sábado, 2 de julho de 2016

"Governo Temer": Lumpesinato no poder

Por José Arbex Jr., na revista Caros Amigos:

“Ouvi aqui: ‘O Temer está muito frágil, coitadinho, não sabe governar.’ Conversa! Fui secretário de Segurança Pública duas vezes em São Paulo e tratava com bandidos. Sei o que fazer no governo e saberei como conduzir”, declarou o presidente interino Michel Temer, em 24 de maio, ao cumprir os primeiros 12 dias de governo, logo após a renúncia de Romero Jucá da pasta do Planejamento.

Dando ênfase às suas palavras, Temer dá um murro na mesa, para mostrar que ele sabe, mesmo, governar. Estabelece, portanto, uma equiparação, um sinal de igualdade, uma identidade entre “governar” e “tratar com bandidos”. Nada e ninguém poderia definir de modo mais preciso e exato o que significa a entrada de Temer no Planalto.

O bando que tomou o palácio, por ele chefiado, não tem um projeto de País ou, sequer, um plano de governo. Não tem qualquer estratégia endereçada a satisfazer as demandas de uma sociedade atingida por uma gravíssima crise econômica, com todas as suas consequências, incluindo a principal, o desemprego. Não tem nada a oferecer, a não ser mais miséria e repressão: ordem e progresso, nas palavras do próprio Temer.
As primeiras semanas de governo já mostraram que as suas ações cumprem, apenas, o propósito de revogar as poucas conquistas sociais asseguradas pelos governos petistas, com o objetivo de alcançar o superávit primário destinado a engordar os cofres de banqueiros, especuladores e financistas mafiosos, e garantir as condições políticas para o processo de contínuo saqueio das riquezas nacionais. 

As medidas incluem, em suas linhas gerais, corte de verbas para o sistema público de educação e saúde, ataque ao sistema previdenciário e trabalhista, privatizações aceleradas de estatais, e a permissão para a exploração irrefreada e sem controle do subsolo, da biodiversidade e das riquezas naturais (tudo devidamente assegurado pela medida provisória 727, de 13 de maio, que garante ao “mercado” o patrocínio de meios fornecidos pelo Estado, mediante o estabelecimento de “parceria de investimentos”). 

Este é o seu horizonte: não há mais nada além disso. Ponto final. Inútil tentar encontrar, por trás de suas ações governamentais, os ensinamentos de uma escola ou orientação filosófica qualquer, de uma doutrina econômica, de uma concepção sobre como deveriam ser estabelecidas as relações entre Estado e sociedade. Não há o que discutir, argumentar, raciocinar. A selvageria foi instalada. É simples assim.

O seu emblema bem poderia ser a foto do encontro, em 25 de maio, entre Alexandre Frota e o ministro da Educação Mendonça Filho, quando o estuprador confesso pediu o fim da ideologia política e de gênero nas escolas (no mesmo dia, aliás, em que, por uma ironia do destino, eclodia o escândalo de uma adolescente vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro). Os atos do presidente policial prenunciam um caos muito maior do que o deixado pela hedionda ditadura militar. O regime dos generais, ao menos, era portador de uma visão de País que implicava um projeto de industrialização capaz de gerar 10 milhões de empregos.

Os generais tinham uma visão de futuro, do lugar que o Brasil deveria ocupar entre as nações, independentemente, é claro, da opinião que se possa ter sobre a qualidade e a natureza de seu projeto. O “milagre brasileiro” aconteceu: entre 1969 e 1974, a economia cresceu a um ritmo de 10% ao ano. Quando os militares foram apeados do poder, em 1985, deixaram um País dotado de certa infraestrutura industrial, com uma classe média minimamente consolidada. 

A atual gangue no Planalto não tem nenhuma visão de futuro. Não tem compromisso com qualquer sistema ideológico, nem sequer com o neoliberalismo dos anos 1990, anunciado pelo Consenso de Washington, cujos profetas pretendiam articular um discurso supostamente civilizado, em defesa das “virtudes do mercado” e contra o autoritarismo do Estado (nada mais contrário ao pressuposto neoliberal do que, por exemplo, a já mencionada MP 727). Mas, tampouco se trata de um governo neoconservador, como o chefiado por George Bush, nos Estados Unidos. 

Não é neoconservador, por não pretender conservar coisa alguma. Ao contrário: não tem respeito por qualquer tradição, instituição ou costume característico da vida nacional (não por acaso, quis eliminar, logo de cara, o Ministério da Cultura, considerado um inútil consumidor de verbas). Nem desenvolvimentista, nem neoliberal, nem neoconservador: a gangue de mafiosos chefiada por Temer não está vinculada a qualquer sistema ideológico coerente, nem preocupada com a construção de coisa alguma. É formada por representantes da lumpemburguesia, disposta a rifar o País, se isso lhe render lucros.

Os principais integrantes da gangue são, todos, associados ao capital especulativo transnacional, seja por vínculos diretos com o mercado financeiro (banqueiros e especuladores), seja por associações ao agronegócio e ao mercado de títulos e commodities negociados em bolsas de valores de mercados futuros. A própria base de sustentação da camarilha que habita o Planalto ofereceu uma demonstração disso, no fatídico 17 de abril, quando foi votada pela Câmara dos Deputados a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. 

Os deputados provocaram consternação mundial, mesmo entre aqueles que apoiaram o movimento pelo impeachment, ao mostrar a sua face patética, fundamentalista evangélica, crua e primária: até a “libertação de Jerusalém” foi invocada contra uma presidente legitimamente eleita. Mesmo o príncipe Fernando Henrique Cardoso reagiu com surpresa diante da falta de reação de seu próprio partido, o PSDB, à inacreditável apologia da tortura feita, na ocasião, por Jair Bolsonaro. Exatamente por não ter nada a oferecer, exceto mais miséria, fome e desemprego, Temer confunde “governar” com “reprimir”.

A polícia torna-se o grande eixo organizador da vida social. Mas, ao fazê-lo, Temer coloca-se em sintonia com o que está acontecendo no mundo em geral. Multiplicam-se movimentos neonazistas, fascistas, xenófobos e autoritários, em toda a Europa (onde o neonazista austríaco Norbert Hofer obteve 49,7% dos votos, no final de maio, quase abocanhando o cargo de primeiro-ministro) e nos Estados Unidos (onde são bem representados pelas duas faces da mesma moeda, Donald Trump e Hillary Clinton). Vivemos os desdobramentos bárbaros de uma situação caótica, exposta pela crise eclodida em 2007, que revela a fragilidade do edifício capitalista em agonia.

Os vários setores da burguesia mundial disputam entre si os espólios do que resta da economia mundial, e arrastam nessa disputa milhões de vidas ceifadas pela destruição de estados nacionais (como no caso da Líbia, Síria e Iraque), pela fome, por guerras e pestes. O mundo se parece, cada vez mais, com a descrição proposta por Margaret Thatcher: não há sociedades, há apenas indivíduos e suas famílias, que olham apenas por seus próprios interesses. Temer está em boa companhia. Resta apenas saber se ele conseguirá derrotar a resistência, cada vez mais ativa e maior, ao seu governo destruidor.

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