quarta-feira, 16 de julho de 2014

A luta política pela Copa

Por Haroldo Lima

Nem bem a seleção alemã tinha conquistado seu magistral tetracampeonato mundial de futebol, quando o Faustão, da Globo, proclamou com solenidade: “os dois campeões do certame foram, em campo, a seleção alemã; fora do campo, o povo brasileiro”. E explicou: a seleção alemã, pelo jogo que demonstrou; o povo brasileiro, pela sua simpatia, hospitalidade, cordialidade e outras idades.

Em seguida, em seu programa domingueiro, sua repórter passou a falar de Copacabana e entrevistou uma argentina que, emocionada, declarou não ter sido possível seu país chegar a ser campeão, mas que valeu a pena participar dessa Copa no Brasil, tão grandiosa, tão envolvente e com “essa organização fantástica”, em que... Não conseguiu terminar, o Faustão cortou-lhe a palavra e disse que “já tinha dito, fora de campo, foi o povo brasileiro”. Fala em seguida com o Galvão Bueno que, meio desengonçado, disse que, durante a Copa, “viajei do Amazonas ao Rio Grande do Sul e... tudo sem problema”. O Faustão rapidamente arrematou: é isso aí, o povo deu um grande exemplo de civilidade.

Na verdade, a gente brasileira mostrou durante a Copa a afetividade com que recebe visitantes, a alegria com que contagia os amigos, a tendência ao convívio sem discriminação das nacionalidades e etnias. Mas isto não foi nenhuma novidade revelada por essa Copa, ao contrário, este traço amigável e alegre é próprio da gente brasileira, uma característica marcante que a distingue.

Tínhamos, sim, uma questão a resolver nessa Copa. É que foi plantada frente a todos, minuciosa e demoradamente, pela grande mídia nacional, uma dúvida atroz: a de que o Brasil não tinha condições de realizar um grande evento como a Copa do Mundo, seja por ausência de recursos, ausência de infraestrutura física, seja por incapacidade de seus governantes, dominados que estavam pelo aproveitamento político da máquina estatal e pela corrupção.

O que a Copa revelou é que isto era uma grande mentira, pois que os prognósticos longamente divulgados, e acalentados, da nossa incapacidade não aconteceram. O que se viu, ao contrário, foi que funcionaram relativamente bem os aeroportos, linhas de transporte, aéreas e terrestres, rede hoteleira, estádios em 12 cidades, novos ou reconstruídos, com fontes energéticas sustentáveis, segurança dos jogos, dos jogadores, dos 600 mil visitantes, dos sete ou oito chefes de Estado, das autoridades, do povo em geral. O negativismo, que enxergava o caos em tudo, que anunciava aos quatro ventos a nossa indigência administrativa, que repetia que se as coisas estão ruins agora, “imagine na Copa”, toda essa cansativa e enfadonha campanha foi rotundamente derrotada.

E se as catástrofes e desgraças apregoadas não aconteceram, a despeito de incentivadas pela formidável máquina da grande mídia, não foi por ser nosso povo alegre e hospitaleiro, foi porque o governo brasileiro e os governos estaduais acreditaram na necessidade de preparar e organizar uma grande Copa e empenharam-se nesse sentido com todas as forças e destemor, apesar do mau agouro dos corvos e cassandras.

A presidenta Dilma, em mais de uma oportunidade, foi mal tratada nesse período, como chefe de Estado e como mulher. Isto porque segurou firme a ideia de realizar uma grande Copa, coisa difícil, nas circunstâncias propaladas, para qualquer chefe de Estado, mormente para uma mulher. Os apupos a ela desferidos foram injustos e desrespeitosos. Ela se portou com altivez e dignidade. Setores médios da população participaram de manifestações iníquas, deixaram-se levar pela política da direita. O pessoal da esquerda deve refletir porque as coisas chegaram a esse ponto.

Chama a atenção o silêncio que de repente se abateu sobre o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. Se as decantadas e desejadas dificuldades tivessem acontecido, se os aeroportos estivessem atravancados, os voos, atrasados, os hotéis, sem vagas, e a segurança, comprometida, o ministro seria talvez o alvo principal das entrevistas, dos questionamentos, das grosserias, dos pedidos de explicação. Como tudo andou bem, resolveram esconder o Aldo Rebelo dos horários nobres e dos meios massivos.
Essa é a disputa política em voga hoje no Brasil. Muda-se a tônica, permanece o mesmo sentido. Blasonavam os altos gastos públicos nos estádios, que seriam maiores do que o que se gastava com educação, saúde, mobilidade urbana, segurança etc. Quando se evidenciaram que os gastos com os estádios são incomparavelmente inferiores aos relativos à educação, saúde etc. Mudaram a forma de abordar a questão: tudo funcionou bem porque nosso povo é alegre!

Os fatos? Danem-se os fatos. Essa é a lógica da grande mídia hegemônica, hoje transfigurada em partido político. Ela própria, no passado, abrigava também outras vertentes, era mais plural, contava com jornalistas mais investigativos, afeitos a análises mais multilaterais, mais objetivas, menos politizadas. Esse jornalismo mais sério, que floresceu em certa medida mesmo nos limites da grande imprensa, hoje, em geral, sobrevive só em meios alternativos e, no mais, praticamente não conta, não tem papel maior, situa-se, talvez, como um resíduo, ou exceção. Em perspectiva, é essa lógica que temos que mudar.

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