sábado, 4 de junho de 2011

Eleição no Peru: no olho mecânico

Por Antonio Luiz M. C. Costa, na revista CartaCapital:

Na semana anterior ao segundo turno da eleição presidencial peruana de 5 de junho, era impossível arriscar um palpite sobre o vencedor. Ollanta Humala venceu o primeiro turno e saiu à frente nas primeiras pesquisas para o segundo turno até a primeira semana de maio. Keiko Fujimori ultrapassou-o na maioria das pesquisas divulgadas a partir de 8 de maio, mas sua vantagem se estreitou para um empate técnico (com vantagem de Humala em uma das cinco) nas últimas publicadas antes da proibição legal, em 29 de maio.

Nos últimos dias, Humala teve uma marcha a seu favor, organizada por ONGs, para lembrar as violações de direitos humanos na era Fujimori, com 15 mil participantes em Lima. A maioria dos indecisos está entre os pobres e o eleitorado é volátil: dos cinco principais candidatos, quatro tiveram vez de liderar as pesquisas antes do primeiro turno e todos chegaram a ser pelo menos vice-líderes. Segundo informações extra-oficiais, várias pesquisas não publicadas indicam que Humala de fato passou à frente durante a última semana.



No último debate entre os candidatos, também no dia 29, Humala manteve Keiko Fujimori sob pressão o tempo todo, lembrando os abusos cometidos por seu pai, Alberto, principalmente a esterilização forçada de 300 mil mulheres e o desvio provado de 600 milhões de dólares. Keiko perdeu a calma: “A candidata sou eu, não Alberto Fujimori. Sou eu quem tomará as decisões. Se quer debater com ele, vá à Diroes (o quartel da polícia onde o pai está preso)”. Não é convincente: poucos no Peru duvidam de que ela seria uma “laranja” do pai.

O contra-ataque concentrou-se na tese de que Humala seria “ameaça aos investimentos” e em uma denúncia por suposta violação de direitos humanos por Humala quando capitão do Exército, em 1992. Se verdadeira, teria sido sob as ordens do então presidente Alberto Fujimori. O candidato respondeu que foi absolvido “pela mesma Justiça que condenou seu pai”. Ganhou por pontos: a maioria não viu um vencedor contundente.

Keiko não recorreu à acusação explícita de “chavismo”, que aparentemente deixou de ser crível o suficiente para ser usada em horário nobre. Nesta eleição, Humala amenizou sua imagem para afastá-la de Chávez e aproximá-la de Lula, e recebeu apoio de políticos e intelectuais insuspeitos de “chavismo”, incluindo os escritores Mario Vargas Llosa e Alfredo Bryce Echenique e o ex-presidente e ex-candidato Alejandro Toledo. Mesmo assim, o medo da classe média, principalmente em Lima, é a maior força a impulsionar os Fujimori, com ajuda do capital estrangeiro.

O Peru tem sido um paraíso para as transnacionais, principalmente as da mineração, que não querem arriscar os privilégios com que foram presenteadas desde o governo de Fujimori pai. E o Wall Street Journal e outras publicações ligadas a seus interesses têm contribuído para alimentar a ansiedade da classe média.

Inclusive, com um curioso artigo da colunista Mary Anastasia O’Grady, ligando Humala não a Chávez, mas a Mauricio Funes, presidente de El Salvador. O que têm em comum, além da inclinação à esquerda? O mesmo marqueteiro, João Santana. E qual o problema? Segundo a colunista, a dívida pública de El Salvador aumentou de 36%, em 2008, para 51% do PIB, em 2010 (correto, mas a dos EUA aumentou de 40% para 62% do PIB no mesmo período), os investimentos estrangeiros caíram, a classificação da dívida foi rebaixada, o país caiu da nona para a 39ª posição no Índice de Liberdade Econômica da conservadora The Heritage Foundation – e, por isso, “o futuro dos peruanos poderá não ser tão róseo” quanto o do bem-sucedido marqueteiro. Não é a opinião dos salvadorenhos: há dois anos no poder, Funes, que melhorou a renda dos servidores, tornou gratuitas a saúde pública e a merenda e criou bolsas para idosos e pessoas em extrema pobreza, é um dos presidentes mais populares das Américas, com 85% de aprovação.

Os poderes ditatoriais que Alberto Fujimori se arrogou ao promover o “autogolpe” com o pretexto de combater a guerrilha serviram principalmente para levar seu país mais longe no caminho do neoliberalismo do que ousaria qualquer governo democraticamente eleito da América Latina. Em meados dos anos 90, analistas e investidores incomodados com as reformas sociais promovidas pela Concertación no modelo chileno, viam em Fujimori pai o verdadeiro sucessor de Pinochet e recomendavam: “O Peru é o novo Chile”.

Fujimori pai foi ainda mais radical (além de descaradamente mais corrupto): seu “modelo asiático” abandonou toda a proteção aos setores locais (a tarifa média de importação é 2%), não manteve nenhum setor estratégico sob controle estatal (ao contrário do cobre no Chile) e, mais do que derrubar salários, liquidou o emprego formal no país. Com 5,6 milhões de empresas para 29 milhões de habitantes, o Peru tornou-se um país de “empresários” que na esmagadora maioria são subempregados sem seguro ou previdência que, se “empregam” alguém, é um familiar sem remuneração.

A economia cresce, uma minoria atinge padrões de consumo dignos de países ricos, parte da população urbana entrevê a possibilidade de ascensão social, mas o número de excluídos é grande demais para uma democracia. Todos os governos da última década foram muito impopulares e marcados por repressão de revoltas. A apenas duas semanas do segundo turno, em Puno, o Exército foi mobilizado contra manifestantes, que fecharam a estrada para a Bolívia, em protesto contra a instalação da mineradora canadense Bear Creek, cujas atividades poluiriam o Lago Titicaca sem proveito para a população da região.

As transnacionais, por certo, preferem Fujimori, inclusive as brasileiras, ouviu o Valor Econômico de 1º de junho de executi-vos não identificados. Mesmo se Toledo, ao qual confiaram seu suporte e a maior parte de suas doações no primeiro turno, resolveu dar apoio crítico a Humala. Não se espere delas visão e compromissos de longo prazo: seu entendimento do país e seus problemas são superficiais e não vão além dos efeitos sobre seus balanços dos impostos que poderiam ser aumentados para financiar os programas sociais.

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