Valter Campanato/ABr |
Em debate na Casa de Cultura Mário Quintana nesta quinta-feira à tarde (26), Marcelo Branco lembrou que no Fórum Social Mundial de 2001, o primeiro, foi feita uma conexão para que um participante europeu entrasse ao vivo na programação. Hoje uma conversa por Skype transmitida num telão não é nada absurdo, mas naquela época era uma fortuna e extremamente complicado. Provando que a tecnologia pode ser usada para nos conectar, aproximar movimentos, fortalecer lutas, o Conexões Globais 2.0, uma atividade que integra o Fórum Social Temático e que está sendo promovida pela Associação Software Livre e as Secretarias de Cultura e de Comunicação e Inclusão Digital do estado, trouxe ativistas digitais de diversas partes do mundo para o debate. Eles entraram virtualmente e possibilitaram uma troca que provavelmente tivesse sido inviável de acontecer de forma presencial. Marcelo, um dos idealizadores do evento e ativista do software livre, estava todo faceiro diante do sucesso da ideia.
Não precisa muito para entender por que a coisa funcionou tão bem. O objetivo era discutir os movimentos sociais que vêm agitando o mundo nos últimos meses – Egito, Tunísia, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra… – e o papel da internet nesse processo de democratização. Daí trouxeram participantes diretos desses movimentos, que podem falar melhor do que ninguém sobre o que aconteceu. E fizeram isso usando a ferramenta que está sendo debatida. A internet se torna, também aqui, um instrumento de aproximação.
A internet como direito humano
Tudo começou quarta à tarde. Com outras atividades desde as 14h, o Conexões apresentou o primeiro Diálogos Globais às 16h, conectando com o advogado espanhol Javier de La Cueva. Por aqui, os debatedores eram de peso. A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, aproveitou para fazer o link com a Comissão da Verdade e, principalmente, a Lei Geral de Acesso à Informação, ambas sancionadas no ano passado pela presidenta Dilma, afirmando que o governo é público e que tem que estar preparado para prestar contas de cada ação. E perguntou: “Que direito à educação e à cultura pode existir se não há direito à informação e acesso à internet? Muitos defendem que também na rede o regulador seja o mercado. Nós defendemos que seja a sociedade livre”. A opinião foi compartilhada por Rogério Santanna, ex-presidente da Telebras, que defendeu a necessidade de interferência do Estado na distribuição da banda larga com o argumento de que hoje, regulada pelo mercado, a banda larga e concentrada nas regiões mais ricas do país. O cientista político Giuseppe Cocco completou a mesa.
Da Primavera Árabe à internet na construção da democracia 2.0
Mas a Casa de Cultura lotou mesmo no diálogo seguinte, quando o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, o chefe de gabinete do governador do RS e coordenador do Gabinete Digital, Vinícius Wu, e o jornalista criador do Le Monde Diplomatique Brasil, Antônio Martins, fizeram o debate com base na fala da jornalista Olga Rodríguez, especialista em Oriente Médio. A webconferência tratou da Primavera Árabe e versou sobre a internet como um instrumento de “construção da democracia”, nas palavras de Gil. Uma das intervenções mais aplaudidas foi a de Martins, ao defender a utilização da internet de forma propositiva e ativa.
Ferramentas sociais para ativismo e militância política
Os diálogos de quinta trouxeram uma surpresa. Um dos articuladores do 15-M, na Espanha, Javier Toret, aparecia como webconferencista na programação, mas optou por ser menos virtual dessa vez e deu as graças no Mário Quintana. O participante, agora presencial, contou sobre as questões técnicas e políticas envolvidas na comunicação do movimento, com os limites impostos pelas companhias privadas responsáveis por Facebook e Twitter, entre outros, com a manipulação de informações (como os trending topics) e a falta de privacidade. Ele encantou o pessoal ao colocar no telão o mapa do fluxo de informações que tomou conta do 15-M, mostrando como ele se intensifica à medida que o movimento ganha força.
O papel das empresas de redes sociais e outras ferramentas foi destacado também pelo sociólogo Sergio Amadeu, um entusiasta do hackerismo, que ele definiu como “levar ao limite, inverter, fazer aquilo que não se imaginava” e comparou com as greves de trabalhadores, que também eram criminalizadas quando começaram a ser feitas. Pablo Capilé, do coletivo Fora do Eixo, fez uma fala afirmativa, argumentando que o principal agora é saber como conectar as redes e as ações para potencilizar a luta. “O combate pelo combate (só dizer que a universidade não serve, que o governo não serve, que os partidos não servem) é uma lógica rancorosa, ultrapassada.” Para ele, quem não percebeu isso ainda, não entendeu a sociedade em que vivemos, que já passou dessa fase.
#Occupy Wall Street: Uma economia a serviço das pessoas
Terminando o dia – antes do show do músico Serraria -, entrou no telão a jornalista Vanessa Zettler, de Nova York. Ela foi uma das primeiras pessoas a chegar na praça em que foi feito o acampamento do Occupy Wall Street e contou um pouco de como a coisa funcionava – e ainda funciona – no movimento. Mesmo depois de obrigados a deixar o local, os participantes ainda se reúnem em assembleias diárias, segundo ela. Uma matéria de Vanessa sobre o Occupy foi capa da revista Fórum, que nasceu no primeiro Fórum Social Mundial.
Então, para debater a webconferência, veio a Porto Alegre Renato Rovai, o editor da revista, que se sentou ao lado de jornalista italiano Emiliano Bos, que realiza coberturas de conflitos, e de Wilhelmina Trout, da Marcha Mundial das Mulheres na África do Sul. Apesar da combinação aparentemente inusitada, o debate fluiu super bem. Renato fez uma retomada histórica de diversos movimentos que utilizaram a rede como plataforma de mobiliação, desde os zapatistas no México, em 1994, passando por Seattle em 1999, o próprio Fórum Social Mundial, em 2001, até chegar aos indignados e aos Occupy, com seu slogan dos 99% contra 1%. Wilhelmina focou na necessidade de as mulheres tomarem a rede e fazerem uma luta contra o patriarcado, no que Marcelo Branco respondeu que nós já somos maioria dos internautas.
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