também pretende recorrer. Numa liminar concedida em 24 de abril, a entidade havia garantido o direito de conversar com os professores nos intervalos das aulas e de colar cartazes sobre a campanha da categoria. Na quinta-feira passada (30), porém, o juiz Fermino Magnani Filho, da 5ª Câmara de Direito Público, derrubou a liminar sob o argumento de que a ação sindical dentro das escolas “favorece atos de explícita intimidação dos não grevistas”. Numa decisão descaradamente política, ele também criticou a greve dos professores de São Paulo. “Professores?”, questionou o nada imparcial juiz. Para ele, escolar é lugar de “aulas e difusão da cultura” e não de ação sindical!

A violência contra os professores de São Paulo não se compara a praticada no Paraná, também governada por um tucano, já apelido de Beto Hitler. Mas ela evidencia como o PSDB trata a categoria e a educação. Neste sentido, vale a reflexão exposta nesta terça-feira (5) pelo filósofo Vladimir Safatle, na Folha:

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Não seja professor

Quem escreve este artigo é alguém que é professor universitário há quase 20 anos e que gostaria de estar neste momento escrevendo o contrário do que se vê obrigado agora a dizer. Pois, diante das circunstâncias, gostaria de aproveitar o espaço para escrever diretamente a meus alunos e pedir a eles que não sejam professores, não cometam esse equívoco. Esta "pátria educadora" não merece ter professores.

Um professor, principalmente aquele que se dedicou ao ensino fundamental e médio, será cotidianamente desprezado. Seu salário será, em média, 51% do salário médio daqueles que terão a mesma formação. Em um estudo publicado há meses pela OCDE, o salário do professor brasileiro aparece em penúltimo lugar em uma lista de 35 países, atrás da Turquia, do Chile e do México, entre tantos outros.

Mesmo assim, você ouvirá que ser professor é uma vocação, que seu salário não é assim tão ruim e outras amenidades do gênero. Suas salas de aula terão, em média, 32 alunos, enquanto no Chile são 27 e Portugal, 8. Sua escola provavelmente não terá biblioteca, como é o caso de 72% das escolas públicas brasileiras.

Se você tiver a péssima ideia de se manifestar contra o descalabro e a precarização, caso você more no Paraná, o governo o tratará à base de bomba de gás lacrimogêneo, cachorro e bala de borracha. Em outros Estados, a pura e simples indiferença. Imagens correrão o mundo, a Anistia Internacional irá emitir notas condenando, mas as principais revistas semanárias do país não darão nada a respeito nem do fato nem de sua situação. Para elas e para a "opinião pública" que elas parecem representar, você não existe.

Mais importante para elas não é sua situação, base para os resultados medíocres da educação nacional, mas alguma diatribe canina contra o governo ou os emocionantes embates entre os presidentes da Câmara e do Senado a fim de saber quem espolia mais um Executivo nas cordas.

No entanto, depois de voltar para casa sangrando por ter levado uma bala de borracha da nossa simpática PM, você poderá ter o prazer de ligar a televisão e ouvir alguma celebridade deplorando o fato de o país "ter pouca educação" ou algum candidato a governador dizer que educação será sempre a prioridade das prioridades.

Diante de tamanho cinismo, você não terá nada a fazer a não ser alimentar uma incompreensão profunda por ter sido professor, em vez de ter aberto um restaurante. Por isso o melhor a fazer é recusar-se a ser professor de ensino médio e fundamental. Assim, acordaremos um dia em um país que não poderá mais mentir para si mesmo, pois as escolas estarão fechadas pela recusa de nossos jovens a serem humilhados como professores e a perpetuarem a farsa.
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